Das janelas da prisão
Tradução: Felipe Chaves Gonçalves Pinto
HTML: Felipe Chaves Gonçalves Pinto
Primeira publicação da tradução: Pinto, F.C.G. A terra do sol negro: a representação da melancolia em escritos carcerários japoneses, vl. 2. Dissertação de Mestrado, USP, p. 317-575, 2024. Disponivel em: Banco de dados USP. Acesso em: 07/11/2024.
Texto original: Kyûtarô, Wada. Gokusô kara, Tóquio: Kaizôsha, 1930 (1926). Disponível em: NDL Digital Collections. Acesso em: 08/10/2024.
Este texto está licenciado por: Licença Creative Commons Atribuição-CompartilhaIgual 4.0 Internacional (CC BY-SA 4.0).
Nota: A tradução não abrange as cartas presente na obra original.
Sumário
O céu azul, as nuvens negras
A emoção da tristeza, o prazer da tristeza
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Eu gosto muito dos romances iniciais de Izumi Kyoka. Gosto da escrita de Taoka Reiun, fervorosa como a Via Láctea. Eu gosto do sabor sério de Artsybashev.
Estes todos oferecem o “prazer da tristeza” que eu busco.
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Eu gosto muito dos dramas clássicos e dos kôshaku. Dos dramas clássicos, eu gosto do universo miserável e sórdido das obras de Nanboku. Os shiranamimono de Mokuami também não são ruins. Dos kôshaku, eu gosto dos do tipo de Hatamoto gonin otoko, Gokan roku, Dakki no Ohyaku, Gijin no Omatsu, Tenpô Rokkasen.
Estes todos oferecem a “emoção da tristeza” que eu busco.
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Eu sinto a aglutinação da emoção da tristeza na atmosfera selvagemente atroz, miseravelmente cruel das lamacentas estalagens baratas da capital imperial. Sinto principalmente vindo das vidas selvagemente atrozes dos trabalhadores e dos diaristas que vivem em Fukagawa-Tomikawa-chô. Sinto vindo principalmente dos miseravelmente cruéis e dos amores melancólicos dos artistas de rua, dos camelôs, das prostitutas de Yoshiwara e dos moradores dos parques na ponte Namidabashi, em Asakusa.
Eu também sinto uma espécie de fixação intolerável pela tristeza dos apostadores profissionais, do fétido esgoto, das mulheres com inflamações mucosas e virais misturados com a atmosfera imoralmente patética que exala dos prostíbulos, ou dos quartos rotativos das prostitutas nos bordeis.
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Eu gosto dos trovões. Gosto principalmente do brilho azulado dos relâmpagos. Ao ser banhando por aquele clarão de tom triste sinto como se toda a turvalecência de minha cabeça explodisse para fora.
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Eu gosto de haiku. Consigo sentir a misteriosa tonalidade da tristeza humana nestes versos curtos, desoladores, de elegante simplicidade, inconvencionais, cuidadosos e meticulosos. Eu também gosto dos poemas de Bashô.
Nada indica que
em breve perecerá:
cigarra de
outono.
Os lábios gélidos
ao me exprimir em palavras:
ventos de outono.
O hibisco-da-síria
à margem da estrada
devorado pelo cavalo.
No entanto, não tem nada que me desagrade mais do que os poemas largamente apreciados dele. Um dos mais famosos é aquele que canta:
Poço velho
som d’água:
um sapo que mergulha.
Não suporto o tom de sabedoria que estes poemas carregam.
Entristeça
este desgraçado eu
com o teu canto, cuco!
Adoecido em viagem
corria de um lado para o outro por campos devastados
que via em sonhos.
Eu prefiro infinitamente os que cantam nesse estado de espírito. O toque de tristeza de Bashô flui claramente nestes versos.
Eu gosto mais de Issa do que de Bashô. Issa possui pouco da afetação de um compositor de haikai. Em seus versos tanto o riso quanto o lamento ou o remorso são expressos com autenticidade.
Quem é que vem
tão patusco
e sumidiço?
Pulem e dancem,
moscas,
neste dia de boa fortuna!
O cricri
do pequeno grilo:
um riso solitário?
Se Issa ri, o grilo também ri --.
Nem mesmo a fuligem
se dão o trabalho de tirar:
lágrimas!
“Morra! Morra!”
O pica-pau
bicando o poste.
Foi Issa que conseguiu unir velhice, miséria e senilidade às suas próprias lágrimas de tristeza. Além disso, ele também expressa todo seu ódio e ressentimento contra as pessoas cruéis de sua vila natal em:
Torrão natal:
até as moscas
picam.
Pego pela nevasca
de Shinano
de meus sentimentos.
Ele também zomba das pessoas em:
Um tanto agridoce:
por certo sou a gota mínima
de lágrimas humanas.
Eu posso sentir fluindo destes poemas – tantos dos versos que expressam sua “angústia” e seu “ressentimento” quanto dos “versos cômico” – o tom de tristeza do ser-humano Issa. Tudo isso me vem ao coração agudamente.
●
Foi quando eu ainda tinha por volta de quatro ou cinco anos. Um lago que ficava no fundo do Castelo de Akashi cedeu fazendo com que o dique do Rio Akashi ruísse provocando uma grande inundação que tomou os arredores do castelo e chegou até nossa miserável residência. Como a água havia chegado muito repentinamente, só deu tempo de levantar os tatames. No entanto, a inundação continuamente veio para o assoalho da casa. Fizemos um estande com as tábuas do assoalho e com a caixa de carvão e colocamos os tatames ali em cima, onde me fizeram sentar. Alguém lá da pensão do dono da casa veio nos buscar e, finalmente, conseguimos ir para o segundo andar.
A inundação começou a regredir pela tarde enquanto ainda estava claro. O sol brilhava no céu, como se fosse verão, impiedosa e abominavelmente. Nossa casa não tinha sofrido grandes perdas, apesar de tudo. Os maiores estragos foram o muro de barro dos fundos que tinha caído e alguns buracos que se abrira nas paredes. Contudo, a caixa de carvão, a caixa de arroz e a maior parte dos utensílios da cozinha tinham sido levados pela correnteza para algum lugar desconhecido. O altar budista estava revirado ao lado da latrina. Os tatames e os jogos de futon estava enxarcados e espalhados pelo chão do jardim.
Foi em um dia ensolarado de outono quatro ou cinco dias depois daquilo. Após a inundação tínhamos perdido os tatames e, no lugar, estávamos usando tapetes de palha. Eu estava inconsolável com tudo aquilo e importunava meus pais o dia todo como uma criança mimada. Neste dia eu, novamente, fui até o lado de fora observar, saudoso, a carcaça daqueles tatames enxarcados e empilhados na rua de frente para nossa casa. Nisto, dois cavalheiros muito bem-vestidos, um com casaco e hakama e o outro com roupas ocidentais, vinham da direção da estação conversando qualquer coisa. Os dois pararam bem ao lado de onde eu me encontrava e começaram a falar mais uma vez entusiasmados.
Ambos traziam uma bengala ocidental e, enquanto riam e conversavam, começaram a cutucar o tatame amolecido com suas bengalas ocidentais. Eu fiquei boquiaberto. Então fitei demoradamente os dois cavaleiros com meus olhos injetados de ódio, no entanto, os dois, como se eu não passasse de um sapo rugoso qualquer, sequer me notaram. Continuaram, sem perturbação alguma, rindo e abrindo buracos com suas bengalas no tatame. Eu corri para dentro de casa com o rosto deformado em um quase choro. Então agarrei a manga de minha mãe que estava na cozinha, protestando:
“Mãe, dois velhotes que nunca vi antes estão agora lá fora abrindo buracos em nossos tatames. Vá lá rápido, mãe, e brigue com eles, brigue com eles!”
Minha mãe de início se assustou com minha entrada voraz, mas, ao escutar meu protesto, se pôs a rir.
“Agora mais essa..., não tem com o que se preocupar com aqueles tatames podres, tem?”
Eu fiquei ainda mais irritado com a resposta de minha mãe. Eu carreguei ainda mais a minha carranca de raiva e fiquei encarando, inquisidor, o rosto de minha mãe. Nisso, ela, como se tivesse repentinamente mudado de ideia, disse:
“Ah, é, entendi, entendi. Vou só acabar aqui e vou agorinha mesmo escorraçar aqueles dois velhotes lá fora. Espere só um pouquinho.”
Não cessou de trabalhar, no entanto. Eu ainda disse uma ou duas coisas para minha mãe, mas como estava muito mais preocupado com os tatames lá fora, voltei para lá para conferir a situação. O de roupas ocidentais já não estava mais a vista, mas o de casaco e hakama, como se aguardasse o outro ir embora, estava de cócoras em cima do tatame carcomido. Ao ver aquilo, não pude me conter.
“Buá...”
Chorando em plenos pulmões, fui em direção àquele cavaleiro para agarrá-lo. Ele se assustou e disse:
“O que foi? O que foi? O que aconteceu?”
Nisso, se levantou e conteve meu corpo que seguia em sua direção. Minha mãe saiu às presas de dentro de casa ao escutar meu choro. Então, enquanto se desculpava com o cavaleiro, me agarrou célere enquanto me puxava para dentro de casa.
Eu, desde meus tempos de criança, sou um homem que possui este tipo de natureza. De tal forma que acredito que o desenvolvimento desta minha afetação que busca a emoção da tristeza tem suas raízes intimamente plantadas no meio em que vivia naquela época.
●
No verão de meus 21 (?) anos eu fui até o mar de Tosa para cometer suicido, mas aquela viagem à deriva depois da falha tentativa de suicídio acabou aprofundando e intensificando ainda mais em força minha necessidade de buscar a “emoção da tristeza”.
Foi em meados de agosto. Eu, ao falhar em cometer suicídio na costa de Minamihata-Usa, em Tosa, por um momento refiz meus passos rumo a Inamachi, depois segui para o norte por dentro da montanha. Fui adentrando cada vez mais nas montanhas enquanto murmurava comigo mesmo “Estou com fome... meus pés já não aguentam mais... vou acabar caindo em algum lugar na montanha... é isso!, assim eu vou conseguir morrer... hmm, as aves e as feras vão comer meus restos... é bem uma morte que combina comigo...” Eu ainda tinha uns quarenta, cinquenta centavos no bolso. Trazia comigo também um “Caderno de Haiku” e o Kyôka shôhin.
Passei a primeira noite em uma casa na montanha, mas as noites seguintes eu passei andando ou deitado nas raízes das árvores. Quando tinha fome, bebia água. Comi também alguns matos semelhantes a fuki e a feteiras que nasciam por ali. Minhas vestimentas estavam prazerosamente sujas de terra e lama. Na manhã do terceiro dia, não tinha ainda perecido e acabei chegando, inesperadamente, nas Minas de Cobre de Besshi, em Iyo.
Logo que cheguei nestas minas, repentinamente pensei: “e se eu trabalhasse aqui debaixo da terra como uma besta?”, e este passou a ser meu estado de espírito. Então fui até um local que parecia ser a administração e disse: “por favor, me deixem trabalhar”, mas fui recusado: “você realmente acha que consegue trabalhar com esse corpo?”
Depois disto, saí andando mais uma vez sem rumo. No entanto, a partir daquele momento, minha vontade de morrer tinha desaparecido. “Seria interessante viver de mendicância e vagando por aí”, até esse tipo de sentimento acabou surgindo dentro de mim. Em certa conta, fui autorizado a dormir em uma cabana de lenhador. Em outra ocasião peregrinos me deram o que comer. Também dormi junto com outro jovem mendigo sobre montes de palha debaixo dos telhados das casas. Uma vez também passei a noite em uma hospedagem barata e comi fartamente sem um tostão no bolso e, no dia seguinte, mesmo sem dinheiro, não chamaram a polícia para me botar para fora, muito pelo contrário, me deram o que comer e me levaram até a porta. Em outro momento, tarde da noite, fui até um templo em que um monge, irado, me botou para fora aos berros dizendo: “não posso te hospedar”, no que eu surrupiei um nabo que estava na cozinha e o comi enquanto caminhava noite adentro. Em outra feita, um contador de naniwabushi me deu abrigo e míseros dez centavos. – Após todos esses dias, no crepúsculo do quarto ou quinto, saí em Sanuki Marugame.
No céu, a lua de verão pairava suavemente. Por toda a cidade, homens e mulheres em seus quimonos de verão e com leques em mãos, colocavam seus banquinhos em frente aos portões para aproveitarem o frescor noturno. Aos olhos de todos, um homem de olhar sombrio e vil ia e vinha, contrastante, com sua indumentária coberta por lama e terra, queimado pelo sol, imundo e escandalosamente magro. – As pessoas, sem demora, perceberam o homem e começaram a murmurar entre si. Quando, desconfortáveis, sorrateiramente me fitavam e nossos olhos se encontravam, se assustavam com um sonoro “Ah!”, e desviavam o olhar. Na rua de uma cidade, quatro ou cinco crianças seguiam atrás de mim murmurando baixinho “é um ladrão, é um ladrão”. Então, no que eu me virei, elas gritaram e fugiram. – “Mas olha só, ele voltou mais uma vez, esse cara horripilante. Hoje a gente não consegue dormir em paz”, também escutava esse tipo de comentário. Contudo, eu não sentia nenhum grama de vergonha, tristeza ou miséria. Eu já tinha ultrapassado todos estes sentimentos. Eu somente sentia como se a emoção da tristeza penetrasse e afluísse por todo meu corpo, essa mesma emoção que eu não conseguia expressar nem com um pincel ou mesmo com palavras. Deste modo, eu andava pelas ruas da cidade e gritava em meu íntimo enquanto aquelas pessoas me encaravam. “Eu sou assustador? Vocês têm medo de mim? Por acaso vocês sentem medo de um ser humano que vive desta maneira? É por minha causa que ninguém nesta cidade vai conseguir dormir a noite? Bando de vermes! Vejam o que é bom pra tosse! Isso. – Ah!, eu também possuo esse tipo de força. É a força. Força! A força do ódio!”.
A força da emoção da tristeza se concentra completamente nos olhos. E eu vou olhar com estes olhos cada um desses canalhas –. Quando assim o fazia, os rostos, como se tivesses sido tomado pelo pavor, desviavam-se amedrontados –. Em momentos como aquele, eu sentia no fundo de meu peito um indescritível prazer da tristeza e um leve sorriso surgia em meu rosto. E, ao mesmo tempo, cintilou repentinamente em minha cabeça um pensamento intenso de prazer. Recordei-me que há uns duzentos, trezentos metros dali havia uma estação de polícia, então subitamente segui apressado naquela direção. Uma vez lá, disse olhando nos olhos do Sr. Policial.
“Eu sou um, vagabundo. Me prenda agora mesmo!... Não, eu não sou um louco. Eu estou falando sério. Eu sou, de fato, um homem que não conseguiu se matar e então saiu vagando desde Tosa até chegar aqui nesta tarde, mas como eu estou andando sem rumo pelas ruas da cidade as pessoas daqui não conseguirão dormir direito. Certamente cogitam se um ladrão não vai entrar em suas casas, se não será deflagrado um incêndio. Apesar de já ser noite avançada, muitas pessoas ainda estão cismadas comigo e sussurrando enquanto se mantêm de pé em frente aos portões de suas casas sem dormir. Apesar de eu zombar dos sentimentos deles, ao mesmo tempo também sinto um tanto de pena. Por favor, Sr. Guarda, me algeme e me leve para a delegacia desfilando em frente de todas aquelas pessoas. Se assim o fizer, eles com certeza vão ficar mais calmos e conseguirão dormir.”
Naquele momento, eu acredito que meus olhos não estavam inflamados como de um insano, mas sim que reluziam serenos e límpidos. Provavelmente, até mesmo um leve sorriso estava desenhando no canto de meus lábios. E então, em meu âmago, pensei o seguinte:
“Eu vou passar diante de todos algemado. Nesse momento eu falarei para eles. Então, assim vocês vão conseguir dormir – desse jeito vocês vão conseguir ficar mais em paz... Seus canalhas insignificantes, durmam, durmam, durmam como lagartas viradas de cabeça para baixo!...”
Mas o policial riu e não confabulou com minha sugestão.
“Vamos lá, se acalme, o que aconteceu?, para onde o senhor está indo?”
Então, assim, excepcionalmente calmo, gentil e como se me pacificasse, me perguntou diversas coisas. Eu, inesperadamente, acabei perdendo a força de vontade.
Nisso, outro policial que acabava de acordar veio do quarto dos fundos. E disse: “o que está acontecendo? Mas esse não é um sujeitinho que fala umas asneiras das boas? É um louco, não dê atenção para esse tipo. Ei, você, vamos saindo, não vai sair não?”, finalizou se dirigindo a mim. Eu, calado, sai mais uma vez para a rua.
Logo após isto, entrei na delegacia, “por favor me deixem passar a noite aqui”, e fui jogado aos chutes no meio da rua como um cachorrinho. Em atordoamento, corri até o embarcadouro, mas um barulho de arremessos de redes de pesca chegava aos meus ouvidos do mar abaixo do precipício sob meus pés e acabei não conseguindo dar cabo da vida ali. Após isto –
Eu, quanto mais repassava e refletia sobre essa deriva que estava vivendo, mais não podia deixar de pensar que ela havia sido um profundo ponto de transição em meu espírito. Eu, com tantos sentimentos e emoções, intenso e simplório, tímido e fraco, buscava com cada vez mais intensidade a “emoção da tristeza”, e finalmente, durante esta deriva, havia conseguido aceitar claramente este eu que conheceu o autêntico “intenso prazer” dentro desta “emoção da tristeza”. Desta maneira, eu senti resolutamente que dentro de meu próprio corpo brotava a força necessária para enfrentar a dita retidão, as ditas morais e religiões
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Pouco tempo se passou até que eu tivesse mergulhado de cabeça no movimento socialista. A teoria socialista me ensinou que o inimigo que eu deveria enfrentar se encontrava nas raízes das organizações econômicas capitalistas. Além disso, ensinou-me também que, de dentro desta sociedade, a força do proletariado emergia em seu intuito de criar algo significativamente novo. Foi o posicionamento sindicalista, dentre tudo isto, que aprofundou minha alegria nesta batalha. Foi isso em conjunto com as diversas linhas de pensamentos que advogavam o individualismo que forneceram minha Filosofia do poder.
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Ôsugi gritou: “Lutem! Glorifiquem a força! Embriaguem-se na beleza dinâmica! Criem a história!”. Ôsugi transbordava uma grandiosidade por todo seu corpo. Sua luta era ativa. No entanto, eu, que o seguia e vibrava com suas falas, era, ao contrário, extremamente inativo. Eu preferia um ódio lúgubre à beleza dinâmica e esplendorosa. Dentre as forças que eu louvava, as da “emoção da tristeza” e as do “prazer da tristeza” ocupavam, secretamente, uma grande parcela dentro de mim.
A maior influência que a força de Ôsugi exerceu sobre mim foi a de me libertar em larga escala de minha “tristeza efeminada”. No entanto, grande parte disto era inato a mim, e, além disso, a necessidade por “emoção da tristeza” que sentia e que tinha sido cultivada em mim desde minha tenra infância não se extinguiu de maneira alguma.
Eu buscava a emoção da tristeza... Essa era a prova de que minha temperança era sentimentalmente tão fraca. Se eu tinha qualquer coisa que poderia chamar de “força”, só pode ser uma “força” que seria, a posteriori, adicionado a mim após sagrar-me inteiramente à minha disposição sentimentalista. Infelizmente, este é o tipo de homem que eu sou. Sou um homem fraco.
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Para realmente exercer a individualidade com vigor é preciso que não nos autoiludamos. Precisamos saber exatamente quem somos.
Eu, no fim das contas, busco a emoção da tristeza! É lá que vou buscar essa sensação agradável! Minha verdadeira força só surge desta emoção da tristeza.
Oh, seres fracos! Devotem-se a sua fraqueza!
21 de abril de 1925 (Taishô 14)
Lembranças das composições de haiku
Parando para pensar, metade de minha vida tem uma ligação bastante profunda com os haiku
Não esqueço a primeira vez que compus um haiku na primavera de meus treze anos. No outono de meus doze anos, havia sido dado como aprendiz de loja aos cuidados de meu parente Kida em Kitahama, Osaka, então, na primavera do ano seguinte, após a rendição do Cerco de Port Arthur durante a Guerra Russo-Japonesa, bem em meio a grande animação e os conhecidos vivas, comecei a viver como um funcionário oficial da loja de corretagem de Sakazaki Tôbee. Na manhã do Dia do Império daquele ano, algo incomum, tinha nevado e bastante neve havia acumulado, eu, feliz, abandonei a faxina da loja e fui brincar com outro aprendiz da vizinhança, atiramos neve um no outro, construímos bonecos e fomos xingados pelos chefes das lojas. Naquele dia:
Em meio a tanta neve
esqueci até mesmo
de erguer a bandeira.
Estes foram os primeiros versos que juntei, foi o começo de tudo.
Provavelmente por esta mesma época, em um dia que tomei conta da casa do chefe enquanto ele estava fora, comi todo o doce que ele havia deixado como pagamento pelo serviço e, ainda não satisfeito, comecei a abrir as coisas e vasculhar por todo canto até que dentro de uma porta articulada em cima da cômoda encontrei uma bela caixa com manjû dentro. Eu, então, roubei e comi um, mas não consegui parar no primeiro e, dos mais de dez que tinham ali dentro, acabei deixando somente três. Nisso, em um pedaço de papel escrevi:
Restam ainda três manjû
será que servem
como desculpas?
Coloquei, assim, o papel dentro da caixa. O chefe não descobriu meu feito naquela noite quando voltou, mas, no dia seguinte, assim que ele veio à loja mostrou aquilo para todo mundo e todos riram de mim. Desta maneira, as pessoas me viam, durante o tempo em que era aprendiz, como um meninote esquisito com ares de brincalhão, e, no lugar de me chamarem pelo meu verdadeiro nome de aprendiz, “Hisakichi”, me chamava pelos novos apelidos de tom antiquados que haviam me dado, “Kyûbeehan”, “Gatuno Kyûbee”, “Mãos de polvo Hisa”, entre outros.
Pela noite, enquanto aprendiz, eu frequentava a “Escola Vocacional Suplementar” e, lá, senti um incrível interesse por uma revista chamada Shônenkai, publicada pela Kinkôdô, e que eu pegava emprestada com meus amigos para ler, em pouco tempo também me tornei assinante mensal desta revista. Eu sentia meu sangue borbulhar toda vez que enviava tanka e haiku despropositais para lá. Eu me lembro ainda hoje de quando enviei um texto para essa revista sob o nome de “Takesoto Michito” em resposta a um debate que ela levantou sobre “qual seria o melhor para uma excursão de verão, as montanhas ou mar?”, o meninote de treze anos não estava agindo como um “dôjin ”?
Por volta desta época, um dos vendedores externos da loja chamado Imagawa Eisaburô me disse: “Kyûbeehan, se você gosta de haiku, acho que seria uma boa você ler isso aqui”, e me mostrou a coleção em um volume da Hototogisu . Além de ter me ensinado, sempre que tinha uma folguinha, como criar haiku, sobre os temas sazonais, sobre a diferença entre o haiku ordinário e o de Shiki . Doravante, tive cada vez mais vontade de conhecer a verdadeira essência do haiku, e, enquanto meu chefe me xingava: “você não vai conseguir economizar nada assim”, comprei e li, às escondidas, de princípio o Haiku nyûmon, de Naitô Meisetsu , o Haiku shoho, de Kawahigashi Hekigotô , o Haikai saijiki, de Samukawa Sokotsu, e o Haikai uma no kuso, de Takahama Kyoshi , e depois ainda li as belas passagens literárias dos antigos compiladas em Haiku daikan, Buson haishû, Haikai shichibushû, e os registrados e compilados por Shiki em Shunkashûtô.
O pseudônimo artístico do Sr. Imagawa era Terumi. Ele me disse uma vez: “os versos que eu mais gosto são os de Kyoshi que segue a linha da Hototogisu, dos antigos, são os versos de Taigi que eu mais gosto”. Foi dele também de quem recebi meu pseudônimo, “Kinkô”. Ele havia tirado esse nome do Castelo Kinkôjô de Akashi, minha terra natal. Eu me lembro destes três poemas desta época que foram elogiados pelo Sr. Terumi:
Fragrância de árvores,
fragrância de verde:
primeiras cigarras do verão
Sinos de uma tarde
tranquila em Negishi,
verdejantes brotos de bambu.
Aquela que traz consigo
um filho sombrio,
bacias de arroz para sushi.
O “primeiras cigarras do verão” eu compus realmente inspirado no dia em que subi a Montanha Shigisan, mas os outros dois foram completamente fabricados. O “verdejantes brotos de bambu” eu compus como uma imitação do “Bosques e rouxinóis de Negishi” de Shiki, evidente, portanto, que eu sequer saiba que tipo de lugar é Negishi; o “bacias de arroz para sushi” foi composto porque eu queria usar a frase, que li em algum lugar, “trazer um filho sombrio”. Um meninote de treze, quatorze não conseguiria entender os sentimentos de uma mulher que traz consigo “um filho sombrio”.
No fim do ano de meus quatorze, eu fui chamado mais uma vez para retornar para junto de Kida. Ele era um vendedor de títulos de crédito, mas, depois da primavera em que eu já tinha quinze anos completo, ele me fez vestir um casaco de trabalhador e auxiliar os clientes especiais que vinham em seus carros particulares, e essa era minha mais importante incumbência e era também minha especialidade. Eu era um meninote um tanto ingênuo.
Por esta época, eu comecei a enviar constantemente haiku para os jornais que abria espaço para recebê-los. Foi quando eu estabeleci minha posição no meio e estreitei a relação com, enquanto jurados, Matsuse Seisei , do Ôsaka asahi, com Andô Tochimenbô, do Ôsaka mainichi, com Aoki Getto, do Ôsaka shinpô, com Mizuochi Roseki, do Ôsaka jiji, com Yoshida Ryûu, do Ôsaka nippô. Eu submeti alguns poemas para Seisei do Asahi, mas raramente era selecionado. Então, certo dia, vi, nas margens do Ôsaka nippô, uma propaganda da revista Saezuri dos então contribuinte Shirahana Kuchinawa , Goshi Hoshi, Niji Irô. Imediatamente fui visitar Shirahana Kuchinawa e ganhei uma revista. Ele também leu alguns poemas que trazia em minha caderneta e teceu diversas considerações. Ele me mostrou o Kôshi go kushû e me sugeriu virar um membro e estudar mais sobre o assunto. Também me falou para comparecer aos encontros mensais da Imomushi kai, e, além disso, me ensinou que as principais revistas de haiku são, em Tóquio, a Hototogisu, em Osaka, a Takarabune, em Quioto, a Kakeaoi, em Akita, a Haisei. Esse foi meu primeiro passo para os círculos literários e Haiku.
A família de Shirahata Kuchinawa fabricava e vendia meias com divisórias no lado leste da saída sul da Ponte Yodoyabashi. Bem em frente havia um relojoeiro chamado Iwade, e, naquele tempo, eu sequer sonharia em desvendar o enigma de que o dono daquele estabelecimento era um dos três ou quatro socialista da época de Kôtoku que ficaram em Osaka, Iwade Kinjirô.
Eu só me lembro dos seguintes haiku que compus na época em que estava frequentando a Imomushi kai e a Kôshi go kushû:
Crescem em volume
as águas de Hozu,
cuco-pequeno de verão.
Sentado ao chão,
pedras geladas,
árvores verdejantes.
Bravias ondas
se fazem ouvir,
voltemos à mesa-braseiro.
Os dois primeiros são exemplares de versos mundanos acorrentados à estética de palavras sazonais bem sedimentadas, mas eram sobre aquelas paragens.
Naquela época, existia em todas as regiões pequenas revistas para os novatos. Em Saitama, por exemplo, tinha a Ukishiro, pelas áreas de Iga tinha a Asazuki, e certamente havia muitas outras. Além disso, havia também muitas coletâneas do tipo Go kushû e Jyû kushû. Eu, às vezes, também submetia alguns poemas para estas coletâneas. As Go kushû, principalmente, traziam consigo a felicidade de estreitar laços com outros poetas ainda desconhecidos de diversas regiões. Nisso, certo dia, um meninote trajando um atsushi veio de bicicleta me visitar na loja. Tirou, então, uma coletânea Go kushû do bolso e disse: “me designaram para vir te entregar esta coletânea e como eu quero me aproximar de você, preferir não enviar por correio e trazer pessoalmente. Eu me chamo Kimura Toranosuke, meu pseudônimo é Fujin Shi e sou aprendiz na empresa de parceria limitada de Tsujimoto, em Tosabori. Não sei se você sabe, mas um dos funcionários de onde trabalho é o haikaísta Kameda Shôko. Ele é bem conhecido, publica na revista anual Hechima, é integrante especial e jurado da revista Arare, conglomerada por Hekisansui , San’in, Kôji, entre outros. Estou livre no dia quinze, você não quer ir até lá?”. Nós nos tornamos bons amigos rapidamente. Éramos ambos da mesma idade, amávamos haiku e trabalhávamos como aprendizes na casa de outros. Em pouco tempo já éramos amigos que compartilhavam histórias do passado.
Então, convidado, compareci ao pequeno grupo no retiro de Shôko. Ali conheci Keikyoku, Seiga, Yasuhiro da Kasegiro kai e recebi um exemplar do anual Hechima. Senti uma iluminação nova com os versos de, entre outros, Ôkaishi, Yaezakura, Shôtôrô, Hakû, Mokugo Hekidô e Rikka presentes neste exemplar. Também fiquei sabendo naquela noite que essas pessoas eram chamadas de “Nihonjin-ha”, da coluna “Nihon haiku”, da revista Nihon oyobi nihonjin, que tinha como juiz Hekigotô, e também sobre as inúmeras e talentosas pessoas presentes na coletânea Zoku shunkashûtô. Fiquei com uma forte impressão principalmente com o seguinte poema contido na coletânea:
Ao morder a grama,
doces borboletas
saem em voo.
Ôkaishi
Naquela época eu já estava frequentando os encontros da anteriormente mencionada Imomushi kai e, portanto, já conhecia os então veteranos Getto, Bokusui e Kishi, também frequentava o histórico encontro de haiku de Osaka, Mangetsu kai, e conhecia de vista Roseki e Seisei, e, portanto, já agia como um grande conhecedor. Entretanto, naquela noite, na pequena reunião no retiro de Shôko, os poemas destes veteranos foram pautas para debates e todos eles foram tratados como antiquados e tediosos. Eu fui tomado por um grande choque, mas, após me mostrarem a coletânea Zoku shunkashûtô e a coluna “Nihon haiku” eu não pude deixar de concordar com eles.
Após dois, três dias, eu mudei meu pseudônimo para “Suihô”.
Entrementes, tendo como força motriz a teoria de Ôsuga Otsuji, publicada nas páginas da Akane, de eliminar o uso das palavras sazonais, Hekigotô, nas páginas de Nihon oyobi nihonjin, publicou seu “Shinkeikô ku”. Seu texto clamava pelo esforço de seguir uma nova tendência na composição de haiku, uma tendência que era observável na não limitação em formas tradicionais de composição de cinco, sete, cinco sílabas e na adoção de formas mais livres como a sete, sete, cinco sílabas ou a cinco, quatro, quatro, cinco sílabas, adoção estas que, possibilitaria novas formas expressivas e rítmicas; uma tendência que era observável na libertação do uso das palavras sazonais, que até então seguiam sendo usadas por respeito e um acordo tácito entre os compositores de haiku, e que permitiram seguir para caminhos novos. Consigo me recordar dos seguintes exemplos de poemas que rompem com o uso das palavras sazonais:
Ao riscar fogo:
Templo Kiyomizu refletido
nas labaredas.
Daizan
Um veleiro
imerso em lua vermelha,
o grasnir do ganso.
Autor desconhecido
Crisântemo selvagem,
vagando por aí
perco os olhos em você.
Shunyûshun
A tradição ensina que quando se fala em “ganso” é preciso que se verse sobre sentimentos triste e desoladores, quando se fala do Templo “Kiyomizu” é preciso compor versos em tom sereno e calmo, mas para os novos poetas que estavam fartos destes círculos que se acorrentavam a estas tradições, os versos que apresentei anteriormente sem dúvidas representavam uma nova e fascinante vertente.
Destarte, o “Shinkeikô ku”, de Hekigotô, em conjunto com os esforços da segunda peregrinação poética por todo o país do autor, começou a tomar todos os círculos de haiku. As pequenas revistas de haiku dos interiores pereceram quase por completo. Todos disputavam para se tornarem contribuintes da coluna “Nihon haiku”. Naquela época, chegou mesmo a circular o boato de que mais da metade das vendas da Nihon oyobi nihonjin era exclusivamente por conta dos haiku. Na Hototogisu, deixada por Shiki, os autores, a começar por Kyoshi, estavam direcionando seus esforços para os romances e prosas esquetes , como se o fogo do haiku estivesse minguado, e mesmo Tôyôjô, ou Reiyoshi, ou Matsuhama, ou Kijô não pareciam muito interessados no assunto. Rogetsu, Heki, Gokû da Haisei de Akita, entraram em ruína mesmo antes disto, San’in se inclinou para a força hegemônica, e a Arare que seguia atacando o “Ambicioso Hekigotô”, em pouco tempo, também foi descontinuada. A Kakeaoi, de Quioto, em decorrência do poder monetário de Kubutsushônin e das palestras em peregrinação de Hekigotô, sobreviveu por muito pouco; a Takarabune, de Osaka, não passava de um conglomerado de poucas pessoas fortemente enclausuradas em torno da figura de Seisei.
A conquista esmagadora da nova tendência transferiu toda a adoração para a figura de Hekigotô. Ele era chamado de “Mestre Heki”, e quando ele começou a aprender o estilo caligráfico rokuchô com Nakamura Fusetsu , todo mundo em tudo quanto é lugar começou a imitá-lo. Foi uma verdadeira confusão em que todos traziam consigo o Ryûminjô (livro de modelo caligráfico de Fusetsu) e seus pinceis ryûmin e alardeavam que quem não escrevia com uma caligrafia rústica não podia ser considerado um compositor de haiku. Eu também me peguei imerso neste turbilhão.
No verão de meus dezessete anos, eu deixei mais uma vez a loja de Kida e passei a morar e trabalhar para a Loja de Corretoria de Bolsas de Ojima Aizô.
No inverno do mesmo ano, Hekigotô havia começado a reforçar nas páginas do Nihon oyobi nihonjin seu “Muchûshinten shugi”. E deu, como exemplo, o seguinte poema:
Vem até os campos floridos de outono
em meio a chuva,
e fica longamente na casa principal.
Kyôya
Hekigotô, sobre o assunto, disse o seguinte: “Não existe neste poema um ponto central. Não é um poema em que se pode estabelecer um ponto de vista. Além disso, o leitor pode sentir destes versos um profundo sentimento acerca da lenta passagem de tempo do cotidiano do autor”. E, para explicar melhor seu ponto, cita como exemplo a obra Ralé de Gorki que considera o mais completo e natural exemplo de uma peça que não possui um ponto de foco, que li com bastante interesse.
Por volta do ano seguinte, os poemas de Ippekirô, de Bichû-Tamashima, e dos irmãos Kyôya começaram a se destacar na coluna “Nihon haiku”. Foi também a época em que o atual grande representante do mundo artístico, Kume Masao, com seu pseudônimo artístico Santei, começou a brilhar com seus versos deslumbrantes. Além disso, Seisensui , seguindo seu próprio caminho, começou a publicar a Sôun e estava colocando um verdadeiro esforço para abrir novos terrenos.
Dando seguimento, a peregrinação de Hekigotô havia chegado a Osaka. Muitas palestras, encontros e círculos de composições de haiku aconteceram, e os grupos literários de Kansai estavam em polvorosa com os acontecimentos. Entrementes, os meios literários do romance estavam recebendo diversas obras que enfatizavam preceitos individualista de Ibsen , no campo das ideias, foi introduzida a filosofia de Bergson de Eucken , e todos começavam a falar entre si sobre Intuição e Individualidade. Essa mesma tendência se infiltrou também no mundo do haiku. E, deste modo, palavras como “Individualidade”, “Intuição” e “Ânimo” começaram a ganhar bastante relevância na crítica literária de haiku. Começaram a aumentar o número de jovens que liam a Shirakaba e a Sabaru para teorizarem sobre novas formas de literatura até mesmo entre os compositores de haiku de Osaka. E entre estes jovens, começou a ser publicada uma revista de haiku, a Kamiginu. Os envolvidos no processo editorial eram, contando comigo, Shakyû, Yûgyo, Kusameikyû (trata-se de Satake Bun’ichirô que está agora na Genbunsha), Kaeikô, Shôyochi, Setto, Sekkotsu, Sessai (trata-se de Takii Kôsaku que se tornou um romancista). Nisso, recebemos o apoio de Tenrô e Santei diretamente de Tóquio.
Contudo, a Kamiginu foi descontinuada depois de cinco ou seis edições sem deixar vestígios. Nesta época, o movimento de aprofundamento do “senso de individualidade” da nova vertente chamava a atenção para a tese de que jurados eram desnecessários e, nisso, diversas revistas individuais começaram a ser publicadas nos mais diversos locais. Dentre estas, a que mais chamou atenção foi a XXX de Kawanishi Waro, em Kobe, e Tsuchi, publicada em Gifu por Uhei e seu companheiro que vivia como camponês, Kinsai. A Tsuchi, em especial, graças ao estilo fervoroso de Kinsai, recebeu muitas opiniões elogiosas. Eu, de minha parte, enquanto o mundo literário do haiku parecia cada vez mais inclinado a aprofundar sua individualidade, não podia mais suportar minha neurastenia sifílica e as incertezas da vida e parti, então, em viagem para Tosa para jogar meu corpo em suas águas azuis. Este suicídio não foi bem-sucedido, mas, internamente, foi um ponto de virada e, enquanto passava por uma revolução em meus já abandonados meios de vida, acabei por deixar de vez o haiku.
Este ano faz exatamente treze anos que eu abandonei o haiku. Durante este tempo, eu vi na capa de um livro que me trouxeram quatro ou cinco poemas no estilo das produções recentes de Hekigotô e Seisensui, mas, mesmo ao lê-los, não achei nenhum particularmente bom. Será porque estou desatualizado das novas tendências deste mundo?
Tenho pensado em passar a limpo em um papel pautado alguns poemas que compus, nomear como Coletânea de haiku de Suihô, e enviar junto a algumas fotos velhas para minha mãe guardá-los, mas, provavelmente, isso tudo só vai acabar perdido.
Não me lembro de praticamente nenhum poema que compus na época em que a dita facção da nova tendência (aqueles que se sentiam honrados de ocasionalmente terem, dentre todos os poemas submetidos, um ou dois versos publicados como que por pena) estava em alta. Consigo me lembrar vagamente de um relativamente bom que compus por volta de 1910 ou 1911:
Em reclusão, arrancada uma flor,
disputa de forças,
canto do Mozu
.
Me lembro também de um que fiz na época que a teoria de abolição do ponto de foco estava em difusão:
As águas aquecidas de primavera
seguem todas
para uma mesma direção.
E me lembro também de um que compus durante o encontro de composição que Hekigotô realizou durante sua peregrinação e que foi publicado na Zoku nihon haikushô.
Uma letra na pedra das conservas:
como se encontrasse pessoas
nessa invernosa condição.
Após recém ter abandonado o haiku, fui, junto à Gydô, de Kobe, e Mori, de Ikuta, para as proximidades da montanha Takatoriyama em busca de inspiração para composições e, ali, compus o seguinte poema:
Ó, dono deste muro
de terra batida, me dê
um bulbo desta crista-de-galo.
São versos um tanto rudimentares, mas, independentemente de sua qualidade, refletem bem as tendências de composição da época. São versos de uma época em que não bastava se contentar com a representação da natureza, mas era necessário também externalizar a profunda e subjetiva força imanente contida ali.
Nos anos seguinte, quando estava de mente e corpo no movimento socialista e até mesmo trabalhei como operário para uma linha ferroviária da prefeitura de Tóquio, também compus rapidamente os seguintes poemas:
Coberto de graxa
aperto firme em minhas mãos
uma moeda de cobre.
Envelheço como a fumaça
da nicotina que passa
pelo cachimbo.
Agonias de desejos sexuais:
ao capturar um peixinho dourado
ganas de o assassinar.
Salgueiro de Ginza:
um cavalo
urinando morno.
Então, após três ou quatro anos, já havíamos aberto uma filia da Rôdô undôsha em Osaka. Certo dia, andando por Horie, aviste um anúncio em um certo templo grande que dizia: “Encontro de haiku de boas-vindas para Hekigotô”. Naquele dia, felizmente, havia despistado os policiais que me seguiam e, tomado por uma nostalgia imbecil, tratei logo de entrar alí. Nesse local, havia entre vinte e trinta pessoas ali, mas só encontrei, além de Hekigotô, três rostos familiares ali, Yûgyo, Seiga e Kozomezuki. Todos me receberam um tanto surpresos. Eu não tinha intenção alguma de compor naquele dia, mas compartilhei dois ou três poemas que havia escrito enquanto, como comentei anteriormente, trabalhava de operário. Nenhum deles foi escolhido por ninguém, mas eu me lembro que Hekigotô, quando pegou meu poema “fumaça de nicotina”, deu um sorriso amargo com toques de satisfação.
Após minha prisão, descobri que, ao compor alguns poemas para matar o tédio, ainda sinto certo interesse por eles. No entanto, provavelmente por estar atrás das grades, tenho especial prazer com os poemas mundanos.
Uma gota de viço primaveril
respinga, breve e intensa,
em um clarão.
Nove de abril de 1925 (Taishô 14)
Não chore, seu imbecil!
“Então você começou a chorar mais uma vez, seu imbecil. Começou a chorar mais uma vez com aquela voz, babando e derramando lágrimas, não é?!
“Com que diabos você está triste? Por que raios você está chorando? Eu vi você brevemente na hora do banho, você não tem um corpo excelente? Seus ossos não estão todos no lugar e você não tem quase dois metros de altura? Mesmo em idade, você não parece ter mais de 25, 26 anos. Então porque, mesmo com uma constituição desta, um rosto deste, você abre a boca para chorar desta forma? Essa merda não é nem um pouco interessante. É certo que você vai abrir o berreiro em dias nublados ou quando a escuridão começa a crescer.
“Não interessa se você chora ou não, a prisão é isso aqui e essa reputação vem de muito antes. Seu imbecil melancólico, se você quer chorar, que chore, mas chore como se sua vida estivesse em jogo, chore como se fosse estourar seu peito, chore com seriedade como se fosse marcar todas essas paredes com um jato de sangue! Ainda que seja o mesmo choro, se você o fizer desta maneira, pode ser que valha a pena ouvir.
“Você está chorando de novo, não é?! Mais uma vez chora com seus buás buás, não é?! Hoje que eles te prenderam nestas algemas de couro você tem ainda mais vontade de chorar, não é? Seu imbecil de lágrimas tempestivas! Sabe, é porque você chora incontrolavelmente que eles fizeram isso, eles não podem permitir que você se pendure pelo pescoço por aí e, foi exatamente por isso, que eles gentilmente vieram te proteger. Estão te protegendo com essas algemas de couro! Vê se agradece direitinho em meio ao seu laborioso choro se não o carcereiro pode ficar bravo. Experimente se enforcar para você ver como o responsável pelos carcereiros não perde seu ganha pão rapidinho.
“Para de chorar! Imbecil! Você vai chorar até quando, desgraça? Cala a boca! Que barulheira, que irritante! Essa vozinha nojenta, sabe, por hoje eu já tive o suficiente só com essa chuva. Todos que estão a sua volta, sabe, cretino, todos eles diariamente estão sofrendo com diversas desilusões. Estão com mãos e cabeças emaranhados, como aranhas, na escuridão de suas desilusões dolorosas, tristes e revoltantes, e sofrem por estarem emaranhados dentro destas mentes. Mas se livrando um pouquinho disso, eles sofrem enquanto tentam cuidar bem de seus corpos, meditam, se entregam a leituras ou mesmo se afeiçoam aos pardais. Entre trocas de bocejos e tossidos, esses companheiros que raramente veem o rosto um do outro se confortam entre si. E ainda assim, ainda assim, por acaso seria possível que eu suportasse sua choradeira só por causa de um dia de chuva triste ou pela invasão da escuridão do entardecer? Você está me escutando bem? Seu canalha imbecil! Vá te foder, seu merda!”
Três de junho de 1925 (Taishô 14)
A educação da individualidade de Ôsugi
Ôsugi era um homem de tez escura, alto e forte, os olhos particularmente grandes, apreciava comidas gordurosas, sempre cheio de energia, vigor e viço e trazia o interior da boca fétido.
Ele tinha uma individualidade bastante forte, e, portanto, em certas ocasiões, era um homem bastante arrogante. Somente por este motivo, respeitava também outras individualidades e desprezava aqueles que não a tinham.
Quando eu estava com dificuldades para escrever um artigo para a Rôdô undô, Ôsugi me dizia para descansar e tomar um chá e, enquanto isso, conversava sobre diversas amenidades comigo. E quando eu me entusiasmava com aquelas conversas ele então repentinamente se levantava dizendo: “é isso, escreva sobre isso. Escreva sobre o que você estava me falando agora, exatamente com estes sentimentos. Se você assim o fizer vai conseguir escrever imediatamente. Rompa agora mesmo com essa hesitação ao escrever!”. Então eu começava meu trabalho de mau humor.
“Mas eu não consigo escrever direito, vou pensar sobre por mais um tempo”, no que ele retrucava gritando: “Não fala besteira. Você não é nenhum acadêmico, escreva enquanto grita que é um trabalhador. Não interessa se você falar algo de errado, o importante é escrever com sentimento. O que você acabou de falar é interessante, sabe. Por acaso existe alguém que não consegue escrever o que disse? Não pense nessas coisas covardes, o que importa se talvez rirem de você?”.
Eu também ficava irritado quando gritavam comigo e, enquanto urrava internamente: “que merda!”, me lancei na escrita. Nisso, quando Ôsugi veio ver o resultado, disse, enquanto sorria: “olha aí!, não é que você consegue escrever maravilhosamente bem?!” e tomou em suas mãos partes do texto. Eu fiquei contente com aquilo e ganhei mais coragem para continuar. Também fiquei mais confiante.
Ôsugi jamais me ensinaria algo com sermões ou algo do tipo. Ele fazia com que a coisa acontecesse espontaneamente. Foi desta maneira que ele me educou acerca de tudo.
Em certa ocasião, ele, ao ler um pequeno rascunho que estava escrevendo, disse: “Esse aqui não presta! Não copie meu jeito de escrever. Escreva da forma como você escreve”, e rasgou ruidosamente o manuscrito. Naquele momento eu fiquei consideravelmente nervoso e argumentei bastante com ele. E então fiz com que ele o publicasse. Essa consideração de Ôsugi pelos outros me deixava verdadeira e profundamente contente. Ele era um homem que respeitava a individualidade alheia a este ponto.
Cinco de agosto de 1925 (Taishô 14)
Reminiscências sobre Muraki Genjirô
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Hoje é dia 24 de janeiro. O mesmo dia em que encravamos nosso sangue obscuro nas nossas primeiras páginas do movimento. O fato de, nesta mesma data, Muraki ter falecido em cárcere é o que podemos chamar de fatalidade e de forma alguma é algo que deva ser tratado como uma piada risível. Antes de tudo, isso não passou de uma simples coincidência. Mas, no entanto, através dessa furtiva coincidência eu aprofundei ainda mais minhas emoções.
Muraki, diferente de mim, era um anarquista convicto, era um terrorista.
No início do verão de 1918 ele estava à beira da morte por conta de uma doença na casa de Nobushima em Hongô-Daimachi. Mas, como naquele dia seu humor estava bom, me sentei ao lado de seu leito e, enquanto abria edições velhas do jornal Heimin shinbun e do Jiyû shisô conversei amenidades com ele. Muraki falou sobre diversas coisas do tempo do Incidente de Bandeira Vermelha e d’O Caso de Grande Inconfidência . Por fim, ele foi apanhar uma velha fotografia. Estavam naquela foto o próprio Muraki, Kôtoku Shûsui, Kan’no Yûgetsu, Niimura Tadao, Fukuda Takesaburô e Momose Shin. Muraki parecia gostar bastante de Niimura e teceu grandes elogios a ele.
Logo em seguida, ele mostrou fotos de doze pessoas. E contou um tanto animado: “olha esse retrato de Niimura, o rosto é dele, mas o corpo é o meu. Niimura só tinha fotos de rosto, aí eu peguei uma foto minha e troquei do pescoço para cima, montando esse retrato”. Então tirou do armário um embrulho de pano. Quando o abriu, vi que lá dentro tinha uma indumentária com o brasão de sua família, uma cueca fio-dental de algodão branco e uma adaga.
“Esta é minha determinação e minhas roupas para realizar o ritual. Eu não quero morrer de uma doença!”
(Me lembro que, posteriormente, ele, alegando que Mako poderia estar com frio, mandou ajustarem o quimono com o brasão da família para ela vestir.)
Ele, apontando para o pilar da varanda, riu com tristeza o mostrando. Quando me virei para olhá-lo, vi um humilde longo papel de poema colado lá.
Águas de outono,
Persigo uma borboleta,
Que desolação!
Era o poema que estava escrito ali com letras finas e, logo abaixo, assinado como “Gen”.
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Pouco antes daquilo, quando Muraki ainda dormia e acordava normalmente.
Nesta época, eu estava colocando todas as minhas forças na publicação do jornal Rôdô shinbum junto com Hisaita e Ôsugi em Kameido. Logo após a primeira edição da revista, em meio a uma verdadeira opressão, tivemos que agir, como Ôsugi dizia, “fingindo ser Zigomar ”. Isto é, se não agíssemos desta forma, não conseguiríamos publicar nada. Então, frequentemente utilizávamos a casa de Nobushima em Daimachi para escapulir sorrateiramente pela cerca da parte traseira a fim de podermos fazer nossas atividades. Desta forma, aquela casa estava sempre muito bem vigiada pela polícia.
A quarta edição do Rôdô shinbun foi publicada secretamente. Foi imediatamente proibida e procurada por todos os lados pela polícia, mas nunca a encontraram. Os policiais das forças especiais da estação de polícia Motofuji invadiram a casa de Daimachi. Dentro da casa só estavam Muraki e sua tia.
“Nós sabemos que a quarta edição do Rôdô shinbun foi trazida para cá, traga-a para nós”, foi o que o policial da força especial disse. Muraki, enquanto sorria, se levantou e disse:
“Eu agradeço o esforço dos senhores. Mas, ninguém trouxe nada para cá.”
Com essa fala mansa, ele mesmo convidou os dois policiais das forças especiais e ajudo-os a vasculhar todo o local. Até mesmo se colocou na posição de descer as roupas de cama dentro do armário. O policial estava completamente dominado pela atitude de Muraki e, tranquilizado, disse um tanto sem graça:
“Não se preocupe, pode deixar assim mesmo, bem que eu desconfiei... Eu sempre achei que não estava aqui, né, mas, você sabe, o Superintendência estava insistente com isto...”
Então, após comerem alguns doces e tomarem chá, se despediram e partiram dizendo:
“Melhoras, Sr. Muraki.”
Dentro daquele armário que Muraki havia aberto e mostrado para os policiais havia mais de duas mil cópias do jornal escondidas debaixo de um pano de algodão. Todos que conhecem Muraki, certamente encontrarão o mais autêntico cintilar do próprio Muraki nesta atitude.
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Três ou quatro pessoas da associação estava em volta do braseiro compenetrados em um bate-papo. Sem muito o que fazer, eu folheava uma revista velha que estava ali quando pousei os olhos em algumas pichações em vermelho espalhadas pelas folhas. Dentre estas, tinha uma que dizia: “Se possuirmos nem que seja uma fé mínima, ao ordenar que uma montanha entre no mar, assim o será”. Eu que odiava Jesus, virei para Yamaguchi que havia escrito aquilo e imediatamente comecei a zombar dele.
“Tsc!, que merda é essa... Que maravilha otimista, hein? Entendi, entendi, se o ser humano chegar até este ponto de loucura, ele também conseguirá ir para o céu!”
Yamaguchi, na temperança de costume, ficou inflamado com aquilo e retrucou. Minha língua viperina ficava cada vez mais agressiva. Nisso, Muraki que dormia em um quarto de três tatames ao lado da cozinha, abandonou o livro de histórias que segurava e se levantou.
“Yamaguchi, continue se empenhado. Mas, não tem utilidade ficar enumerando esses argumentos lógicos como você faz.”
Ele disse se virando para mim. E continuou:
“Wada, você provavelmente não entende estas palavras, né... Você se dedicar de corpo e alma ao movimento trabalhista, se simpatizar com a teoria de tábula rasa de Ôsugi, isso tudo não é lógica, é fé, sabe. É justamente nesta palavra que podemos encontrar a essência do anarquismo. Todos nós temos esse tipo de crença!”
Após ele dizer o que queria dizer, mais uma vez se enfiou para dentro do quarto de três tatames. E, após se aconchegar no kotatsu, voltou a ler seu livro de histórias com a expressão serena. Eu disse:
“Há, há.... Realmente, eu não sou pálio para Muraki”, e acabei soltando uma risada.
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Foi durante a editoração de alguma edição do Rôdô undô. Como de costume, eu estava na sala editorial do segundo andar encarando fixamente o manuscrito. Muraki, então, trouxe lá de baixo uma batata assada de lanche para mim.
“O que você quer fazer depois, Wada? Quando você acabar de escrever, que tal eu te pagar uma entrada no teatro Kinguruma tei? Hakuzan vai apresentar.”
Ele disse enquanto espiava sobre minha mesa.
“Ora vejam só. Você ainda está nesta chamada, ‘Apelo aos membros da Aliança das Associações Trabalhista de Kansai’? Essa é boa, você não tinha escrito isso na manhã de ontem?”
Não era de se estranhar sua surpresa. Após escrever a chamada, eu fiquei durante aqueles dois dias só encarando o papel.
Após pensar por um momento, Muraki deu um sorriso largo. Foi até o armário e trouxe até minha mesa um exemplar antigo do jornal Nikkan heimin shinbum.
“É inevitável que você esteja sofrendo assim. Eu pensei numa coisa boa. Copie algo que Kôtoku escreveu daí e coloque em todas as folhas Rôdô undô. Faça isso!”
“Não brinque comigo”, eu disse e sorri amargamente. No entanto, naquele momento, eu vi o rosto de Muraki ficar, inesperadamente, bastante sério e refreei mesmo meu sorriso amargo. Muraki disse:
“Você só tem um objetivo. No fim das contas, só tem uma razão para você ficar polindo seu texto com todas essas voltas complicadas. O que precisava ser dito, Kôtoku já o disse. O que a gente precisa é de propaganda. E isso é fácil de conseguir. Basta repetir as mesmas palavras de novo e de novo. Assim está bom”
Eu olhei fixamente para o rosto dele. Ele deu outro sorriso largo e disse:
“Desculpe, foi falta de educação minha. Faça como você preferir. Eu vou estar ali no kotatsu lendo minhas histórias...”
Deixei escapar um riso fraco. Vendo-o de costas prestes a descer as escadas, senti como se desse uma grande expirada do fundo de meio peito, “esse é o estilo Muraki...”.
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O “Genzinho de Yokohama”, ou o “Mano Gen de Kamakura”, adorava quimonos de colarinhos pretos e quimonos de verão em shiborizome. Além disso, em todo lugar que ele ia, logo se tornava “um dos nossos”. Era um homem que possui uma inimitável candura.
Parte de meus estranhos gostos de ares do período Edo é por influência dos romances de Kyôka e, a outra, é por conta da educação que recebi de Muraki. A primeira pessoa que me levou até o teatro Kingurama, de Hacchobori ou Asakusa foi ele.
Anteriormente ele era cristão. Após começar a se envolver com os movimentos socialistas em Yokohama, perdeu muito de sua fé no cristianismo, mas, segundo ele mesmo, só abandonou por completo sua crença quando foi preso no Incidente de Bandeira Vermelha e, na Prisão de Chiba, leu Uchû no nazo.
Entretanto, como todos o sabiam bem, ele era um homem de fé. Ainda restava nele algo que exalava a cristianismo. Todo Natal ele enviava para as crianças de seus amigos um “presente”.
Muitas pessoas conheciam o cândido e gentil Muraki. Por outro lado, creio que provavelmente eram poucos os que conheciam sua “ulterior e cristalina potência agentiva”... A foto do refugiado polonês Boretsukii, que estava na casa de Ôsugi em Sugamo, trazia um rosto que refletia bem os fortes traços da “perspicácia” de Muraki. Será que aquela foto ainda existe por aí...
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Acho que foi na primavera de 1918 que Fukuda Kyôji se enfurnou em uma enorme casa mal-assombrada em Akasama-Daimachi (?). Nesta casa foi aberto o Encontro Comemorativo da Revolução Russa. Para aquela época, era realmente uma assembleia inusitada que reuniu Sakai, Takabatake, Ôsugi e Arahata. Yamakawa, como de costume, não estava presente. Haviam se reunido por volta de trinta pessoas.
Takabatake, que demonstrava um entusiasmo selvagem com qualquer tipo de revolução, mesmo que não seja anarquista ou sindicalistas, assim que a Revolução Russa de Fevereiro aconteceu, imediatamente entoou odes a Kerensky e, então, quando a Revolução Russa de Outubro aconteceu, sem demora começou a louvar Tróstski. De modo que, naqueles dias, ele era uma figura bastante influente.
Um debate acerca da Revolução Russa se instaurou. Ôsugi dizia que as táticas de batalha da ala mais radical russa foram todas emprestadas do movimento anarquistas e apresentou uma série de exemplos. Takabatake retrucou: “mas a Ditadura do Proletariado é diferente, não é?”, “Não, isso era algo que os primeiros anarquistas já defendiam”, Ôsugi respondeu, “isso lá é algo que vale a pena ser escutado!”, Takabatake riu zombeteiro encerrando esse pequeno ato.
Todos expressavam suas opiniões em alto astral. Muraki, que era um anarquista convicto, encarava abertamente Takabatake. Pálido, ele se ergueu. Subiu até o palanque, mas antes de abrir a boca, como tomado por uma intensa emoção, desatou a chorar. Um pouco depois, encorpando sua voz chorosa, começou a falar do “Caso Kôtoku”. Nisso, Takabatake que estava logo abaixo do palanque riu escandalosamente dele. Muraki desceu do palanque encarando, sem sombra de dúvidas, profundamente Takabatake.
Foi quando já se fazia um novo dia. Muraki, com as mãos no bolso, seguiu, decidido, para a Baibunsha em Hibiya. Todos os outros membros estavam no segundo andar, mas Takabatake se encontrava no terceiro. Muraki, após certificar-se que Takabatake estava só, subiu diretamente para lá. Então parou em frente à mesa dele e disse:
“Eh, me desculpe por ontem!”
O saudou enquanto sorria. Takabatake, com um sorriso estranho no rosto, respondeu ao cumprimento. Então, naquele instante, a postura de Takabatake mudou abruptamente. Uma pistola reluzente estava apontada roçando seu peito.
“Ah!”, ele gritou e se estrebuchou da cadeira em que estava. Takabatake tremia de pavor, Muraki que observava tudo com atenção, disse, educada e cuidadosamente:
“O que foi, é só um draminha, me desculpe, me desculpe.”
E então voltou para casa.
No dia seguinte, ele foi chamado na delegacia e lá tomaram sua pistola. Então Muraki foi até a associação cobrar o valor de sua pistola que havia sido apreendida. (A parte final da história eu ouvi diretamente dele).
31 de janeiro de 1925 (Taishô 14)
Algumas coisas que gostaria de solicitar para meu pós-morte
Desilusões para além de minhas erradas convicções
“Como, um testamento!?”, alguns podem, com estas palavras, querer virar os olhos para o que aqui vem escrito, mas não acho que devam agir desta forma. Afinal, o que aqui vai escrito não é nada tão exagerado quanto um “testamento”.
Desde que vim para cá venho brincando com os haiku para matar o tédio. Também fiz alguns tanka. Recebi na prisão pincel e papel e tentei também escrever algo parecido com ensaios. Escrevi também algumas migalhinhas de memórias sobre meu velho pai e tentei também organizar um breve histórico pessoal. Escrevi um número consideravelmente grande de cartas idiotas e de conversas fiadas para amigos meus dos mais diversos locais. E, até o deslanche final de meu julgamento, continuarei, neste mesmo ritmo inútil, fazendo as mesmas coisas que fiz até agora. Estas “Algumas coisas que gostaria de solicitar para meu pós-morte” também são, no fim das contas, a continuação de algo nesta mesma linha – e gostaria que fossem tomadas como mais um pedaço do todo.
Há um poema de Bashô, o compositor de haiku, composto próximo à sua morte que canta o seguinte:
Adoecido em viagem
corria de um lado para o outro por campos devastados
que via em sonhos.
Ele, quando se aproximava de seus últimos momentos e em meio a uma respiração dolorosa, colocou para fora estes versos ao mesmo tempo que disse: “Ah!, enquanto eu dizia que era um caminho que adorava seguir, seguia ao mesmo tempo temendo estes poemas, que desilusão mais rasa...” e então sorriu lúgubre com um suspiro de pesar.
É claro que eu também tenho uma forte desilusão. Sim, eu tenho uma desilusão. Minha luta de corpo e alma não foi somente por ideais. Ela era, ao mesmo tempo que por meus ideais, também por vingança. Um misto de crença na justiça e também de ódio. É por isto que eu não chamo tudo isto de princípios, ideologias e crença em justiça e, propositalmente, o chamo de desilusão. Mas eu não irie escrever aqui sobre minhas últimas vontades ou meu último brado acerca destas desilusões. Eu compreendo a maneira como a sociedade atual está progredindo. Eu compreendo a forma com que essa chama socialista queima. É evidente que o destino do sistema capitalista não tem mais muito tempo de vida. Nosso movimento continua seguindo em frente. Portanto, não há necessidade alguma de eu acrescentar, como um grão de areia, minha voz supérflua a tudo isto.
“Então o que você pretende deixar registrado?”, é a pergunta que resta. Há há há há há! Não sejam assim tão sérios! Que tal se primeiro vocês fossem comprar um senbei de sal? Só depois, enquanto tomam um chá e riem ruidosamente, leiam isto aqui. Afinal de contas, é este tipo de “testamento” que eu trago para vocês.
Em outras palavras, mais do que desilusões... Sim, podemos chamar isso aqui de pensamentos mundanos. Contudo, mais do que pensamentos mundanos, algo com um sentido um pouco mais forte, então desilusões... casmurrice de um fantasma também soa estranho. Tanto faz, interpretem tudo isso aí do jeito que quiserem. Se for para ficar com o sentido que Bashô deu ao termo, isso aqui é sem sombras de dúvidas um tipo de desilusão, isto é, um tipo de desilusão que conto em meio a suspiros de pesar e com um sorriso lúgubre.
Disposição de meus restos mortais
Inicialmente, gostaria de solicitar o seguinte sobre a disposição de meus restos mortais.
Se minha declaração, “desejo uma pena capital”, for aceita pelo júri, me tornarei um cadáver pelo fim de setembro junto com as quedas das folhas de paulónia. Eu não tenho os mesmos gostos que Furuta e não me agrado muito da alta nobreza do crisântemo. Nisto, se eu partir junto com uma folha de paulónia, dobrando em si mesma, atingirei a calma e tranquilidade. Risos.
Mas, se a sorte não estiver do meu lado e eu acabar naquilo que Kropotkin chamou de “uma pena capital lenta”, o momento de minha morte ainda vai se prolongar por alguns tantos anos. Então minha pena capital vai se transformar em morte por doença. Em outras palavras, cedo ou tarde eu vou acabar me tornando um fardo que os senhores terão que lidar. Se o que me espera é uma pena capital lenta, se for só para seguir vivendo, não tenho problema algum em viver como um verme qualquer, mas eu tenho a convicção de que meu corpo não vai aguentar mais muito tempo. Então é por isso que decidi pedir o que vou pedir já de uma vez.
É uma desilusão digna de um suspiro de pesar eu estar aqui fantasiando as mais diversas coisas sobre a casca vazia que restará após minha morte. No entanto, como os senhores já experienciaram muito bem, a solitária da prisão é um local que te obriga a pensar em todo tipo de coisas sem pausa e em círculos, como uma lanterna giratória, seja coisas nobres, seja coisas belas, seja coisas sujas como o lixo.
Mesmo um corpo que não se importa em morrer amanhã, enquanto ainda está vivo sente fome e pensa em diversas coisas. Desta forma, foi assim que este sentimento de tentar escrever o que escrevo nasceu. Suspiros pesarosos. Sorriso amargo.
De toda forma, quando eu me tornar um cadáver, não acho que seja ruim que imediatamente me dessequem e usem meus restos em pesquisas médicas. No entanto, eu não tenho lá muita vontade de acabar na Universidade Imperial e ser dessecado pelas mãos de um ilustre senhor com feições de um esplêndido doutro, pelas mãos daqueles que, indiferentes, riem desdenhosos dos milhares de pobres que deveriam receber toda a graça por ajudarem nos desenvolvimentos das técnicas médicas. Eu respeito as ciências. Contudo, eu, ao mesmo tempo que odeio esta classe que mantêm para si os monopólios dos benefícios, odeio toda a ciência que é usada e se mantêm fiel somente à classe burguesa.
Desta maneira, quanto a dessecação de meu corpo, gostaria que fosse deixado aos cuidados do Dr. Okuyama Shin do consultório Santa, médico que eu mais respeito. Quer dizer, gostaria de solicitar isto a ele. Se, por acaso, a dessecação de meu corpo contribuir nem que seja um milésimo para as pesquisas de Okuyama, eu, contente, solicitaria isto a ele. Não há qualquer problema se quem irá realizar a cirurgia seja ou não Okuyama. Se, desta maneira, eu conseguir compensar um infinitésimo de tudo que Okuyama fez por mim, eu ficaria indescritivelmente feliz que assim fosse feito.
Após isto, me façam em cinzas. Se meu corpo não for de utilidade para Okuyama, podem me fazer em cinzas ali mesmo.
Funeral, túmulo
Para o tal do funeral, meu verdadeiro desejo é, em resumo, que se juntem meus amigos mais próximos, me coloquem dentro do féretro, me levem ao crematório e me façam em cinzas.
Recentemente, as condições em que o velho Watanabe morreu vêm aos meus olhos com bastante frequência. Naquela manhã, todos que circundavam o féretro entoaram cantos revolucionários como despedida. Pedimos para que dois operários viessem nos ajudar a carregar o caixão e, juntos, todos nós o rodeamos e seguíamos marchando até crematório de Mikawashima enquanto cantávamos canções revolucionárias. Eu seguia na vanguarda empunhando um poste de varal com uma bandeira vermelha hasteada que havia improvisado com um casaco de inverno curto. Na volta fomos até a Ponte Senjuôhashi de barco, mas como dentro do barco estava uma grande algazarra, senti como se, depois de muito tempo, tivéssemos feito uma excursão. Ah!, como eu gostaria que na minha vez fosse assim tão divertido também! – foi o que eu pensei.
Por favor, não façam em hipótese alguma um túmulo para mim. Talvez não haja qualquer necessidade de pedir algo deste tipo, mas, há há há há há, por via das dúvidas, deixo aqui o pedido.
Ficaria contente se gravassem em letras miúdas em algum lugar na lápide do casal Ôsugi na costa de Kyûshû, mas isso também não passa de um mínimo desejo e não me importo muito com tudo isto.
Disposição de minhas cinzas
Minhas cinzas – isto é, aquilo que chamamos de “ossos”, não é? Quanto ao recolhimento daquilo, em verdade, tenho um pedido um tanto inconveniente. E, de quebra, é um pedido de disposição com um sabor um tanto sentimentalista, mas, por favor, me escutem. E sem fazer muita troça de mim, hein!
Os senhores certamente conhecem aquela revista inexperiente intitulada Hechima no hana que fazia as vezes de um arranjo preliminar para o que Sakai e companhia, enfurnados na Baibunsha, chamaram de “um pequeno estande na forma de uma caneta tinteiro com uma bandeira de papel em sua ponta”. Eu me recordo de um artigo que saiu na coluna de mensagens daquela revista, a história que vinha escrita no artigo era de que Takabatake Motoyuki quando perdeu sua amada criança, usou as cinzas dela como adubo, fez diversos vasos de campânula e os distribui entre seus amigos. Quando eu li aquela história, fiquei bastante impressionado com o senso estético e a forma particular com que tudo foi feito. Então, pensei comigo mesmo, eu também gostaria que meus ossos recebessem um tratamento semelhante a este.
Recordei tudo isso recentemente. Assim, mesmo sabendo que vai ser uma dor de cabeça, gostaria que dispusessem de minhas cinzas por meio deste método do adubo. Como se uma flor estivesse brotando diretamente do outro mundo, um gracejozinho, sabe. Seria interessante que fossem vasos de bisque de quatro ou cinco centavos. No entanto, seria um empecilho pedir uma coisa destas para o pessoal ocupado da Rôdôsha, então gostaria de solicitar que este trabalho seja feito pelo pessoal da casa de Mochizuki O pessoal lá gosta deste tipo de coisa e certamente vão dar muitas ideias para o trabalho. Peço que distribuam esses vasos somente entre aqueles que diriam “interessante, flores que nasceram dos ossos de Hisa, obrigado”.
Quanto as flores que serão plantadas, as que mais gostos são as mais mundanas flores de mato. Eu gosto daquelas flores de mato que, sem deixarem troncos desfolhados como árvores e arbustos, florescem o que tem de florescer e passam o resto do ano murchas ou que, só deixando as raízes, no ano seguinte surgem de dentro da terra com seus brotos azuis, vermelhos e amarelos. Florescem, além disso, principalmente nos campos abertos, portanto, são destas flores bastante mundanas que eu gosto. Eu, particularmente, não gosto muito das campânulas que Takabatake plantou.
Vou deixar escrito aqui o nome de algumas flores de mato de que gosto. Tem mesmo algumas que não são flores de mato selvagens...
As da primavera são:
Rengesô, rabo-de-cavalo, violetas, flores de ervilha, caniço-branco.
As do verão são:
Flores de papoila-dormideira, tsuyukusa, malva-rosa, hirugao, erva-azedinha, onze-horas, begônia-de-morango, yagurumasô, cravinas.
As do outono são:
Campainha-chinesa, rindô (a roxa), crisântemos selvagens, trevo-japonês, cordão-de-cardeal, tsukimisô, lanterna-chinesa, pé de pimenta (a de frutos redondos), shûkaidô, kamatsuka, lírio-da-aranha-vermelha (a flor-dos-mortos).
As do inverno são:
Narciso, flores de tsuwabuki, açafrão.
Ainda existem, além destas, muitas outras que eu não consigo recordar o nome agora. Portanto, quanto a isto, pode deixar tudo nas mãos do pessoal de Mochizuki que saberão como escolhê-las.
Quanto a outras questões
Eu tenho um volume considerável de correspondências, que elas sejam queimadas e jogadas fora, ou, se algo de útil e interessante for achado nelas, que sirvam a alguém, mas, de qualquer modo, gostaria que todas fossem confiadas ao Kondô Kenji. Dentre as correspondências certamente existem algumas que os destinatários não estarão à vontade com a exposição, quanto a isto, também deixo tudo ao encargo de Kondô.
Quanto a caneta tinteiro, prometi oferecê-la a Shigeko, por favor façam desta maneira.
Não há necessidade de enviar minhas cinzas para minha família em Himeji. Eu vou deixar avisado com eles sobre isto. Só peço que os informe as condições do funeral assim que este tiver terminado.
Quatro de agosto de 1924 (Taishô 14)
Presídio de Ichigaya, Wada Kyûtarô
Para todos os meus queridos camaradas e amigos.
Enquanto encaro a pena capital olho no olho
Breves impressões
Às palavras de uma pessoa que veio me visitar recentemente, “escreva e me envie suas impressões do julgamento, a depender do resultado, independentemente da pérfida de seu julgamento, os advogados, como advogado que são, estão prontos para travar até o fim uma batalha legal contra um veredicto injusto, gostaria de ouvir suas impressões sinceras também como uma referência”, eu, rindo, respondi: “Se eu conseguir escrever, tanto fazer algo”.
Hoje estou em bom espírito e minha mente está bem límpida e, portanto, cumprindo minha promessa, vou escrever um pouco sobre o assunto. O céu tingido por um índigo tênue traz uma rara lua matinal. Mergulhado no nevoeiro, os galhos do cipreste japonês se movem com o vento e até mesmo posso ouvir à distância os cantos das cigarras.
Entretanto, como disse anteriormente, não quero escrever nada logicamente afetado e, portanto, irei me ater a direcionar meu pincel somente às minhas impressões. Espero que vocês também possam ler com esta disposição.
Aprovação da pena capital
No dia 27 de junho na corte, eu de fato aceitei bastante seriamente o “desejo de pena capital” apresentado pelo procurador. E, temendo que por um laivo de benevolência os juízes decidissem pela pena de trabalhos forçados e prisão perpétua, disse do fundo de minha fraqueza e abertamente para os juízes que desejava a “pena capital à prisão perpetua”. Não é que eu tenha alguma reclamação com a pena de capital se tornar prisão perpétua, é só que eu acho que é “lastimável por excesso de vergonha”.
Eu fiquei repentinamente triste ao imaginar que o povo (me recuso a acreditar que meus companheiros pensariam desta forma) também pensaria como os juízes ao verificar que o relatório por escrito entregue nas mãos do juiz após a audiência pública constava, quanto ao meu próprio desejo pela pena capital, conjecturas de que se eu não estaria “em uma excitação nervosa”, ou que eu “só falava isso porque estava, no fundo, desesperado” e outras coisas do gênero. Em meu âmago uma voz gritava: “o que importa o que o povo vai achar?! Vamos lá, se mantenha firme!”. Mas, ao mesmo tempo, o desejo de que, na medida do possível, as pessoas comuns também compreendessem meus sentimentos apropriadamente ganhava, igualmente, força dentro de mim. Então recordei com profundidade as palavras de Gyô: “a vida é de fertilidades”.
Um dos motivos para eu desejar a pena capital aos trabalhos forçados e prisão perpétua é somente para receber um apaziguamento bastante comezinho. É porque eu acredito que a pena capital é muito mais confortável. É porque eu acho que ser assassinado de uma vez é uma forma muito mais confortável do que gastar longos e muitos anos em um assassinato lento e gradual. Os guerreiros que se enfrentavam nos campos de batalha antigamente não executavam logo os vencidos para não prolongar seu sofrimento? E isto não é respeitado como a filosofia dos guerreiros? Citar estes precedentes tem um tanto de impraticabilidade, mas meu desejo pela pena capital aos trabalhos forçados e prisão perpétua vem de um lugar semelhantes àquele.
Não é preciso dizer que o que entendemos como “vida” vai muito além de somente comer e cagar.
O povo pode alegar que “mas, com a prisão perpétua você ainda não teria chance de sair para a sociedade mais uma vez? Existe indultos especiais e tal...”. Mas, para revolucionários como nós, definitivamente não existe nada como um indulto especial. Além disso, não existe nenhum precedente para tanto.
Entretanto, meus companheiros certamente argumentarão:
“É claro que você não deve confiar em um indulto. Mas você realmente acredita que uma revolução social não vai chegar enquanto você ainda está vivo? Você despreza tanto assim nosso movimento? Por que você não quer viver? Por que você não acredita que sem sombras de dúvidas a revolução virá?”
Que idiotice! Como eu poderia não ter certeza disto?
No entanto, minha convicção não é simplista e com laivos de uma fé religiosa como um “Acredite que assim será”. O que lapidou minha convicção foi as experiências que ganhamos através de nossos embates contra este sistema social que oprime e limita nosso crescimento, que não conhece limites nem fronteiras. É o acúmulo de experiências de uma longa e antiga luta entre os oprimidos e opressores de todo o mundo, principalmente a nossa grandiosa consciência da organização econômica de nós, classe trabalhadora, provocada pela inevitabilidade do sistema capitalista. É esta força criativa. Portanto, dentro daquilo que lapidou minha convicção existe, junto a uma forte vontade e agentividade, profundas e ininterruptas reflexões. Existe uma incursão de intelecto. Meu intelecto não se satisfaz com um uma afirmação de crença religiosa do tipo “é agora!, é agora!”, e, enquanto sigo lutando, faço levantamentos sobre “a ocasião que a revolução deve vir” e, no papel, faço gráficos dessa mesma ocasião. Mesmo que a luta, às vezes, estanque ou regresse, o fronte de batalha segue em frente em uma velocidade escalar. Então, pouco a pouco, os gráficos, da primeira para a segunda aproximação, ficam cada vez mais acurados.
São estes os gráficos do levantamento –. E muito provavelmente pode haver algumas diferenças entre estes gráficos de levantamento, isto é, entre os que eu fiz e o dos meus camaradas, alguns dos quais conheço muito bem. No entanto, se, de acordo com meus gráficos, minha vida não for suficiente, ainda assim serei capaz de entrever uma luz de contentamento.
(Nota: os gráficos precisam ser sempre revistos junto às condições do desenvolvimento da luta.)
“E mesmo tendo a esperança de entrever esta luz, por que então você mesmo está pedindo a pena capital?! Você não consegue suportar a vida na prisão? Aprenda com seus camaradas que suportaram quase vinte anos no frio extremo da Sibéria! Bakunin passou quatro anos acorrentando dentro de uma masmorra e, mesmo assim, saiu de lá muito bem-disposto. Até mesmo Torakichi do prego de quinze centímetros não está saudável lá na prisão de Hokkaido?”
E, diante destas palavras, sinto que não tenho nada a dizer em minha defesa, mas eu odeio a ideia de que digam que “ele não suportou a vida na prisão e, por isso, tirou a própria vida”. Portanto, podem ficar sossegados, dentre todas as minhas opções, eu não escolheria o “suicídio” de forma alguma.
No entanto, meu corpo passou por muitas dificuldades até o dia de hoje. Creio que ele aguenta dois, três anos da vida em cárcere, mas tenho a convicção de que ele não dura (observando meus próprios gráficos) muito mais do que isto. E esta introspecção é também um dos motivos que me levaram a escolher a pena capital à prisão perpetua.
Dando continuidade, assumamos por um momento que meu corpo aguente, eu saia em liberdade e nos encontremos mais uma vez. No entanto, exatamente neste momento, todos vocês terão que estar agindo com todas as suas forças. Será o momento que pessoas que possuem bastante força de ação serão requisitadas. Nesta ocasião eu, que acabaria de ter saído da prisão e que apenas estaria vivo, nada mais, não possuiria um corpo que servisse para algo. Até minha cabeça já não estaria funcionando bem. As perspectivas para este momento são totalmente obscuras. Portanto, eu estaria indiscriminadamente apenas me tornando um fardo para os senhores, vocês não acham? Senhores, pensem por um momento na figura miserável daqueles que foram sugados até os ossos nos presídios. Provavelmente estas são reflexões bastante negativas. Certamente os senhores riem de mim e de meu pessimismo. Mas é desta maneira que eu consigo pensar. E estes sentimentos se tornaram mais uma ajuda para que eu desejasse a pena capital à prisão perpétua.
Além disso, é lícito que os senhores considerem que a vida conforme eu, esse pobre exemplar de ser-humano, vivi é mais do que o suficiente. E por conta de um pensamento consideravelmente “mandrião”, eu não me arrependeria de nada se morresse aqui e agora.
Mas mesmo eu não sou dominado apenas por estes tipos de pensamento negativista ou de um mandrião. Dentro de mim, que prefiro a pena capital à prisão perpetua, existe uma força proativa que trabalha com bastante força.
Mesmo que tudo
termine em meio aos risos,
aceito a pena de morte
e aprofundo minhas razões.
Este é o poema que compus no dia em que recebi a recomendação de pena capital. É um poema que, esteticamente, não tem nada de bom, é insípido como comer terra e nem deveria ser denominado como tal, mas, de qualquer forma, são minhas impressões que cantei em forma de tanka.
“Hmm, finalmente me recomendaram a pena capital, não é mesmo, bem, então vamos lá ser executados, eu, de minha parte, também irei solicitar esta pena. Meus atos acabaram soando como um cômico tiro com balas de festim, mas, no entanto, se eu acabar sendo executado pela pena capital, os erros serão relevados e meus atos ganharão muito mais significância. A influência que nossa execução exercerá também no movimento de nossos companheiros –, a influência que terá no coração do povo em sociedade –, basta pensar nestas coisas por agora. É isto, serei executado com prazer!”
Era nisso que eu pensava. Me recordo das palavras de Gyô, “a força da existência que almeja expansão ousa até mesmo destruir a própria vida para viver”. Pena capital! É isto que dará o que nem uma pena, seja perpétua ou não, me daria, isto é, um significado muito mais profundo para a minha forma de viver. Eles são incapazes de compreender o que quer que seja da profundidade deste significado. Pelo contrário, eles provavelmente pensam que, assim, estão suprimindo o movimento. É por isso que este mundo é tão instigante e cômico!
E chegamos a uma conclusão, o estado de meu pensamento proativo e do passivo –.
Esse é o Wada Hisa. De certo alguns me dirão: “discutindo com você eu sinto um certo pavor peculiar”, ou ainda me chamarão de “Hisa e seu toque de comediante”, sim, este sou eu. Em resumo, Wada Hisa é este que se reflete nos olhos de cada um dos senhores, coberto de contradições, um Wada Hisa no estilo de Wada Hisa. Um pouco digressivo, não?, risos.
Contudo, deixem-me dizê-lo mais uma vez, eu tenho uma aversão terrível que me digam que “ele se matou porque não aguentou a privações da prisão” e, portanto, mesmo que minha pena acabe sendo a prisão perpétua ou uma tão longa que acabe, no fim, sendo similar a perpétua, eu definitivamente não o farei.
Atualmente, de acordo com os diversos motivos que levantei anteriormente, eu desejo a pena capital à prisão perpétua. Eu acredito que desta forma será mais simples além de também possuir uma significância para além do ato. No entanto, se o que me esperar for uma prisão perpétua ou, similarmente, uma longa detenção, então, neste momento, eu pretendo cuidar diligentemente de minha vida enquanto ainda a tiver em mãos. Não tomarei nenhum tipo de atitude que acelere minha morte ou tratarei minha vida destrutivamente pensando coisas do tipo “não importa o que eu faça, esse corpo já não presta para nada”. Viverei com todos os cuidados até onde me for possível viver.
Se o dia em que mais uma vez eu consiga tocar as mãos dos senhores chegar, neste momento provavelmente eu já não serei mais útil para o movimento e não passarei, na certa, de um “cadáver animado”. Contudo, vivamos. Pode ser que mesmo para esse “cadáver animado” haja, através de alguma função qualquer, um uso condizente. Quando, pela primeira vez, eu decidi que me daria de corpo e alma ao movimento socialista, carregava em meu âmago o seguinte pensamento: “seja como for, eu não tenho nenhum conhecimento acadêmico, tampouco possuo alguma habilidade, gostaria, então, de no mínimo conseguir agitar este movimento por baixo nem que seja como porteiro das plenárias de discurso...”. – Sim, é isto, se penso nos sentimentos que tinha naquela época, existe um valor mesmo para um cadáver animado – e é isto que eu também penso com profundidade. Além disso, não é como se eu não fosse me alegrar em ver a sociedade mais uma vez mesmo que não consiga mais participar de movimentos sociais.
Então... Quando o momento chegar, eu quero viver até onde me é possível viver.
A verdadeira face do julgamento
[Exclusão de dez linhas]
Mesmo dentro do Tsurezuregusa, que peguei emprestado para ler como aprimoramento de espírito na prisão, constava as seguintes palavras:
“... Sendo este o caso, é preferível que construam um mundo em que ninguém tenha fome ou sinta frio do que somente admoestar o ladrão ou punir somente seus atos falhos. Aqueles que não são frutos de condições ideias, jamais terão um coração ideal. As pessoas em condições extremas, roubam. No mundo como este que segue da forma que segue e em meio a tanta inópia é impossível que os criminosos deixem de existir. É uma lastima que sejam punidos aqueles que infringiram a lei porque sofrem...”
É porque o mundo segue da forma que segue em meio a tanta inópia que as pessoas, em situações extremas, cometem crimes. Nisto, os policiais capturam estas pessoas, os juízes os condenam e as cadeias aplicam-lhes as penas. Agem desta forma alegando proteger a paz social da nação e a manutenção da ordem.
Eles, as autoridades, acreditam piamente nisto. Acreditam, inocentes, que realmente estão fazendo a coisa certa. E, assim, não percebem que o que está jogando a sociedade no limbo da inequidade e da confusão, o que está perturbando a ordem social é exatamente o desenvolvimento do sistema econômico capitalistas que eles próprios defendem. É uma conversa um tanto idiota, mas eles não compreendem que agindo como agem para a manutenção da paz e da ordem estão, na realidade, contribuindo com os verdadeiros aniquiladores desta mesma paz e ordem.
Os tribunais, a lei, funcionam para manter a atual ordem social (isto é, a desordem e a corrupção). Entrementes, a organização social atual é aquela governada pela classe capitalista que segue engordando seus lucros ininterruptamente por meio da produção de mercadorias que é realizada através da compra da mão-de-obra de trabalhadores que não têm outra escolha senão vender sua força de trabalho ao preço exigido pelos capitalistas, enquanto o lucro deste trabalho é saqueado. Esta é a base que rege a organização social. Uma organização social que deve ser odiada e é definitivamente contrária aos desejos da classe trabalhadora. Destarte, é inquestionável que o papel que a lei e os tribunais exercem atualmente não é, de forma alguma, em prol de todo o povo da nação, de todas os cidadãos, mas sim um papel exercido pelo bem de uma pequena classe, isto é, pelo bem da classe capitalistas (mesmo que os mesmo não estejam cientes disto).
Os tribunais julgam o que é certo ou errado com base nas leis em vigor atualmente. No entanto, as próprias leis foram criadas para favorecer o sistema capitalistas. O que estas leis conceitualizam como certo e errado não passa daquilo que é certo para os capitalistas ou o que é errado para esta mesma classe. Definitivamente não é o certo e errado para toda a sociedade e, principalmente, não é o certo ou errado para o proletariado.
Contudo, os tribunais seguem agindo e julgando arrogantemente como se o fizessem em nome da justiça para todo o povo. É, portanto, por esta razão que nós não conseguimos enxergar essas “atitude” senão como uma encenação.
O julgamento é imparcial –. Pelo menos no que concerne ao que as leis em vigor apregoam, é imparcial – é o que o meu advogado parece acreditar. Eu também, vá lá, também acho que seja assim.
Mas, apesar de não saber lá muita coisa sobre direito, mesmo no que concerne a atribuição de um código de lei a um crime, não há bastante diferença nesta atribuição de acordo com o funcionamento da cabeça de cada juiz?
E, mesmo que um crime seja atribuído a somente um código de lei, este código não é extremamente abrangente? O, por exemplo, Artigo número um sobre artefatos explosivos não prevê penas que vão de três anos (?) até a pena capital? Definir se será aplicada a pena máxima ou a mínima não é algo que, em última instância, será manipulado extensivamente de acordo com o funcionamento da cabeça de cada juiz?
É de fato surpreendente que consigam condenar Amakasu, que assassinou brutalmente Ôsugi e sua família, a dez anos de prisão (e, ainda assim, o liberar após apenas dois anos de pena) e, ao mesmo tempo, sugerir a pena de morte para alguém que, em um plano de vingança contra este mesmo assassinato, causou uma grande queimadura do tamanho de uma moeda de cobre de cinco centavos em seu alvo. Este é o atual sistema de julgamento –, esta é a forma como funciona a cabeça destes juízes –.
“Mas é tudo conforme a lei...”, irão me dizer. Sim, de fato, é como dizem. Mesmo eu não duvido nem um pouco disto. Risos.
Nós experienciamos que o sistema econômico capitalista jamais concedera as bonanças da vida para toda a humanidade. Desta forma, nós confirmamos que é o sistema econômico socialista que está se dirigindo rumo a uma nova maneira de se viver – isto é, liberdade para todos e segurança financeira.
Nós podemos verificar, bem a nossa frente, que o atual desenvolvimento do sistema econômico capitalista está seguindo para uma condição em que ele próprio segue colapsando sua organização e, graças a esta confusão colapsar, as pessoas estão sendo pressionadas por condições de vida cada vez mais cruéis. Mas, ao mesmo tempo, também verificamos que é justamente esta classe trabalhadora originária do sistema econômico capitalista que detêm o poder de criação de uma nova e necessária sociedade.
A luta entre a classe capitalista e a classe trabalhadora – uma forma de vida verdadeira e significativa, isto é “uma sociedade que produza para todos e respeita a liberdade de todos”, está nascendo no seio desta batalha. Nós seguimos lutando para que tal sociedade possa vir ao mundo.
Nós lutamos contra o sistema econômico capitalista. Contudo, os tribunais foram estabelecidos como para exercer a manutenção deste mesmo sistema. Destarte, o contato entre nossos atos e o judiciário em vigor deve significar, naturalmente, uma “batalha”.
Nós não nos posicionamos na corte para aprovar as leis ou implorar por um julgamento justo. A justiça que exigimos não pode existir aí. Quando estamos na corte é como se tivéssemos sido capturados pela grande força do inimigo. Capturados por um órgão que trabalha para o inimigo, julgados por um órgão que trabalha para o inimigo e, ainda assim, seguimos lutando. Erguemos nossa voz de combate. Estas vozes despertarão nossos aliados que estão adormecidos. Os inflamarão de coragem. É neste sentido que a corte também é nosso campo de batalhas.
Nossa economia capitalista se encontra em um castelo prestes a colapsar. Se os sinais de colapso da própria estrutura econômica organizativa em que justamente estas leis e tribunais se sustentam se tornarem mais consideráveis, isto é, mesmo acima dos níveis superiores desta construção começarão, sem dúvida, a surgir mudanças. Não tem como esses sinais deixarem de se refletir nisso tudo.
A confusão econômica e, portanto, a confusão social naturalmente também surgirá no campo das leis e dos tribunais. Em outras palavras, de um ponto, pressionados pelo imenso poder do povo, continuarão a fazer concessões e, de um outro ponto, o povo, sentindo ainda mais a instabilidade, intensificará seus movimentos de oposição.
Esta onda da sociedade irá, naturalmente, atingir também os tribunais. As mudanças desta onda serão também visíveis aqui.
Como percebo o caminhar do julgamento
Da posição que acabei de descrever, ao observar o caminhar de nosso julgamento, pude descobrir aí uma série de coisa interessantemente prazerosas.
De início, eu percebi a grande mudança no tom e na postura dos juízes decorrida da mudança ideológica proporcionada pela Revolta do Arroz, por volta de 1918. Não foi preciso nem mesmo me opor à atitude do Juiz Preliminar Numa. Achei mesmo que o tom do júri e a audiência pública foi muito bem conduzida.
Quanto à corte, Fuse disse, sarcástico: “... Mas, e esse tom em que o juiz leu o argumento final?, não tinha vivacidade nenhuma”. Não era visível nenhum traço de seriedade de uma convicção ardente. Parecia uma pessoa que, bem em seu âmago, guardava uma desolação. Era como se dissesse “eu leio este argumento final porque assim me foi incumbido”. O achei um tanto misterioso ao mesmo tempo que também senti pena por ele.
Ao ouvir as notícias de Osaka, pensei que a audição seria, de fato, suspensa, mas seguiu como o planejado em uma audiência pública. O problema de incontinência já era esperado desde o início.
O juiz negou as petições de provas apresentadas pelo advogado – isto é, documentos e pessoas envolvidas no Caso de Amakasu; documentos do Caso de Kameido; o comodoro Fukuda, entre outros. Como justificativa, alegaram o seguinte: “estas coisas não têm relação com o caso e, além do mais, não é algo que este tribunal possa investigar”. E, em termos mais conciliatórios, acrescentaram: “no entanto, os fatos investigados pelo advogado, podem ser apresentados durante a defesa”.
Diante disto, Fuse argumentou: “O caso atual aconteceu justamente por conta do Caso Amakasu e do Caso Kameido. Desta forma, se não elucidarmos a verdade dos fatos destes acontecimentos (os incidentes estavam ambiguamente enterrados), não será possível julgar apropriadamente este réu”. Eu, então, disse: “Fuse, você está superestimando demais o tribunal. A verdade é que eles realmente não conseguem elucidar estas coisas”.
Era verdade que não podiam trazer à luz estes acontecimentos. Se fosse algo possível de ser feito, o teria sido na corte-marcial. O Caso Kameido já foi, há muito, esclarecido por um tribunal. O que Fuse pedia era impossível. Era algo que não podia ser elucidado. Existe um significado por trás desta impossibilidade. Façamos que se infiltre na cabeça do povo o fato de que tudo isso não pode ser elucidado. O povo pensará no porquê tudo isso, então, não pode ser posto às claras. Começará a pensar profundamente sobre o assunto. Não, seguirão pensando. O pensamento do povo seguira esmiuçando o assunto.
Contudo, o interessante disso tudo era o tom e a atitude do juiz. Eu, propositalmente, não o explicarei. Deixemos registrado somente que a onda segue se movendo. Digamos que o tom e a atitude do juiz são, simbolicamente, a sombra desta mesma onda.
O juiz não disse, em tom um tanto envergonhado que “para bem ou para mal, eu sou o responsável por este julgamento...”? Diante de cada uma das frases mordazes da defesa que Fuse apresentou ele não murmurou que: “recebi um forte golpe da falha cometida pela corte-marcial...”? Além disso, ele também não disse que: “se vocês não estão satisfeitos comigo, peçam a suspeição de juiz, eu troco a qualquer momento...”?
– A onda se aproxima –. No entanto, ainda não é da onda propriamente dita que estamos falando. É só de sua sombra.
Esta sombra também está se estendendo sobre os registros do julgamento preliminar do Comodoro do Exército Fukuda Masatarô.
Ele certamente, às escondidas, se vangloria em boa disposição dizendo: “O casal Ôsugi foi assassinado (se mantendo em silêncio acerca de Munekazu) para que a sociedade se visse livre deste mal”, mas, diante da sociedade, ele não consegue repetir tais palavras. Ele precisa dizer que: “eu também acho que o que ocorreu foi surpreendente e, quanto a mim, não estava ciente de nada”.
Também se vangloria, às escondidas, dizendo: “o espírito militar é imbuído de uma grande e louvável disposição para o sacrifício”, mas, diante a população comum precisa dizer coisas do tipo: “A atitude de Amakasu diante da corte-marcial foi incerta, pouco máscula e bastante ambígua e, por isso, Wada e os outros duvidam de mim. Não é algo difícil de imaginar..”.
Acima de tudo isto, ainda precisa dizer, como que soltando uma verdadeira intimação em tom de reprovação à própria sagrada (?) corte-marcial a qual ele próprio pertence, que: “eu mesmo tenho minhas dúvidas acerca de quem estaria por trás das ações de Amakasu, mas, com a decisão da corte-marcial, já não há mais nada a ser feito”. Diante do povo ele precisa agir assim.
Mesmo estas pessoas já não conseguem, diante da opinião pública, sim: diante da opinião pública, forçar, arrogantes, suas concepções absurdas impunimente.
Ah!, sombra!,
Aquela sombra à semelhança de todos os espíritos temíveis da natureza!
– Que a onda avance. Alta e potente –
Anotações feitas próximas ao aniversário de um
ano da primeira vez que
deixei Fukuda escapar,
Quatorze de agosto de 1925 (Taishô 14),
Atrás das grades da Prisão de Ichigaya, Wada
Kyûtarô.
Lagrimas de bocejo
Poema de abertura:
Fulgure em minha face
a primavera,
ó lágrimas que me escapam
de um bocejo!
DEZEMBRO DE 1924
Da janela de minha cela de onde só me é possível vislumbrar um minúsculo naco de céu por entre o corredor estreito e a cerca elevada:
Profundo contentamento!
quando penso naquela fresta
que desvela uma única
estrela.
Ah!, pequena Mako!
Radiante, sorriso
solto, incansável admirando
uma única estrela.
A batalha entre o frio intenso
e minha respiração adormecido:
vidraria esfumaçada,
um tanto de contentamento.
Brincando, bafejei contra
a porta de vidro:
o que encravará ali são lágrimas?
o que encravará ali são lágrimas?
Quando saio ao pátio de exercícios:
Conseguirei hoje também
avistar neste céu azul distante
para além de meu chapéu de palha
a diurna lua de sonhos?
Reclinado sobre a cerca do pátio de exercícios:
Aquela lua diurna
que ocasionalmente avisto
sonha este coração
no silêncio de um banho de sol.
Este coração inclinado
a perseguir um sonho frágil
ainda que mereça o escárnio
não é algo que deva ser repudiado.
Estrela alguma pode ser vista,
noite insípida!
Experimento inalar o ar
do mundo gélido além das grades.
Ó Tóquio!
Descobri um jeito de como que
escutar aquela música
das madrugadas, das madrugadas.
O mundo dos sons – dois poemas:
Imagino a figura
de cada pessoa
através dos sons de seus sapatos
que pisam silenciosos.
Como se tivesse ficado cego
o mundo dos sons
vem ficando cada vez maior
dentro de mim.
Vida de pavores:
O amanhecer!
Encharcando de um azul fraco
a parede gélida
em que a vida vacila.
Galos e pardais brancos
rompem, timidamente, as nuvens
alegrando este dia
digno do grasnar de corvo.
Das grades do carro de prisioneiros:
É contentamento
o que queima a face do jovem
em que sopra o vento do esgoto
em pleno inverno.
Em meio ao tráfego
de tanto guardas a cavalo
nosso automóvel de prisioneiros
também passa por ali.
(Em frente ao Palácio Akasakarikyû)
Poemas dela – sete poemas:
No tempo de Asakusa:
Zombando de mim
que não conseguia beber direito
ela dizia: “fique aí chupando essa balinha”
enquanto secava outro copo de saque.
Uma pintura de Kasumi Ochiyo
cobrindo o rosto:
ela protestando
“Eu também leio livros, sabe”.
Sem resposta,
sigo encarando o papel de adivinhação
preto picho e levemente lúgubre
da flor-da-fortuna.
Ir ao médico ela foi,
mas após dizer que se desfez
de todos os remédios amargos
não abriu mais a boca.
No vilarejo de Menuma:
Desde o morbo
colapso de seu corpo
sua fala rápidabr
ganhou ainda mais foça.
“Que tal, vamos?”,
disse com feições dissuadidas
pelo jovem que anunciou
a encenação que ocorreria no vilarejo.
Não tenho a intenção de me entristecer
pela mulher dele que
viveu e morreu
com obstinação.
JANEIRO DE 1925
Poemas daquela noite:
Às três da tarde do dia 23 de janeiro de 1925 o chefe veio repentinamente e disse que Muraki estava em condições graves. Imediatamente segui apressado os sons dos passos até a enfermaria da prisão. Era um local consideravelmente afastado de minha cela.
Ouvi que a doença
de meu amigo piorara,
urgem os ventos de inverno
no solo abaixo de meus pés.
O esforço para esconder
a própria debilidade!
É a mesma miséria que sinto
ao olhá-lo.
Ah! O estado de meu amigo... Ao pé de seu leito estavam o médico do presídio, o chefe, o carcereiro, um faz-tudo, o Sr. Fuse, o Sr. Yamazaki, o juiz Numa... uma bagunça!
Sua pupila já não tinha mais vida
e estava indiferente
ao meu pulso
e toque.
Fortes convulsões atacavam-no. O faz-tudo me informou que já haviam ocorrido diversas vezes desde a tarde.
O catarro revolvido
pelo sôfrego
sangue mucoso que escorre
por entre os dentes cerrados.
Lágrimas caem em profusão
de meus olhos!
Então, apesar de tudo,
Ainda me restam lágrimas!
Ao ver meu amigo em dor e definhando em um prédio baixo de alvenaria, de janelas de aço e afastado da sociedade:
Meus olhos clareiam
sob uma luz trêmula
de uma lâmpada fuliginosa,
como se envoltos de ferrugem.
A tia veio até a prisão. Em seguida vieram, às pressas e juntos, também o Dr. Okuyama, o Sr. Yamazaki... Após isto, só restava esperar os preparativos do automóvel.
Tranquilizo-me um pouco
e até mesmo as luzes
que escapam das portas corrediças
da enfermaria ficam mais suaves.
Conforto-me mesmo com o ruido
da urina do faz-tudo.
Sinal de que meu enfermo amigo
dorme tranquilo.
Pouco tempo depois, a tia que havia saído para providenciar o automóvel retornou com a notícia desoladora: “o motorista se recusou a transportar um doente e não aceitou nosso pedido, vou mais uma vez à Hakusan pedir um automóvel com leito”. Troquei olhares com Furuta e engoli um seco amargo.
Hakusan fica para lá,
e a única coisa que paira sob meus olhos
é o jardim castigado pelo inverno
como uma terra devastada.
Ele voltou a sofrer ataques de convulsões. Já não tinha mais consciência e suas mãos e pés começavam a ficar gelados, Ah!...
Sofrimento em demasia,
indiferente aos sons,
as teias partidas de uma aranha
tremulam no breu do teto.
O carro com leito chegou. Eram seis da tarde. Saíram junto a maca pelo portão dianteiro do amplo jardim. Duas ou três estrelas eram visíveis, mas a escuridão se estendia para todas as direções e um vento lúgubre se fazia ouvir por entre as altas árvores. Quando o transferiram para o leito do carro teve mais uma convulsão. Em meio a tênue escuridão distingui o rosto de Yamaga. Também ouvi a voz de Yasutani. O automóvel partiu... Adeus, Muraki!
Meus olhos queimam
na escuridão do jardim da prisão
nesta noite de inverno,
esta é nossa despedida para a eternidade.
Voltei para minha cela... De dentro do distante breu do jardim, a voz de Furuta chegou até mim: “Se cuide...”
Voltei para a cela
e sequei em um gole
uma concha de água:
água glacial.
FEVEREIRO
A neve gotejando
em pingos
dos telhados em volta:
canção em plena tarde.
Desgoverne, ó vida!
Bramem, bramem, ó tempestades!
A peculiaridade das
lâmpadas piscando.
Aproximo-me da janela
e imito com a boca
o chilreio dos pardais:
coração satisfeito.
O futon secando
em um dia quente,
ganas de dormir logo
em seu cheiro de relva seca.
Ao balançar do automóvel
vertigens e fraqueza me assaltam:
só me resta rir
fria e solitariamente.
Ciente de que é chegada
a época dos perfumes das ameixeiras
a lua não se detém
em regueira alguma de jardim.
Aquela face do jardim
selvagemente cheia de entulhos ladrilhares
aguarda a primavera chegar:
janelas de ferro.
A silhueta rindo
das bobeiras que faço
com meu bigode
refletido na parede.
Se acaso sabe o que é o remorso
venha a minha parede!
Minha sombra por vezes
surge em vigília.
Como a misericórdia de minha velha,
o céu cinzento
suaviza-se aqui e ali
com um feixe prateado.
Encaro minha própria consciência
meio desperto meio adormecido,
paredes que se afastam
paredes que me aproximam.
MARÇO
Haverá penas pisadas
dos peitos dos pombos
neste lamacento campo de exercícios
depois que a geada se for?
Arrancar a crosta
do musgoso jardim
com cada uma de minhas enormes unhas,
é isso que desejo.
Prescruto com escárnio
a salva de tiros do avião
neste vasto céu de primavera,
mas é meu peito que palpita.
As nuvens cinzentas
revelam a tênue vermelhidão
a poeira branca de primavera
sobe aos céus.
O rebuliço dos céus – dois poemas:
Do glorioso céu
esferas brancas de granizo
caem em rebuliço:
soam as trombetas dos relâmpagos.
A falta que sinto
do caprichoso e vasto céu
que desconhece estes rebuliços
que esmigalham a ociosidade.
Arranco pelos do nariz:
o irrestrito vento de primavera
abre de fora a fora minha janela:
que manhã agradável!
Sobre um céu
quente e índigo-profundo,
os prisioneiros entelham
o teto refletindo escarlate.
Os primaveris raios de sol
recendem também sobre
o granito dos altos muros
que circundam este cárcere.
Oh!, o pesado broto da árvore
está envolto em nuvens,
serão meus óculos
desta janela silenciosa?
As hemorroidas:
Hemorragia vermelho-vida
derramada em pingos:
amanhã minha tristeza
enfim arrefecera?
Que o céu fique repleto de vida!
Que esquente e se tinja
de índigo profundo!
Meus olhos também umedecem.
Ergo o rosto para este
glorioso céu em busca
da branca lua:
meus dias atuais.
Lembranças de minha mãe – três poemas:
Lavando o velho bule de faiança
em uma lufada desproposital
me recordo da mãe
que me falta.
Minha mãe que tinha o vício
de cerrar os dentes diante da dor
já não possui dente algum
que possa usar.
Gritei:
“Tu que nascestes de uma mãe
que nem deus e nem buda
são dignos de adorar!”
Enfermo – três poemas:
Sentado no silêncio primaveril
com uma tigela gelada
de papa de arroz
em minhas mãos.
A papa de arroz que desejo:
Encima por uma frágil folha
de broto de crisântemo
que tomarei nas mãos.
Quebro nos dentes
um caroço de ameixa seca,
odor leve e amargo:
um tanto de felicidade e de dor!
ABRIL
Calmaria de um longo e tranquilo dia de primavera:
Fulgure em minha face
a primavera,
ó lágrimas que me escapam
de um bocejo!
(No pátio de exercícios)
Gramas do jardim – três poemas:
Mesmo neste jardim
subterrado em entulhos
quatro ou cinco folhas ameaçam brotar:
pobre desta grama!
Os olhos daquele aterrado
e trêmulo jovem prisioneiro,
me esqueço por completo
da pobre grama.
Destarte,
o espírito que luta por sua vida
desta grama primaveril reverbera em mim:
o dia de hoje!
Que tristeza!
Meus joelhos tão acostumados
a ficarem cruzados em minha solitária
rangem quando movo meu corpo.
Certo dia:
Brincando com lembranças
insignificantes, descubro-me
insignificante:
que gracinha.
Lembranças de Kanda Hakuryû - três poemas:
Como gostaria de ouvir
mais uma vez
o Kôchiyama
de Hakuryû:
fraca nevasca.
Ao escutar
o Sayo goromo zôshi
de Hakuryû: noite embebida
em chuva do salgueiro-chorão.
Impossível esquecer
o contentamento
que sinto por Hakuryû,
que nunca será um moralista.
Aquele canto de meu peito
aquecido pelo sono, por amor
acariciado pela alta noite primaveril:
o galo que canta.
No pátio de exercícios – três poemas:
O carcereiro
deitas os olhos
numa branca-clara flor
de bolsa-de-pastor.
Os detentos das celas conjuntas
conversam sem culpa:
flores de nabo
brotando em profusão.
As invasoras flores
de nabo que brotam em profusão
são visíveis para os prisioneiros
e para os carcereiros também.
Ápice primaveril – dois poemas:
Atrás do telhado,
será um pardal ou
som de terra que colapsa?
é o ápice primaveril que reverbera.
Olho este céu tranquilo
do ápice primaveril:
uma plena branca pena
cai de um pombo.
Sob a luz matinal primaveril
uma revoada de pardais
aglomeram-se na alta
árvore de sal.
Longo dia de primavera:
O espírito distraído
e confuso é surpreendido
pelo baixo canto do pardal
que chega pela janela.
No pátio de exercícios
Flores de cerejeira caem
sobre o muro de tijolos
encravado com “morte”
“Yoshiwara”, “moleque de Tóquio”.
A correspondência
anuncia a doença de um amigo,
quando um esguio dente-de-leão
floresce no jardim.
Abril está por um fio
e até o esguio dente-de-leão
ameaça desaparecer
em meio as brumas!
Toco a bochecha
na gélida janela de ferro
minhas pupilas se limpam
na chuva das novas folhas.
Novas folhas engolem
a velha balaustrada
revestida por letras
diversas encravadas.
MAIO
Pétalas das cerejeiras
de flores duplas caem em silencio,
um pardal encrustado no galho
imóvel e intumescido.
Sentado só e em silêncio:
Mas que interessante!
movo nuvens, águas flutuantes
e paredes fluidas:
coisa que me envolvem.
Flores de paulónia – dois poemas:
Os sons dos pardais
se espalham pelo vento
as flores de paulónia florescem vivazes
sigo aguardando meu livro.
O vento da manhã sopra
sobre a flor de paulónia,
e eu bebo meu leite:
poderia bem ser em louvor ao presídio!
Um poema para Mochizuki Fukuko que cuidou de seu esposo doente:
Vicissitudes de uma pureza
das águas em que lavas as mãos,
por certo é você quem reza
à sombra de verdejantes e puras folhas.
Noite impura – três poemas:
Há um homem que chora
aqui no presídio,
mas meu coração triste
não é capaz de raiva ou ódio.
O fétido odor disseminado
pelo percevejo
parece mesmo
estar zombando de mim.
O riso negro de ano após ano
dos rastros de sangue
de percevejos:
as paredes que me cercam.
JUNHO
O arrulhar do pombo na chuva – dois poemas:
O pombo arrulha,
o breu da chuva parece
me seduzir para o mais
profundo e sombrio pântano.
O pombo arrulha:
crruu crruu!
Meu velho e decrepito pai chama:
crua e confusamente.
Sequer uma folha
das árvores além da cerca se move,
sem ruído algum
chove indelevelmente.
Existem celas em que sutras são lidos:
o cheiro de musgo molhado
invade as narinas,
matutinos raios solares no jardim.
A tristeza enluta
as árvores da chuva,
penso que um pássaro canta:
tão similar a uma cigarra de crepúsculo!
Ofuscam-se as árvores,
aguardo afetuoso
o triste canto dos pássaros,
mas é só a chuva de temporada que cai.
O dia hoje segue nublado
da chuva de temporada,
observando escapar este dia letárgico
a preguiça me toma.
Golpeio minha cabeça oca
abro a boca tranquilo
e uma baba
segue escorrendo.
Lavo os utensílios
após o jantar e fito o céu ameno
da temporada de chuvas:
nuvens de cume.
Preparo meu leito
lanço os olhos para a janela
no céu azul prestes a escurecer
avisto uma nuvem branca.
Ergo os olhos na esperança de ver
uma única que seja em leito flutuando
no grande mar azul:
nuvens de cume.
A quietude do crepúsculo
de fraco-azul de verão
o girar ao vento brancamente
das borboletas do enoki?
A canção dos pardais – quatro poemas:
Com os muitos restos de pão
faço uma bolinha,
saltam e brincam:
cinco, seis pardais.
Os pequenos pardais
aprendendo a voar,
como se fossem brancas
borboletas brincando.
Pousa perfeitamente
sobre a cerca,
agita o pescoço de contentamento,
o pequeno pardal.
O pardal se aproxima amistoso,
o homem armado,
com toda as suas forças,
o captura.
Grande melancólico, trate de ficar saudável!
Quando o imagino em lamentos,
descubro seu rumo:
cantando e com indigestão de tanto comer!
Insetos de lâmpada.
Na Corte – três poemas:
Encontro entre amigos
reunidos aqui,
troca de sorrisos:
alegrias da Corte.
Como desejo uma mosca
pousando repentinamente
na ponta do nariz deste rosto nobre
que conduz meu julgamento.
Há muito já disse
tudo que precisava dizer
agora só me resta despedir-me,
sorrindo afável, de meus amigos.
A volta para o presídio – dois poemas:
Ergo os olhos através da janela
da escuridão crepuscular,
vejo a pálida mão de meu enfermo amigo,
parece já estar em casa.
Meu amigo executado
no inverno do ano que passou
e agora você que estava doente,
dividem a mesma janela.
A solicitação pela pena de morte – dois poemas:
Mesmo que tudo
termine em meio aos risos,
aceito a pena de morte
e aprofundo minhas razões.
Estarei contente se, ao menos,
puder escarpar deste terrível,
lento e arrastado assassinato:
prisão perpétua.
O sol poente
tinge de vermelho vivo
as portas da cela do prisioneiro assassino:
a calmaria de um chapéu de bambu.
Escalar as janelas de aço,
gritar a plenos pulmões,
afundar-me e enlouquecer
neste glorioso halo lunar.
JULHO
Uma vida que corre
lenta e despretensiosa:
acordo e durmo
junto aos pardais.
No pátio de exercícios – dois poemas:
Ao tocar uma afável
minúscula flor branca de mato:
derramam aquele
orvalho veranil.
Rondando e vagando por aí,
rodando e vagando por aí,
incerto se é sonho ou não,
um homem caminha sozinho.
Ó luz solar,
faça também dos olhos das moscas
brilhar em mesma tonalidade
que estes botões de peônia.
Sob um céu escaldante,
a ninhada de pombos
brilhante voam em direção
à janela em exercícios.
Sob um inferno escaldante (no pátio de exercícios) – dois poemas:
Cobertas por um banho
de bosta de pombo
o sôfrego fôlego amarelo-dourado
das flores de erva-azedinha.
Uma ruidosa folha seca
roça a cerca por onde
passa uma trilha de formigas
e cai no chão.
Goteja pingo a pingo
o sangue de meu peito
chegam notícias
de um amigo desconhecido.
Ó amigo, que vaga
por caminho em vales profundos:
chega em minha janela
o canto distante de uma cigarra.
Em meio ao silêncio
escuto a voz da mosca que voa,
me pego, desatento,
sorrindo sutilmente.
Como exatamente
expressar este coração?
Encantado pelas cores deste céu matinal
enquanto lavo as vasilhas.
Desolação – três poemas:
Os vestígios do obtuso pôr-do-sol,
olho para um canto isolado
de minha cela,
mas não choro.
Deito os olhos sobre
nuvens entrevadas em crepúsculo,
que vagam pelo céu:
e, assim mesmo, caio em sonhos.
Não sei nada sobre
Baku,
o devorador de sonhos,
mas tudo indica que é em fera
devoradora de desolação que me torno.
Cortinado de bambu para a janela – três poemas:
Penduro meu cortinado de bambu,
naquilo que o confinado
recluso de toda a sociedade possui:
janela de ferro engradada.
A figura do sol infiltrada em padrões
disturbados através cortinado de bambu,
suponho que
ultrapassa o Hekigan roku.
Se recolho o velho
cortinado de bambu,
a essência do sol tomará tudo
ou deixarei de encontrar a vespa em seus voos?
Para Shigeko que está enferma – Três poemas:
Então você ainda
não está curada?
nada poderia nos entristecer mais,
cigarra do crepúsculo em meu travesseiro.
Tarde da noite atravessando
Sendagi, Komagome
o grilo chora
ou consola?
O vento fraco do amanhecer
sopra por entre o orvalho disperso
das gramas do jardim:
remédio para febre.
Cipreste – três poemas:
Cipreste esguios enfileirados
através de minha janela de ferro,
brotos veranis ou
profunda angústia?
Galhos com brotos veranis
outros que imploram por um:
declínio vital
presente também no cipreste.
Ó esguio cipreste!
Lembre-se daquela imagem:
o fogo que se alastra mesmo
nas justas entranhas das montanhas.
Calor noturno – quatro poemas:
Em sofrimentos para dormir,
desejoso por água, levanto-me,
enxugo meu suor,
e os mosquitos se achegam.
Como estas janelas
resistentes até a óleo pesado
não se move um milímetro que seja
esta noite que acaba de começar.
Após quatro cinco noites
o branquíssimo algodão
de meu forro de cama
manchado pelo sangue dos insetos.
Em sofrimentos para dormir,
mais uma vez me levanto,
até a água em fervura!
A fétida concha.
Os olhos em dor de sono
mas as vespas se divertem
nas árvores banhadas
pela luz matutina além da janela.
O jardim em que a carcerária
estende as roupas para secar:
as roupas vermelho-desbotadas
secam e brilham sob o sol.
Saída para o pátio de exercícios:
Lavado tantas vezes
o pijama branco desbotado
a semelhanças das caídas
flores secas de paulónia.
AGOSTO
Chegou uma carta de Shigeko com tênues flores de canárias dispostas entre as folhas. Flores que pareciam uma borboleta de fraco amarelo desenhada: bastante elegante.
Flores de canárias prensadas
assemelham-se a borboletas
sentindo o orvalho
em sonhos.
Cai a chuva fresca:
Canta a cigarra
enquanto cai a chuva
arrumo o branquíssimo forro de cama
e vou dormir tranquilo.
Percevejos – três poemas:
Forro de cama,
pilhar de sustentação, livros:
não há um lugar em que o fétido
sangue de percevejo não esteja.
O percevejo regressa à casa
embriagado de sangue
as pernas bambas:
odiento e jocoso.
Noite de verão,
não poderia clarear de uma vez?
Se, assim, o traço do percevejo
que devora meu sangue se fosse...
Desperto de um sonho e me recordo de Mako – quatro poemas:
Vi Mako em sonhos
exposta ao vento marítimo,
embebida em breu
e cantando em Tsukushigata.
Ó pássaros marítimos
de Tsukushita!
Tornem-se amigos da alegre Mako
que adora tanto o mar quanto cantar.
Cantará hoje também
junto a suas duas tenras irmãs
na encosta em que o túmulo
de seus pais está erigido?
Mar de Zushi,
mar de Kamakura,
já sem pai e mãe para guiá-los:
estes quatro mares.
Tempestade – dois poemas:
Ao ver os clarões
dos trovões o sob o retumbar
dos relâmpagos
nuvens brancas dançam.
Contente com os estrondosos
relâmpagos enfileiro
cartões postais ilustrados
com a fauna de Takayama.
Lua da manhã – cinco poemas:
Longo tempo sem ver a lua.
Por entre as frestas
das espigas de eulália:
lua da manhã!
Penso que a
borboleta negra
chega em voo pelo entardecer:
distancia-se a lua da manhã.
Atravessar uma ponte
por todo o arco-íris,
cruéis e amenas nuvens:
lua que habita nas manhãs.
Lua que habita nas manhãs,
escondida pelas nuvens flutuantes
dos ventos tremelicosos
canto modular da cigarra.
Aprofundo meus sentimentos por ti,
ó pássaro, que desconheço o nome!
Troco chamadas contigo neste cipreste
através desta janela de lua da manhã.
Astro rei abrasador – dois poemas:
Abrase, flor do astro rei,
a escuridão da janela
daquele que enlouqueceu
em sua cela.
Com o enfermo nas costas,
segue seu caminho,
olhos fechados sob
à luz da flor do astro rei.
Cipreste em meio
a cerração matutina,
libélula pairando no céu,
sombrio e lúgubre negrume.
Cigarras ao raiar do dia,
o que sinto:
a pele secando-se assim
do suor podre e azedo.
Contente em sair cedo pela manhã para o pátio de exercícios – dois poemas:
Eu, que confesso minhas faltas,
não passo de um gori
inalo profundamente o ar matinal
de folhas verdes dispersas.
Folhas verdejantes caem
sob o vento matinal
no pátio de exercícios,
tomo-a na mão e a acaricio em meu rosto.
Chegou um cartão postal ilustrado de um amigo em viagem, o Lago Suwako refletia uma triste luz crepuscular.
A mica do lago de Suwa
adorna com primor as ondas crepusculares
é isso que chamam
ser tomado pela graça?
As cigarras saem a cantar:
Às margens das ondas crepusculares
do lago de Suwa refletindo,
escute você também
o canto desta cigarra.
Excêntrica solidão
de um corpo que conhece a alegria
e a tristeza
desta melancolia sombria.
As cores da luz solar
que invade minha janela pelo entardecer
me trazem como que
lembranças do outono que virá.
A lua-crescente apareceu no céu azul-profundo:
A lua como barco que flutua
dourada, dedilhada ressoa a
melodia dos céus:
canto da cigarra.
Coisas desta manhã!
A poça d’água sob o cipreste outonal
está livre do brônzeo
da janela de ferro.
O cortinado róseo
das nuvens tênues penduradas,
frágil sorriso esboçado,
estrelas prateadas.
Cortinado de bambu posto ainda no outono – dois poemas:
Cortinado de bambu na janela,
já é outono e uma cigarra muda
se hospeda, secretamente, ali,
mas logo há de partir.
O cortinado de bambu pendurado
tranquilo em pleno outono,
nostálgico com aquelas folhas
pressionadas e perfeitamente secas.
Ouvi que os ciprestes que colocam flores são ciprestes-mulheres.
Como as operárias fiadeiras
cobrem-se também com o branco
dos ninhos de aranha:
flores de cipreste.
Apesar de possuir
flores tão incultas,
quando soube que era um cipreste-mulher
faria, contente, dela minha esposa.
As flores de cipreste
de minha esposa
ostentosa se distancia de minha janela:
ciúme é o que sinto.
SETEMBRO
Os vestígios de sangue
do percevejo se foram da mesa branca,
desoladora tristeza:
cai a chuva outonal.
Nefelibatismo nas janelas de ferro
Notas pré-texto (prefácio)
Quanto a mim, fui transferido como um detento desta prisão enviesada em setembro do ano passado e, após isto, segui, em meio a constantes e intensas inatividades e ocupações, vivendo minha vida ociosamente, sendo tomado por desilusões, lendo diversos gêneros de livros ou, ainda, brincando de fazer versos horríveis e rabiscando tantos outros poemas. Além disto, apesar de dizerem que é esquisito uma pessoa de atos minúsculos viver em retiro e tranquilamente, para alguém que, como eu, se tornou um malfeitor, tenho levado minha vida em retiro e tranquilamente e, repentinamente, me entreguei ao “Zen”, acordo e ponho-me a meditar contra a parede e, desta maneira, semelhante aos sapos, inflo minha barriga e, assim, previno-me das doenças intestinais, prosto-me e, ao me jogar ao Hekigan roku, tenho minha anestesia para os olhos, e neste estado de espírito respeitável que levo minha simples e pacífica vida de prisioneiro modelo.
De todo modo, não é acerca de minha pessoa que venho aqui registrar o que se segue, isto é, nesta oportunidade, interligado com a oportunidade de bocejo, venho aqui botar para fora os haiku que, algo que inesperado, labutei tanto para compor.
Eu consideravelmente enviei para o céu, como enxertos de mato, em trocas de cartas insignificantes com pessoas já falecidas que viveram fora das grades da prisão muitos destes lixos de poemas que irie botar para fora aqui, todavia, perseguido, como previsto, pelo cão dos desejos mundanos sem conseguir me desvencilhar, sinto incomensurável pesar por sequer ter registrado suas formas ao meu alcance e, além disso, de alguma forma, passei a sentir certa nostalgia destes vestígios. Destarte, oxalá, eu, o servo desta iluminação súbita, esplêndido ser ordinário, espalmo a mão em tapa na testa e começo a vasculhar meu entorno e, ah, coisa estranha!, e, então, repentinamente, uma voz veio de dentro do calhamaço de lixo de papel: “ah, não, ah, não, Kyûta seu idiota!, meus respeitáveis poemas estão nisto aí!”, quando lancei os olhos para lá, felizmente restavam clara e melancolicamente ali os poemas de fevereiro. Deste modo, pulando de contentamento, confiando nos artigos genuínos para além desta janela, prontamente me disporei a copiá-los, e, além disto, creio ser realmente relevante registrar também cada um dos haiku que ainda vou colocar para fora daqui em diante e, em seguida, juntar tudo com a corda de papel que aprendi a fazer no presídio e nomear este encadernado de “Nefelibatismo nas janelas da prisão”, em resumo, é disto que isso tudo se trata.
Sendo este o caso, desta maneira, juntei e registrei por escrito estas incrivelmente mundanas e assustadoramente ridículas e despropositais frases karmáticas para que alguém venha receber, muito em breve, estes “Nefelibatismo nas janelas da prisão”, desta forma, grosso modo, acredito alcançar meu desejo de vencer mais este dia tedioso por inteiro ou, se pouco, por sua metade.
Dois de abril de 1925 (Taishô 14)
Das grotas atrás de janelas de ferro em Ichigaya, Kyûta, o mandrião.
SETEMBRO, 1924
Os pombos do presídio
também se foram:
nuvens de outono.
As moscas de outono
olham fixa e sérias
para meu rosto.
O rosto refletido
em minha urina:
manhã outonal.
Ganas de tentar molhar
o bigode que cultivo
nesta chuva outonal.
Leve mesmo para
borboletas de outono:
Futon da enfermaria.
Os ratos chiam
os pombos cantam:
longa noite!
Sons de geta,
será um novato?
Os insetos cantam.
Compro papeis de caligrafia,
fragrância de crisântemo
no dia de hoje.
E os ursos do mundo?
crisântemos secam
do lado de fora da janela.
Dia claro de outono:
enxergo o dentro
das chaminés.
Ilumine-os, lua
são também uma família
deste mundo transitório.
Nuvens que observo
em meio a pensamentos mundanos:
vento de outono.
O vizinho
realocado de cela:
noite gélida.
NOVEMBRO
O contentamento daquele
cansaço após um banho:
enfim remate de outono.
Ainda imagino
a barba afagando o nariz:
meditação zen.
O fumegante vapor
do cozido de cevada:
é chegado a temporada de chuvas!
Não jogo fora as pequenas
pedras mordidas e acumulada das refeições:
vento de inverno.
É um avião
ou o som da água borbulhando?
Vento de inverno.
Tiro a poeira
colorindo
fim de outono.
Pombos e frio:
após o gargarejo,
orvalho em meu bigode.
Minha mãe em sonhos:
No que será que pensa
a velha sob
o carvalho em alto outono.
Me lembro, sem atinar ao certo de quando, que pedras caíam noite atrás de noite no telhado de sua casa (Para Mochizuki):
Será que pedras
não cairão?
Noite de lua clara.
DEZEMBRO
Amanhecer de geadas
um pardal caído
morto.
Da casa de quem são
essas folhas caídas
que voam para minha janela?
É do percevejo
este sangue na parede?
Fraca luz solar.
Mesmo olhando para o muro, frio
sangue que ferve:
rastros de unha.
A voz de crianças
voam por entre
árvores secas.
Neve! Neve! Neve!
Clareie também
a cor da tigela.
O corvo grasna,
o cão ladra:
Rútila neve!
JANEIRO, 1925
Uma ínfima réstia
da primeira luz solar
vaza para dentro.
Fumaça de fogueira
para lá do muro:
que saudade!
Não vejo, mas vislumbro
o rosto na fogueira:
para lá do muro!
Face lúgubre
refletida na fogueira:
será uma reminiscência?
As árvores adormecem
durante o inverno, mas:
esqueleto de pipa.
Bolinha perdida
que deu no presídio!
Jardim geado.
Sob o urso faminto
desaba uma nevasca:
como corvos.
Refletindo na neve
em frente a parede:
corto meu bigode.
É aquela geada
que espeta por aqui?
minhas hemorroidas.
FEVEREIRO
Trocando olhares com árvores
gelo gotejante,
lágrimas!
A malha da prisão, na lua,
as grades de ferro,
são na neve.
O duto da prisão
como que raspando
no céu invernal.
Na corte e na solitária – três poemas:
Raios solares invernais,
seria o odor
de poeira velha?
Ressoam os grilhões
de meus vizinhos:
paredes de inverno.
O carcerário assando
peixe seco:
crepúsculo invernal.
Hoje foi o Dia do Império, um dia agradável, a água quente da refeição cheirava a chá verde de baixa qualidade, foi um dia agradável – dois poemas:
Vapor de chá,
a primavera se aproxima,
mais um nascer do sol.
O takuan
também ficou
um tanto mais amarelo:
primavera que se aproxima.
Rugas na testa
vinda de alguma mania:
nuvens invernais.
Um certo homem, finalmente cedendo e vestindo suas vestes vermelhas, foi para o presídio de Odawara:
Odawara por certo
traz os maçaricos pela noite:
som do mar.
Após dormir no futon
o tempo que quis,
remelas de meu olho.
Me escapam pelos olhos
lágrimas de uma gripe:
raios solares matinais.
MARÇO
Corto as unhas
e derrubo-as sobre
o bulbo de crisântemo.
O sebo do pelo
que macula o travesseiro:
gatos no cio.
Gota a gota
radiante rorejo:
peso da primavera.
A quietude
solitária por demais:
é quando o galo canta?
O canto da galinha
ofuscado olhar
divisa o musgo do muro.
Versando enfermo e acamado – dois poemas:
Gloriosa estrela primaveril
leve para longe
minha febre.
Ao abrir o livro que o Sr. Sakai me enviara, o perfume encrustado secretamente nas folhas subiu momentaneamente nestas paragens, não tenho palavras para descrever a felicidade desse enfermo acamado.
Completamente embreado
por este perfume:
estrela de primavera.
ABRIL
Logo após a recuperação, sai para o pátio de exercícios em um ótimo dia primaveril – dois poemas:
Sobrevivendo de papa de arroz
um pouco salutar
e um tanto mais glorioso.
Lágrimas de bocejo
caem ainda mais
brisa de ar quente!
O faz-tudo é um homem tranquilo:
Feliz com o lanchinho
cantarola
e batuca por aí.
Vozes de centenas de pardais
e de centenas de centenas de ursos,
retumbar cantoril.
Meu vizinho de cela, completamente exausto de longa pendência irresoluta, sempre que é enviado ao executor da lei solta um profundo suspiro:
Depois de ser enviado
para a cela 23,
névoa primaveril.
Água do jardim tingida de crepúsculo
o ganso retorna em primavera
mesmo que não cante.
Se acostumar é algo de que precisamos ao mesmo tempo em que também é algo assustador:
Os grilhões dos
trabalhadores forçados
em meio a quietude.
Enchi de terra o vaso, plantei um botão de lírio e o coloquei de frente para minha janela de ferro – três poemas:
Cheio de confiança,
o botão de lírio
verdejantes seis centímetros.
Como se do seio materno,
absorve do sol:
botão de lírio.
Com um botão de lírio
em louvor
a primavera.
Ó borboleta!
Não importa a janela que olha
sempre este mesmo rosto.
Protegido pelo guarda
que divide os bulbos
de crisântemo.
Divisão de bulbos
de crisântemo!
Peido e bocejo.
Futon colocado para secar, saio para o gramado do jardim – três poemas:
Violeta, violetas
neste gramado seco
não há nenhuma.
Ó futon que embrulha
meus sonhos,
cheire a violeta!
O que será que pensa
rindo com sobreolho carregado:
violetas.
Além dos muros
chegam bolinhas
e borboletas também.
Alguém que joga
comidas para os pardais:
borboletas em voo!
Nos olhos do trabalhador
languidez
e borboletas.
Em sonhos,
Canta o pombo, ou não?
A noite enevoada.
Jardim da frente sem fronteiras:
A tristeza avoluma-se,
uma flor
de dente de leão.
Uma vida sem significado e ociosa:
O aroma da roupa íntima
que me foi enviada:
longos e calmos dias primaveris.
MAIO
Quem canta é a varejeira?
O peso das asas
do pardal entumecido.
A primavera vai indo,
suspiros de um
pardal entumecido?
Aroma do início de verão vindo dos tomates e pepinos crus que Mochizuki me enviou, mais uma vez comi, contente, coisas que não tenho acesso:
Dia calmo e ameno
alegrias do aroma
de pepino.
A mosca que,
fugindo da tela de arame,
veio me encontrar.
Dolorosa morte de Watanabe Manzô:
Torno em direção
aos cumes das nuvens:
expresso minhas condolências.
Na Corte – três poemas:
Vejam só,
você também tirou o bigode?
Renovação da temporada.
Olhos totalmente faiscantes
maio em meio
às nuvens.
Depois de muito tempo
voltei a gritar
brisa das folhas verdejantes.
Grandes moscas!
Caule vermelho
dente de leão em fogo.
Uma paulónia floresce!
ao lado também
linha e agulha emprestadas.
A flor de paulónia
tranquiliza o susto
do granizo que cai.
Assoa o nariz
o aroma das flores
do lodoeiro.
O estomago rugi latente
flores de lodoeiro
ao entardecer.
Preocupado com a doença de Mochizuki – dois poemas:
Estará você, enfermo,
sob este céu em que
a temporada de chuvas se desenha?
Como será
as noites de escuta
dos mosquitos de Nezu.
Recordação de Furuta:
Flor de paulónia
que segue desbotando:
aprecia a chuva.
Há uma passagem no cascalho da janela. Formigas aladas, em grupo, saem por aquele buraco. Ocasionalmente pardais voam ali. Crueldades das crueldades:
Lamento as formigas aladas
em meio às asas
caídas e espalhadas.
Apesar de finalmente ter raspado e tirado o bigode:
Armam as chuvas de início de verão
o condenado mais uma vez
volta a amar seu bigode.
Fundo do mundo
fundo de chuva precoce de verão
meditação em silêncio.
Reflexo d’água
espelhado no beiral.
Mosca voadora.
Ainda em perseguição
de um fio de sonho pela manhã
nesse arco íris sombrio.
JUNHO
Recebido a notícia de que Igushi se recuperou completamente da doença:
Mesmo a pulga
pula em êxtase:
uma manhã alegre.
Completamente letárgico:
Em êxtase na lâmpada
restos de um corpo
sem suas asas.
Aberta a única janela
para o céu
de chuva de início de verão.
O peso da sujeira
no livro da prisão:
chuva precoce veranista.
Um pássaro?
céu de temporada de chuva:
um pingo de nanquim esvoaçante.
Portas sendo montadas
sons de meu vizinho,
mosca silenciosa.
Ao ver incontáveis insetos alados, como prata oxidada em dispersão, voando em dança:
Crepúsculo da temporada de chuva,
jorram as suas
cores tristes.
Um pardal carrega triste e embebido
feixe de mato,
temporada de chuvas.
Fria temporada de chuvas
calço minhas meias velhas,
futilidades.
Borboleta branca
vive em verdejante folha
deste alto céu.
Emerge no suplemento d’água
o arco íris matinal
estará nublado?
Das janelas da prisão onde sonhos são interrompidos facilmente – dois poemas:
Acordo em choque
de um sonho:
mariposa gigante.
O sangue fétido do inseto
nas mãos vazias,
tentativa de captura.
Raspo o bigode,
a aranha azul rastejando sobre os escritos
também é uma coisa boa.
Vesti o quimono sem forro novinho em folha que Mochizuki me enviou.
Sentado a fresca matinal
sentindo o aroma
do índigo.
Dia de comparecimento à corte
o baque no estômago
manhã nublada e fresca.
No automóvel retornando para a penitenciária:
Por entre o chapéu trançado
a iminência do verão
adentra em dança.
>Adeus nono pavilhão!:
Enxarco de lágrimas paulónia e lodoeiro
temporada de chuvas
de nossa separação.
Nova cela:
Sem moscas alguma,
de alguma forma
tristes tatames novos.
Nas proximidades do pátio de exercícios daqui há muitas árvores verdejantes – três poemas:
Sombra de paulónias
verdejantes oscila
tranquilamente.
Rindo de minha debilidade
vicejantes sombras
de paulónias.
Leve aroma,
musgos de temporada de chuvas,
débil e imóvel.
Ataque de febre – dois poemas:
Sob o julgo de sombria noite
de temporada de chuva,
calafrios febris em tremor.
Insetos em volta da luz,
olhos que sonham
com a febre.
Atraídos pelo odor febril
em breve virão por fim
também as moscas.
Passo remédio
dentro da garganta:
cume das nuvens.
Fenecem mosquitos
na papa de arroz
por comer.
Requisito a pena capital:
Restos de comer
para os abundantes,
abundantes percevejos.
Não pia o cuco-pequeno
madrugada
roxo-azulada.
Um lunático
canta na cela dividida,
cume em pico.
JULHO
Tristeza brancura
do mosquitos na janela,
som de chuva.
Dancem, moscas!
A luz solar se estende
sobre os tatames.
Destarte, se habito aqui
contentamento também
pelo veranil sol do oeste.
Instalado o limiar do mosquiteiro velho na janela – dois poemas:
Não riam
corvos do entardecer,
do proprietário deste mosquiteiro.
Inche o mosquiteiro
da janela!, ó vento
perdido do mundo em liberdade.
Divirto-me com o pombo
que vem me visitar
nesta janela bem iluminada.
Sujeira do umbigo
cai em bolinhas,
fresca manhã.
Tênue sorriso amargo:
Bato nas canelas amostra
do quimono cata-quiabo
com um leque branco.
O lunático de pseudônimo
Bravo.
Fervoroso e apaixonante.
Desejoso da ala hospitalar:
Vestígios de meu
falecido amigo:
flores caídas de pinheiro.
Mariposa caída
na sopa de missô:
compreensão da criança vagante.
Trago minha comida
para debaixo da janela:
forte cheiro de verde.
Canto de cigarra
neste arrebol
e eu só penso em uma coisa.
A manhã infiltra
tristemente pelo
mosquiteiro da janela.
Passa um bando de corvos:
Num resto de luz
corvos em alvoroço
refrescante chuva.
Ficou quente
o número de meu colarinho
também ficou velho.
Lamentável demência:
Golpeio com um leque
a mosca voadora:
grande deleite.
AGOSTO
Gafanhoto detido
no mosquiteiro da janela:
bruma cerrada.
Árvores, a bruma,
gafanhoto, o mato,
cheiro das coisas.
Brinque comigo
por um tempinho, gafanhoto,
aqui neste mundo.
Aroma de luz solar:
Este silêncio
tumular:
som do salto da pulga.
Imensos relâmpagos madrugada adentro:
Deito os olhos
no céu tempestuoso,
acordado sozinho.
Nublando esse dia de alto verão
uma borboleta negra
voando leve.
Cevada cozida com arroz
insetos se proliferam,
dia de alto verão nublado.
Peguei um livro do presídio emprestado, as letras da folha da capa apagadas pela imundice das mãos, e, coisa incrivelmente rara, na folha de título tinha um carimbo da Penitenciaria Kajibashikangoku:
Histórias que os insetos
envolta da luz não contam
livro de mãos imundas.
Refrescantes memórias
mordo um pequeno palito,
cheiro de cedro.
Voz rouca
novamente voa em canto:
cigarra do breu.
Mochizuki Fukuko, autorizada pelos pais que vivem em Koromo, trouxe cinco ou seis espécies de, entre outras flores de mato ainda imaturas, trevo-japonês e ominaeshi, que juntou ainda orvalhadas em carta e me enviou:
Outono da shinano
derrama-se
ao abrir a carta.
Cicie e cante cigarra!
Para a shinano
o outono já está aí.
Este orvalho
chegou por correspondência?
Lua da manhã.
Versando para Fukuko:
Tu és em verdade
mulher outonal
shinano em campos.
Poderia encharcar-me
até o coração
com o orvalho de shinano?
Rememorando a figura de Kimi se divertindo em brincadeiras – dois poemas:
Orvalho de trevo-japonês
em queda
em suas faces.
Esbravejando contra
a libélula que foge
sempre que ela se aproxima.
Pelo buraco
onde colocam a comida
isto é, fresca da tarde.
Esses dias, um sem-número de manchas amarelas apareceram nos galhos de cipreste próximo a minha janela, seriam flores?:
Estarão as flores do cipreste
despertando nesta
letárgica bruma?
Quão obstinadas e silenciosas são estas flores!:
Bruma matinal
a árvore de cipreste está desperta
ou ainda dorme?
Penso em dar um sorriso,
mas as flores do cipreste
seguem incultas.
Chove desde ontem e, ao anoitecer, começou a soprar um vento alucinante. Luzes de trovoada! Outono! Último outono!:
Meu outono
de despedidas:
ventos e chuva!
Abrilhante este rosto
abrilhante esta janela br
luzes de trovoada!
Aquele pequeno ladrão foi transferido para alguma outra cela:
O clarão do raio
ilumina a parede,
homem que rasteja.
Ao ver a carta dos estragos da grande inundação na Coreia – dois poemas:
Pessoas em silêncio,
o cavalo relincha
céu de outono.
Mas do que os corvos
as pessoas se abatem,
crepuscular sol outonal.
Nuvens desoladoras:
Dois, três buracos
em nuvens maciças,
céu de outono.
Sob a janela, um condenado que trabalha fora captura com as mãos uma cigarra:
O prisioneiro
captura a cigarra,
isto também é o outono.
As vozes destes prisioneiros: “ou, eu ouvi falar que fritar cigarra no óleo fica bem bom, hein”, “háháháháhá, esse safado, tá e com cara de que vai comer ela crua mesmo...”:
Em meio a disparates
repentinamente entristeço:
janela de outono.
SETEMBRO
Saio ao pátio de exercícios, o vento matinal lança e derruba o fruto da árvore fênix:
A andorinha passa,
um a um os frutos
da árvore fênix vão ao chão.
No pátio de exercícios – dois poemas:
Sola do pé ressoa
ao dar um passo:
seriam folhas caídas?
Ergo o olhar
daquela folha,
ando alheio.
Uma pluma de pombo
boiando na banheira:
vento outonal.
As cores começam a surgir
nas flores de cipreste:
chuva outonal!
Com o fim das correspondências de uma pessoa que partiu:
Pássaro atravessa
o luar matinal,
torna-se robusto.
Saio ao pátio de exercícios:
De chapéu trançado
num clima agradável, libélulas,
que divertido!
Desejoso de algum memento que possa levar junto a mim de meu ainda desconhecido amigo que partiu. O ser humano é aquele bicho que deve, nem que seja uma vez, atirar com uma pistola de festim. Sorriso amargo, sorriso amargo:
Sem que remetesse
a velha cueca:
ventos outonais.
Todavia, decidi, de qualquer modo, enviar um organizador de cartões pessoais afixado com um estampado de algodão marrom. Triste produto de uma loja de rua de minha preferência:
Meu corpo
que ama lojas de rua:
insetos da noite.
Bem, e quanto aos outros itens que devem se tornar memento...:
Sob meus
velhos geta
cantarão os insetos subterrâneos.
Água adocicada
língua de Jintan:
ouvindo os insetos.
História do homem, meu vizinho de cela:
Não me venha perguntar
coisas sobre saquê,
inseto desta noite
Dia do veredicto. Ficou decidido que será perpétua. Cai uma chuva outonal:
Como presente
de despedida
chuva outonal.
Da janela do automóvel enquanto regresso, em despedida aprecio a cidade de Tóquio mais uma vez:
A cidade que me despeço,
chuva outonal
luz diurna.
Adeus, pombos!
Torna o rosto para cá
a fria matinal.
Ah!, Furuta:
Olhos desconfortavelmente
límpidos
chuva gelada.
Profundo ressentimento pela imagem além da janela:
Será aquilo o estabelecimento
deste local de execução?
Inseto de chuva.
Para aquele dia em que se fez um céu azul outonal edificante...:
O mozu
desta manhã
reza por este
dia tão ensolarado.
Nós cinco:
Separação em morte
mas já separados em vida:
gansos voadores?
Digressões de um prisioneiro solitário
O céu azul, as nuvens negras
Este capítulo comporta somente os tanka e os haiku que ainda me recordo e que foram compostos durante os aproximados oito meses em que não tinha permissão para usar papel e tinta, isto é, do dia vinte de setembro de 1925, quando cheguei a este Presídio de Akita, até o dia quinze de maio de 1926.
Durante fevereiro e março uma enorme tempestade passou pelo meu íntimo umas duas vezes. Portanto, existem inúmeras observações que também desejo registrar. No entanto, decidi escrever tudo isto em forma de reminiscência nos posteriores textos de opiniões e, neste, só deixarei os poemas.
●
Na noite do dia vinte de setembro de 1925 cheguei ao Presídio de Akita. No dia seguinte, quando, do campo de exercícios, olhei para o firmamento de outono do norte deste país:
Até o dia de minha morte,
vestirei esta roupa vermelha?
Equinócio de outono.
Chegado novembro, começou a chover o granizo (neve e chuva) do qual já havia escutado sobre. Em meados de dezembro a neve voltou a ficar abundante. Ao ouvir que a neve em janeiro e fevereiro se acumularia por volta de um metro, um metro e meio, me lembrei repentinamente de um poema que Issa compôs no fim de sua vida quando chegou ao galpão de armazenamento de carvalho em sua terra natal, Shinshû:
Então é isto,
esta será minha última morada?
Metro e meio de neve.
E se eu pedisse
uma janela que deixasse
cair a neve e o granizo?
Sobre a mosca dormente:
Uma mosca imóvel
sobre a divisória
dorme serena neste frio
já sem respirar.
Como a mosca imóvel
sobre a divisória,
poderá ser que minha vida
termine aqui?
Na noite de vésperas do ano novo:
Limpo meu quarto
exceto pela mosca:
um homem e sua faxina de ano novo.
Primeiro de Janeiro de 1926.
Mesmo no ano novo
o céu cheio de nuvens,
grasnam os corvos.
O ano novo!
Frígidas nuvens,
grasnam os corvos.
Contemplo devoto
o crepúsculo tênue
do primeiro dia do ano.
Meu nariz escorrendo!
Gotejo meus ossos
gelados.
Impregnado de muco nasal
de todo um inverno:
Indumentária prisional.
Ao entrar no ápice do inverno, me deram uma garrafa de água quente para me aquecer:
Abraçado à garrafa de água quente
me sinto mais ainda
um imbecil.
Aguardando minha tigela
de chá turvo com sal,
será culpa do granizo?
Sair da cama no inverno:
A neve congelada
da janela de vidro
como que conserva o brilho
azulado do luar.
Como um peixe
que absorve o azulado luar
prosto-me diante da janela
funda de neve.
Entrando em fevereiro.
Meus olhos refletidos
na água turva:
vejo-os frígidos.
Neve acumulada atrás da janela:
A neve branda
repentinamente se torna
água em um balde furado.
Dia de folga:
Coração cansado,
estendo minhas meias para secar:
luzes do sol.
Entrando em março.
Acordo após
um profundo sono:
neve densa.
Fantasmas:
A poeira maculando
o feixe de luz invernal
que envolve minha velha mãe.
O tremor de neve
caindo em rugido do telhado:
ah, o sol!
Uma noite chuvosa
sobre a neve antiga,
como uma massagista.
Prenúncios de primavera:
Mesmo saudoso de uma terra
em que posso sentir o cheiro das ameixeiras
se olho compenetrado para este céu azul
é o granizo que vejo cair.
Por todo este céu azul
cai, sem rumo,
uma geada inteiramente branca:
algo como primoroso.
Entrando em abril. Repentinamente o clima ficou aberto apesar de frio, os ventos gelados ficaram mais forte e o granizo, as geadas e a neve ficaram ainda mais violentas.
Quem primeiro se deleita
são as cores de minhas unhas com
o céu de primavera.
Ergo o rosto e olho direto
para o céu:
em louvor à primavera!
Ao lembrar de Mako quando ela ainda era um bebê:
Imensos olhos
que interrompiam o choro
ao ver o céu de primavera.
O rosto erguido para o céu
do prisioneiro
que cultiva o solo.
O carcereiro que sofre
de cegueira-da-neve, triste,
diminui sua exposição a luz solar.
Dias longos!
Reminiscência de meu tempo de criança:
balas e tambores.
Maio. Falam que as cerejeiras de Akita finalmente começaram a florescer. Será porque não há nenhuma árvore desta nas redondezas que nenhuma borboleta voa pelo meu jardim? Mesmo as gramas verdes são raras. A primavera só se faz presente pelo brilho no céu.
Uma vespa-de-madeira entrou voando em meu quarto pelo buraco de ar da parede. Rastejou por entre meus ombros e joelhos, pousou as asas e ficou ali escutando os ruídos das máquinas à vapor do lado de fora e, após aproximadamente uma hora, foi embora depois de ter iluminado este triste quarto com as tonalidades da primavera.
‘Vá limpar essas ceras do ouvido!’,
foi o que uma vespa
em meu ombro me disse.
Saberia você,
visitante vespa,
que meu pseudônimo é Suihô?
Já está de partida, vespa?
Em direção daquele
céu azul rociado.
A nuvem de poeira
de fim de primavera entra pela janela
por qual a vespa se vai.
Fiz uma canção infantil que Kimi, filha dos Mochizuki, iria amar.
Silhueta
Sr. Silhueta que aparece na parede
Só sabe aí ficar me imitando
Se eu mexo a mão
Você vai lá e mexe
Se dou uma andadinha
Você vai lá e anda
Se aceno
Você vai lá e acena
É bem gozado, Sr. Silhueta
Mas me fale aí, quem que você é?
Será que hoje ela acorda?, será que hoje ela sai voando?, desde que começou a ficar quente eu tenho olhado quase todo o dia por cima daquela divisória, mas a minha querida mosca não dá sinais de iniciar seu voo. Sem mais um pingo de paciência, me apresso com um espanador e a varro dali... Mas que idiotice, não era apenas um cadáver desde sempre!? Assim sendo, da janela à brisa de primavera, adeus!
A mosca sepultada
em brisa de primavera:
amém!
Inodoro, barulhento
●
Noite passada terminei de ler Kotsujiki Tôsui. Tive um sentimento bem diferente de quando o li dois, três anos atrás.
Menzan Oshô, em elogio, disse sobre ele: “o primeiro verdadeiro santo japonês. Páreo até mesmo para Kanzan e Jittoku”, Nakamura Seiko, no prólogo deste livro, “Gakan Tôsui”, escreve: “tenho vontade de procurar exemplos como o dele tanto no Japão quanto no ocidente, tanto entre os budistas quanto entre os cristãos”, e segue argumentado acerca de Tolstói e Francis. Eu não faço ideia de quem seja Francis, mas acredito que Kanzan e Jittoku são bastante diversos de Tôsui. Ryôkan não seria, ao contrário, mais semelhante a Kanza e companhia? (Apesar de Ryôkan ainda não existir no tempo de Menzan...)
É mais do que natural que percebamos semelhanças entre o “mendigo Yasu’uemon” e o “mendigo Tôsui”, mas eu, de fato, conjecturo, junto a Seiko, que “tudo indica que os motivos de Tôsui não era a mendicância propriamente dita”. Além disso, consigo entrever a personalidade de Tôsui através do “aperfeiçoamento do aperfeiçoamento espiritual” que ele realizou e da sua preferência ao “trabalho em detrimento às esmolas pela fé”. O camponês Edo Tekirei que enfatizava “a não-dualidade entre o trabalho e a religião”, dizia o seguinte: “sempre que penso no aperfeiçoamento do aperfeiçoamento espiritual de Tôsui me recordo da vida de caçador que Enô, o Sexto Sucessor da Escola de Zen budismo, levou por quinze anos, e das palavras de Hyakujô, que, em princípio, seguiu as regras monásticas do Zen Budismo, que ensinavam que há de comer aquele que cumprir suas obrigações religiosas”.
Mas, no entanto, eu penso da seguinte forma. Será que tanto o “trabalho” de Tôsui quanto o seu “abandono a vida de mendicância” não passaria de, principalmente, “estoicismo” de sua parte? É certo que existia também aquilo que Seiko expressou enquanto “culpa pela renda vinda de outras fontes que não o trabalho”, mas, contudo, mais do que isto, não seria um “aperfeiçoamento no estoicismo” que emergiu desta vida de trabalho e de mendicância de Tôsui? Isto é, a raiz disto não seria a mudança de uma ascese monástica sob às árvores e sobre as pedras a uma levada a cabo no fundo do poço civilizatório humano? E, além do mais, não seria mais razoável, levando em conta a filosofia daqueles tempos, que entendêssemos a “culpa pela renda vinda de outras fontes que não o trabalho” como algo que trabalhasse nas sombras e de maneira latente?
Na primavera passada. Quando li na penitenciaria de Ichigaya o Taigu Ryôkan, de Sôma Gyofû, senti como se fosse tocado pela brisa fresca da primavera, mas, ao ler o Kotsujiki Tôsui senti, acompanhado de um profundo respeito, um intenso sofrimento. Acredito que tenha sentido tamanho impacto devido a força do tom estoico de Tôsui.
O autor deste livro, Yasu’uemon, escreveu o seguinte: “cento e cinquenta anos após Tôsui, viveu em Echigo o excêntrico monge da escola Soto de Zen budismo Ryôkan, o grande idiota. Entre ele, que passou meia vida compondo tranquilamente poemas no templo de retiro Gogôan na montanha de Kugamiyama, e entre Tôsui, que passou meia vida entregue a miséria da mendicância e em serviço aos sofredores, existe muitas e profundas diferenças...”. Contudo, quando penso na real influência que Ryôkan sentiu ao se misturar com os comerciantes, camponeses e crianças das vilas em torno da montanha Kugamiyama, em meio aos eventos receptivos e despreocupados, em meio às conversas descontraídas sob a brisa reconfortante da primavera com tantas pessoas, quando penso nestas coisas, me pergunto se não seria infundável afirmar que ele só se divertira calmamente com as composições de poemas. Seja na “grande benevolência” seja no “estoicismo”, Tôsui certamente é superior a Ryôkan, mas, de meu ponto de vista pessoal, eu, de alguma forma, sinto mais proximidade e afeição pelo último do que por Tôsui.
(16/05)
●
A relva verde cresce por todos os campos de cultivo e quatro ou cinco flores brancas das bolsas-de-pastor estão abertas. Estas são as primeiras “flores” que vejo neste ano. São mirradas, mas, ainda assim, flores ainda são flores. Uma borboleta veio em voo de algum lugar. Próximo ao solo as vespas-de-madeira também voam atarefadas.
(19/05)
●
Grande parte dos historiadores tratam como uma distorção dos fatos feitas a posteriori o caso de que Kusunoki Masashige teria feito uma consulta meditativa zen. Contudo, entre os zen-budistas, a celebre admoestação “siga um só caminho sem vacilar” é bastante famosa e empregada.
“Dizem que Kusunoki perguntou a um certo monge, ‘o que fazer na encruzilhada entre a vida e a morte?’, as palavras de admoestação do monge foram: ‘abandone seu dualismo e siga um só caminho sem vacilar’. Ao ouvir estas palavras, Kusunoki suou por todo seu corpo. Dizem que o monge, ao ver o estado de Masashige, entendeu que o havia trespassado profundamente...”
Tenho a lembrança de já ter lido algo do tipo em dois ou três livros. Entretanto, se verificamos o Shiggyû roku, de Tsubono Heitarô, podemos encontrar a seguinte passagem: “Há muito tempo, na noite anterior em que Kusunoki morreria em batalha no rio Minatogawa, este bateria na porta do retiro do famoso monge Shun Minki e perguntaria como é a encruzilhada entre a vida e a morte, no que o monge responderia, descuidado, que ‘não é nada de mais, é algo como um calafriozinho’, contudo, o corpo de Kusunoki estaria ensopado de suor. Quando o monge budista viu aquele corpo, teria dito que ‘eu o trespassei profundamente’. Kusunoki, então, teria sido profundamente movido por aquele sermão e, no dia seguinte, lutaria com todas as suas forças e, junto ao seu irmão Masasue, pereceriam em batalha”.
Desconheço qual das duas versões é a certa, mas, acerca do que senti após ler ambas, a última me soa muito mais interessante. Acho que uma colocação como a “é algo como um calafriozinho” tem muito mais chance de penetrar no corpo e alma de alguém do que uma do tipo “siga um só caminho sem vacilar”. É justamente essa frase descuidada que pode nos ajudar a entender Kusunoki suando copiosamente.
(20/05)
●
A revista Hito chegou. Primeiramente passo os olhos na coluna de haikai “Shizen wo kiku”, escrita por Seisensui.
Se paro para contar agora, já faz bem uns treze, quatorze anos desde a época em que o haiku ainda era minha única diversão e realizávamos encontros de boas-vindas de haiku no clube Saru-kurabu, em Dôjima, sempre quando Seisensui vinha até Osaka e eu me encontrava com ele, foi nesta época também que ouvi sobre uma sincera e séria teoria de temas sazonais que tinha como tópico questões “acerca de versos da porta corrediça de papel”. Sinto uma certa nostalgia quando, através desta glosa haikaista de Seisensui, recordo minha própria figura daqueles tempos.
Era por volta de quando Seisensui começou a publicar a revista Sôun e se preparava para adentrar nos atuais círculos de haikai. Ainda tenho na memória sua feição de rosto redondo, bigode um tanto crescido e malcuidado e seus olhos brilhantes e límpidos atrás dos óculos de aros de ferro. Me lembro com um tanto de certeza que vestia seu casaco e quimono com padrões de respingo preso com uma faixa de cintura macia e larga.
Eu li a notícia de que “o Sr. Seisensui, após perder sua amada esposa, adentra no templo Higashihonganji” no ano retrasado bem quando estava vigiando o comodoro Fukuda. Então, em setembro do ano passado, já em Ichigaya, quando assinei pela primeira vez esta revista Hito encontrei a seguinte notícia: “O Sr. Seisensui partiu em uma viagem de peregrinação por Shikoku”. Após isto, em março deste ano, peguei emprestado para ler todas os volumes que o capelão Hamada tinha arquivado da revista Hito e, então, na primeira edição deste, sob o título “Koei Shinshun”, estavam publicadas as composições em viagens de Seisensui. Dentre estas, tinha o seguinte poema:
Os sons das ondas
e dos cantos dos pardais:
primeiro de janeiro, sozinho em viagem.
Desfrutei profundamente este poema que me levou a recompor em meu íntimo com devoção a figura de Seisensui peregrinando como se fosse um Bashô da Era Taishô.
Os sons das ondas
dos cantos dos pardais:
primeiro de janeiro, sozinho em viagem.
São versos que exalam uma forte tristeza com um quê de pureza e transparência. Ah..., a época em que andei à deriva junto ao deus da morte pelas encostas ao sul de Shikoku... Sim, se foi no verão de meus 21 anos, fazem cerca de treze anos (e, portanto, talvez façam uns quinze ou dezesseis anos que encontrei Seisensui pela primeira vez). Aquela minha viagem – se é que podemos chamar aquilo de viagem – foi como a de um leproso incapaz de se sustentar sobre suas próprias pernas e que chafurda dentro de um lamaçal. ... Sim, batuíras-de-coleira voavam sobre ele, coberto de algas, fedendo à peixe e sob musgos abrasadores. Dentro de uma plantação próxima ao mar, girassóis estavam em flor como se sangrassem...
(22/05)
●
Estava escrito em Shiggyû roku que:
“Para alcançar a imperturbabilidade é necessário o preparo para o despreparo, o plano para além do plano. Coisas como a coragem ousada não é a verdadeira imperturbabilidade.”
De fato... Estou sem palavras! “Toda a imensa força que tenho será derrubada assim que os ventos soprarem”
●
“Mas que socialista mais peculiar, não é?”
Escutei, no entardecer, vindo do lado de fora de minha janela a voz de um grupo de prisioneiros que regressavam.
Em novembro do ano passado, em uma tarde em que o vento também soprava, de certo este mesmo grupo passou debaixo de minha janela dizendo:
“Dizem que com a vinda do socialista a mistura ia ficar melhor, mas eu não vi mudança alguma, hein”
Naquela época, contudo, só conseguiram arrancar um riso amargo de mim e nada mais. Entretanto, quando escutei hoje aquelas palavras, “mas que socialista mais peculiar, não é?”, senti uma frieza, um quê cadavérico, senti verdadeira e hediondamente como se palmas de mãos acariciassem, às avessas, minha cabeça e meu corpo inteiro se entregava aos tremores amedrontados e gélidos enquanto, ao mesmo tempo, lágrimas insípidas como escorrimento nasal rolavam aos montes e se encravavam em meu âmago.
A silhueta: “he he he, mas que merda são essas lágrimas, chefe? Parece que está noite não vai ser lá muito “inodora, barulhenta”! He he he...”
(29/05)
O ser humano que primeiro compreendeu o curioso fato, mas, ainda assim, sem sombra de dúvidas um fato verdadeiro, de que “quem tudo perde tudo ganha”, certamente era, dentre essa espécie animal que odeia perder que é o ser humano, o sujeito que mais detestável perder.
O cuco-pequeno
●
Com a vinda do ilustre abade-chefe do templo Eiheiji, o velho sacerdote Kitano Genpo, ocorreu um fala de admoestação especial. Sem sombra de dúvidas era visível o declínio no caminhar de seu velho corpo de 85 anos, contudo, ao subir no palanque, sua disposição, sua voz, era de um verdadeiro monge leonino que se orgulhava de sua própria reputação.
Foi a minha primeira vez escutando um sermão de deus. Bem diferente de minha precedente e triste concepção de brutos gaguejando em cada palavra, da diretividade, da posição de intérprete da palavra budista, me senti bastante contente com a pregação de Kitano.
Ressoando sua bengala laqueada ao solo, o sacerdote ancião que segue até o palanque com sua indumentária violácea se revela glacialmente indolente e é acompanhado por um acólito de vestes amarelas de expressão cândida digna de um Jizô e dois monges assistentes envoltos em trajes pretos de feições serias e determinada dignas de um Arhat, todos pareciam personagens de pinturas antigas.
O discípulo desperta
com uma tosse do mestre:
noite curta!
A cena me trouxe este poema de Rikka e apreciei tudo com profundo interesse.
(17/06)
●
Às margens de minha cela, quase todas as ervas que apareceram na área cascalhada já foram arrancadas, mas, agora, as mudas diversas que foram plantadas nos campos de cultivo já aparecem oportunas e triunfantes em relvas verdejantes por todos os lados.
As “suzume no rôsoku” se enfileiram verdejantes, as espigas dos capins balançam ao vento, as flores bolsas-de-pastor mostram resquícios de sua brancura, sinto mesmo que deve ter sido difícil juntar tudo isto. Contudo, ao ouvir que plantarão beringelas por estas áreas, sinto como se o destino de todas essas plantas não fosse durar muito mais. As sementes que chegaram até os campos deste presídio montadas no vento de outono, resistiram ao solo invernal, bulbos de primavera que brotam nas temporadas de chuva, vidas que lutam arduamente por desenvolvimento, mas, contudo, amanhã podem ser arrancadas e descartadas ou, mortas, se tornarem adubos para plantações. É o perene ciclo de vida e morte de todos os seres vivos, inestimável páthos, profunda afetação.
(22/06)
●
O futon, a partir de hoje, vai passar a ser como os de verão, me foi concedido também um mosquiteiro um pouco encardido de juta branca. Era um mosquiteiro individual, bem diferente do pedaço velho de um mosquiteiro que ficava pregado na armação da janela no Presídio de Ichigaya.
Toco o mosquiteiro
pendurado, chapéu trançado
como balde d’agua.
Um homem que gosta
de mosquiteiros
e de contos de fantasmas.
Desde que começaram a encher a vala abaixo de minha janela de água para regar o campo de plantio das sementes de pepino os mosquitos se multiplicaram incrivelmente. De início não sorriríamos amargamente recordando os versos que o velho Issa compôs?
Os mosquitos deste ano
também estão me devorando,
para a minha felicidade!
(29/06)
●
Desde minha tenra infância, fui ensinado constantemente, seja em casa, seja na escola, que deveria viver como seguindo a lógica de que “dois e dois dão quatro”.
No entanto, após me jogar às ondas ferozes da sociedade a remo em um bote solitário, percebi que existe também uma forma bastante interessante de viver em que “dois e dois dão oito”.
Contudo, desde que comecei a ler por ai alguns livros de budismo Zen, cheguei ao entendimento de que o ser humano, além destas formas de viver, ainda possui uma mais excêntrica em que “dois e dois dão zero”.
Dois e dois dão zero!
(04/07)
●
As flores de ervas-azedinhas que haviam brotado bem ali nas juntas de minha cela foram completamente arrancadas por volta do dia 22 do mês passado, mas este mês suas folhas voltaram a crescer e suas flores amarelas espreitam dos cascalhos aqui e ali o céu escaldante. Seres velozes.
Força da vida!
Carinho por estas flores
de ervas-azedinhas
nascidas dos cascalhos.
Devaneios e conversas tranquilas
●
Dia de folga.
Hoje me foi concedido um leque de mão. Sentindo que estava ridiculamente quente, soube depois que o motivo eram os 32 graus que faziam ao meio-dia. Parece que no ápice do verão a temperatura chega aos 36, 37 graus então, portanto, parece que aqui pode ficar ainda mais quente que em Tóquio. E, além disto, estou cercado por todos os lados por paredes robustas. É claro que é impossível “recostar na parede para tirar um cochilo de tarde refrescante”. Que? É para eu “deixar de mandriice”? Há, há, há!
(18/07)
●
Enfileirando
devaneios e conversas fiadas:
as moscas em gargalhadas.
Desperto de um sonho
em que voava pelo céu:
um leque nas mãos.
Acamado doente:
Com olhar idiota
me chega aos ouvidos
a voz das moscas.
Estúpido destino!
se me livro desta sujeira em meus cabelos
moscas que vêm bajular.
●
As borboletas ovipositam e dão vida às lagartas que começam sua invasão crescente aos campos de repolho. As borboletas que deixam legados para seus antecedentes por meio dos pistilos e estames, isto é, insetos que devoram as folhas verdes. A ambivalência de tudo e todas, a eclosão, até o amargo fim, esta ironia. Até o amargo fim, esta gravidade.
Desviando os olhos daqueles miseráveis repolhos, fitei o cume das nuvens ao longe e, ao me dedicar aquilo com devoção, o grito de uma cigarra vindo de distantes terras afluiu pelos meus ouvidos e coração.
Insetos devoram
silenciosos os vegetais:
cume de nuvens.
Dias quentes:
abelhas e pardais
derrubam o solo de meu teto.
(25/07)
Talvez por conta do consecutivo céu aberto durante a temporada de chuvas, hoje, que já é quase meados de verão, choveu torrencialmente todo o tempo. Posso imaginar como as querelas entre os arrendatários de terras e seus arrendadores ficarão ainda mais críticas no inverno deste ano.
Quando saí para o pátio de exercícios nos intervalos de céu aberto nesse período de chuvas, um panapanã de borboletas brancas voava sobre os distantes campos de plantio de pepinos e libélulas repousavam nas armações do forro do poço d’agua. Pelo entardecer, a chuva voltou a cair e quando, em muito tempo, pensei que escutava um canto parecido com os das rãs, avistei uma pequena rã verde sentada, minúscula, sobre o musgo das mirradas pedras que beiravam os muros.
Um sapo de ares dignos de um ermitão das montanhas ou uma rã tonosamagaeru que flutua serena em algum lago e de lá fita o céu azul são bastante interessantes, mas essa rã verde que prenuncia chuva também possui uma elegância difícil de descartar. Issa compôs:
Salta para a
Folha de fuki
Uma rã assustada.
A rã que foge
após urinar sobre
as bordas de pano dos tatames.
São versos que cantam esta mesma elegância das rãs verdes.
Os versos de alguém que canta cenas parecidas em um poço velho, um lago ou em um córrego:
Ali flutuando
relegando sua sorte aos céus
uma rã.
Ouvi que, em uma situação parecida, deram tabaco de um cachimbo para uma rã tonosamagaeru comer no que ela, imediatamente, colocou para fora suas vísceras e as lavou cuidadosamente com água.
Se fosse possível também para os humanos, à exemplo das rãs, colocar ao seu bel prazer as próprias vísceras para fora para lavá-las, não teríamos, evidentemente, qualquer preocupação com desordens gastrointestinais e, então, com estes seres humano “com os intestinos limpos”, conseguiríamos por certo fazer surgir uma sociedade cândida e vigorosa e isso me faz sentir pontadas de inveja.
(03/08)
Glória-da-manhã
●
As minhas atividades de julho seguiam ainda inacabadas e, por conta disso, eu pensava, no dia quinze certamente retirariam de mim a tinta e o pincel, e, me preparando para tanto, após o dia dez deixei de usar os artigos de escrita, mas, mesmo após o dia quinze, não vieram me retirar nada. Ao questionar o chefe responsável, me foi dito que algum responsável pela área educacional-religiosa viria para retirá-los. Bem no dia dezesseis, assim que avistei o responsável, lhe falei sobre o assunto no que ele disse: “inacabadas! Isso é grave, né, vou, de minha parte, averiguar tudo”, mas até hoje não tive mais nenhuma atualização do caso. Pensei comigo que ele, por estar muito ocupado, não tenha tido tempo hábil para tratar do assunto, ou ainda, quem sabe, pode ser que, gentilmente, está se fazendo de desentendido. Não sei ao certo a verdade, mas, de qualquer forma, não vieram ainda retirar os materiais de escrita. Neste últimos dois, três dias fiquei receoso diante da tinta e do pincel em minha mesa, mas hoje, por fim, decidi que voltaria a escrever.
(18/08)
●
Nesta manhã, quando fui recolher o mosquiteiro, toquei uma rã verde e me assustei.
As primeiras brisas do outono
começam a soprar:
um amanhecer.
(18/08)
Após um longo período, o tempo está ótimo. O fraco ressoar outonal soa ao longe neste límpido céu matinal.
Manhã de outono:
O pombo
parece plainar alto
sobre este céu outonal.
Manhã de outono,
paisagens que exalam
o verdadeiro aroma do mundo.
(20/08)
●
Ao escutar por aí que o Tanabata. está próximo, deduzi que hoje então seria dia quatorze do Obon. Não é de se estranhar o gri-gri das cigarras e o canto dos grilhos-verdes.
As tênues nuvens
sob outras nuvens:
cigarras de outono.
●
Ao entardecer, uma réstia de luz solar veio visitar meu quarto através da única janela que faceia o sudoeste. Em princípio, somente um breve ponto do tamanho de um grão de feijão se estendia sobre o assoalho de madeira. Mas, enquanto a observava, se ampliou para os lados e atingiu a forma de uma vara luminosa bem do comprimento da largura de minha janela. Aquela vara, ainda, foi pouco a pouco ganhado largura e, por fim, se tornou um raio solar que tomava toda a esquadria da janela e que seguia se precipitando, diligentemente, em direção ao portão de entrada da ala leste. Após alcançar o portão de entrada, começou a gradualmente declinar em um movimento para a parede ao sul e, mais uma vez, seguindo sempre para o oeste, atravessou a superfície da parede ao sul e desapareceu, alta e minúscula, por completo. E assim eu consumia meus dias, um dia de cada vez, enquanto apreciava e me deleitava com as andaduras e as peculiares mudanças destas luzes e das tonalidades dos raios ou, ainda, investigando a relação entre as mudanças de clima e o percurso da luz solar. Me recordo, ainda, de versos compostos em cárcere de uma certa pessoa que diziam:
Raios de sol invernal
que penetram em minha cela
por entre essas grades de ferro.
Mais um dia vivido:
hoje também resguardei
os movimentos da luz.
Por certo não há outra existência humana que experimente tão profundamente o andar dos dias, hora por hora, quanto os prisioneiros. Os prisioneiros são, em certo sentido, como “cadáveres vivos”. Contudo, se olhamos a questão sob esse viés tão sério e profundo, os prisioneiros são, ao contrário, seres que podemos identificar como “aqueles que vivem em completude”.
Enquanto observo fixamente a luz solar que, inicialmente, não passa de um ponto do tamanho de um grão de feijão e que, como uma gota de óleo sobre o papel, segue se espalhando, percebo, às vezes, que, em meio as partículas de poeiras, minúsculos pontinhos coloridos pelos raios solares começam a, inesperadamente, se agitarem uns contra os outros. Pego de surpresa, aproximo os olhos para os escrutinar e, então, percebo que todos são esplêndidos insetos. Desconheço se são insetos em formação ou já maduros, mas, geralmente, são em sua maioria brancos, apesar de ter muitos que também são marrons, e cinza claro. As espécies também são bastantes diversas. Ao perceber que mesmo dentro desta minha cela silenciosa e lúgubre, se prescrutada com a devida atenção, posso encontrar uma definitivamente inesperada agitação, senti como se do fundo de meu ânimo um tanto sombrio mareasse suave e calorosamente uma sorridente marola.
(22/08)
●
Outono como flor sem frutos,
o que pode te acalorar?
pepinos em conserva.
Passando por entre
o desbotado e branco mosquiteiro:
vento de outono.
●
Em viagem por bizarras e altas montanhas. Pousei em uma gruta em meio a um lago das montanhas e, em meio a uma inundação, despertei do sonho enquanto me solavancava prestes a afogar... Me levantei para ir ao banheiro e recostei-me debaixo da janela, a lua flutuava densa em meio a um intenso nevoeiro.
Lua densa
debatendo-me dentro d’água,
acordo do sonho.
●
Hoje é dia primeiro de setembro... Uma tarde tranquila e nublada.
Se me perguntam
indico sempre
as nuvens doiradas de outono.
(01/09)
●
Vem aí a 82ª edição da Hito.
De acordo com o artigo, durante o período de três dias a partir do dia 23, ocorrera uma grande cerimônia em comemoração do centenário de Issa em Kashibawara, Shinshû, neste dia comparecerão trezentas pessoas célebres de todo o país e, além disso, será erigida uma pedra gravada com um haiku de Issa em um parque na cidade de Nagano, e a Shinshû kyôiku kai tem planos de, durante cinco anos, publicar uma série de livros de Issa.
Fico feliz que o velho Issa será pesquisado com profundidade. A pedra encravada também é uma boa notícia, assim como a série de livros. Entretanto, é algo a se pensar a possibilidade de se estas ditas celebridades não irão, do jeito delas, tratar de uma maneira esquisita o autor. Eu realmente não gostaria de, dentre todos os compositores de haikai, ver somente o nosso querido velho sendo tratado como uma santidade do gênero. Como seus versos:
Até mesmo os insetos peidam
quando comem um dango:
o velho na casa de chás.
É desta maneira, com fortes traços interioranos, surpreendentemente mundano, e, além disso, repleto desta inocência pueril e desta afeição humana que gostaria que nosso querido velho fosse admirado.
●
A lua está agradável. A lua, por agora, é crescente, mas este céu imaculado de meados de setembro não apresenta uma nuvem sequer e, realmente, a lua está reluzindo em pureza por toda sua extensão.
Nesta mesma noite deste mesmo mês do ano retrasado a lua também estava bela. E foi sob essa mesma luz lunar em uma noite como a de hoje que há três anos o casal Ôsugi foi brutalmente assassinado pelo regimento de polícia militar de Tóquio. O tão doce jovem Mune foi estrangulado enquanto olhava, inocente, para esta lua. Para além disto, os corpos dos três foram despidos e jogados dentro de um poço velho do jardim... Sob esta tão linda, tão pacifica e pura lua!
Os insetos cantam:
também neste jardim
há um poço velho!
(16/09)
Primeiras horas de uma noite amena
●
De tarde até o anoitecer, trovões, um tanto fora do comum, rugem descontrolados. Um sentimento um tanto agradável. Horripilantes relâmpagos retumbavam e ao escutar os trovões que colocavam até meus tendões em tremores, sentia como se realmente dentro da minha cabeça se renovasse.
Se comparo com os que eu escutava no verão em minha terra natal lá pelas bandas de Akashi e que ressoavam brrr-booom! brrr-buuum! trommm!, estes de hoje são bastante inferiores, mas, ainda assim, desde que vim para Akita, esta noite foi a primeira vez que pude ouvir verdadeiros e autênticos relâmpagos.
(01/10)
●
É um outono bem ensolarado. As borboletas brancas novamente voltaram a visitar os repolhos. As libélulas-vermelhas de fim de outono também aumentaram. Em troca das gramas verdes, sete ou oito flores vermelhas de pimentas-d’água floriram. Pelos lados dos cascalhos, as flores amarelo-douradas das ervas-azedinhas floresceram belamente. Quando as sombras das nuvens se elevam, os rãs-verdes coaxam de dentro dos repolhos e, de algum lugar, também soa um canto baixo de grilo.
Cinco ou seis pardais cortam os céus montados no vento e batendo as asas. Penachos brancos espalham-se tristemente pelo céu.
(10/10)
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Dentre tantas memórias, as mais queridas, divertidas e profundas são as das brincadeiras inocentes do meu tempo de criança. Hoje durante todo o dia enquanto mantinha minhas mãos ocupadas com o trabalho, saudosamente rememorei, como em um sonho, meus tempos de criança.
Em Akashi, minha terra natal, havia um velho fosso externo em volta do castelo. Quando chegava o tempo das flores de lótus serem levadas, das folhas secarem por completo e dos frutos, completamente tornados em negros, ressoarem, tchibum!, tchibum!, ao caírem tristemente dentro da água, o espelho d’água, até então escondido pelas folhas de lótus, revela-se, e então podemos começar a ver os mergulhões-pequeno saírem de seus ninhos dentro dos caniços, mergulharem na água e deslizarem correndo pelo espelho d’água. Neste momento, as crianças se enfileiravam na relva da costa e cantavam em pilherias:
Mergu, mergu, mergulhão
Mergulhão-pequeno
O topo do seu coco tá pegando fogo.
O mergulhão-pequeno com seu corpo cinza tinha um tanto de penugem completamente vermelha em sua cabeça. Era esta penugem que pilheriavam com o “tá pegando fogo”. Quando importunavam assim o mergulhão-pequeno, ele, como se fosse apagar o fogo de sua cabeça, mergulhava a cabeça profundamente dentro d’água. Quando tirava a cabeça para fora mais uma vez, as crianças voltavam a cantar em pilheria...
Enquanto estava, desta maneira, tomado por minhas reminiscências de infância, acabei criando uma canção infantil, é a que segue:
Mergulhão-pequeno
Mergu, mergu, mergulhão
Mergulhão-pequeno
O topo do seu coco tá pegando fogo.
Meu deus!, meu deus!,
Mergulhe na água!
Venha cá, venha cá,
Mergulhão-pequeno
E nos mostre como você está
Aparece aqui, saia daí
E venha boiar cá pra fora.
Aí está, aí está você,
Mergulhão-pequeno
O fogo da sua cabeça ainda não se foi, hein
Vá lá, mais uma vez,
Mergulhe na água!
(13/10)
Temporada de chuvas outonais
●
Ontem e hoje ficou consideravelmente mais frio. Três dias atrás o amor outonal estava presente nas libélulas-vermelhas, e nas flores de pimenta-d’água, mas, hoje de manhã choveu e sem demora, já pela tarde, a chuva, se converteu no famoso granizo deste país do norte.
Um milhafre-preto
canta em dias de sol:
temporada de chuva outonal.
Turbado em pisar
neste chão de temporada de chuva:
minhas sandalhas de palha!
Todos os tipos de paixão,
flores de pimenta d’água:
embebidas em chuva de temporada.
(13/10)
Esta manhã, algo que raro, avistei um arco-íris. Não conseguia distinguir com clareza mais do que quatro cores, mas ainda assim trazia tonalidades fortes e estava esplêndido. Ficou no céu por volta de quinze minutos. Também era belo o arco-íris que vi no meio do céu em direção a ilha Jôgashima do segundo andar da casa de Kitahara Hakushû em Sôshû-Odawara no mês de maio do ano 1924.
O corvo grasna,
arco-íris matutino:
viagem dos deuses.
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A partir de hoje eu finalmente começarei a aprender a “tecelagem”. Trabalharei com kurume-gasuri. A instalação do maquinário tomou dois dias e, finalmente, comecei a aprender, mas é bastante difícil. Desde o início, eu, com o pé já doendo, não conseguia pisar direito no pedal, chega a ser cômico o quão horrível eu sou. Mas, bem, eu devo ir me acostumando com o tempo – quando me acostumar, certamente tirarei algum prazer deste trabalho que, como passatempo, é bem diverso de cozer as pontas de meias.
●
Chegou uma carta de Nakamura. O texto trazia a seguinte passagem:
“No domingo, Kimiko se encontrou com Mako e, juntas, brincaram bastante...”
Ooo!, Mako! Mako! Finalmente chegou em Tóquio. Que felicidade. Que felicidade. Com isso uma das coisas que me deixavam preocupado está resolvida. Não sei quem tomara conta dela, mas, seja quem for, estou contando com você!
(01/02)
Raios de sol invernais
●
Sinto uma intimidade maior por aqueles que “conversam com a natureza” do que daqueles que “aprendem com a natureza”.
Aqueles que “amam a natureza” me fazem sentir uma intimidade maior do que aqueles que “idolatram a natureza”.
As crianças gostam de conversar com a natureza, mas não sabem de nada em relação a aprender princípios morais ou extrair teorias dela, as crianças amam a natureza, mas desconhecem qualquer sentimento de idolatria.
Está fora de minhas capacidades de julgamento definir qual, entre o sentimento pio de teor religioso daqueles moldados pelo sofrimento humano e o sentimento inocente e puro das crianças, é o mais valioso, qual entre os dois possui mais valor.
(16/02)
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Li mais uma vez o Tabibito Bashô:
“Certo dia, Bashô apoiou seu cotovelo na janela e, sem pensar em nada específico, voltou seus ouvidos para toda a vida presente na radiante primavera.
“O lago do jardim se encontrava em ruínas. No tempo em que era usado como tanque para os peixes, por certo ainda recebia algum cuidado, mas, após o grande incêndio, foi completamente abandonado, esquecido e entregue como viveiro para os sapos e para as algas que ali boiavam. Não era como se existisse algo de especial naquele reservatório que ele estava habituado a ver todos os dias, mas julgava que existia ali, pelo que aquilo representava por si, uma espécie de sentimento de solidão infatigável. Mesmo que as pessoas tenham feito tudo com bastante esmero, algo de uma cerimoniosa intencionalidade ou intelectualidade acaba sendo revelada na obra e deixa tudo sem-graça, mas quando este objeto é abandonado e negligenciado e acaba passando pelas mãos do “tempo”, é este mesmo “tempo” que reveste aquilo com embelezamento. ... Isto provavelmente acontece porque o artefato, até então tiranizado pelas mãos do ser humano, consegue mais uma vez retornar para o seio da natureza. Provavelmente é porque flui ultrapassando a curta existência humana e, então, é tocado pela severidade da perenidade temporal. De qualquer modo, quando ele fixava o olhar naquele triste espelho d’água do reservatório em ruinas, abandonado e velho, era inflado por um sentimento aterrador de quietude e isolamento, seu peito era cravado por fortes emoções e, ali, naquela superfície em que nem mesmo ondulações surgia sobre a água, sua consciência era absorvida em um estado de completo silêncio. Neste momento, surgiu uma existência motora que jogou luz no espelho daquele peito compenetrado. Um sapo saltou, ruidoso, naquele espelho d’água de completo silêncio. O espírito da primavera despertou de dentro da terra e, tomando a forma daquele ínfimo ser vivo, ressuscitou aquela calma mortífera. Bashô, que estava completamente imerso naquele aspecto de eternidade, repentinamente voltou a si tomado por esse fenômeno momentâneo. Entretanto, através deste aspecto momentâneo, conseguiu, mais uma vez, sentir com precisão essa verdade da eternidade. “Som d’água, um sapo que mergulha”, foram os versos que Bashô, naquele exato momento, tinha trazido até sua boca. – Som d’água, um sapo que mergulha – foi este som que ele, através de seu coração, ouviu cuidadosamente. Através deste som, ele escutou a tristeza dos seres vivos que pulsam no ritmo do universo. Completando estes versos que tinha trazido até a boca, terminou seu famoso poema.
“Poço velho
som d’água:
um sapo que mergulha.”
Realmente, muito bem escrito. O estado mental de Bashô, “viver enquanto sinto o amor da imensa natureza com este meu coração solitário”, realmente está representado e expresso com vivacidade.
Para ser bem sincero, eu não gosto muito deste poema, “poço velho”. Isto é, eu, para começo de conversa, o odeio porque o tratam como um artefato ocultista e como se possuísse uma aura abstrusa e misteriosa que assevera “este poema é imbuído de uma beleza oculta que a massa ordinária de pessoas é incapaz de prescrutar e, portanto, não devemos dizer, com ares de entendido, críticas a ele...”. Então, murmuraria: “mas o que!, não é um poema comum e sem-graça?”. Não, o que me levou a odiar este poema, devido a estes tipos de sentimento, foi meu grande interesse e minha anuência com aquele texto de Shiki, “Furuike no ku no kai”, em que o autor ataca o tom de banalidade dos velhos mestres. Shiki escreve algo do tipo: “de acordo com certo livro, é dito que a história deste poema é a seguinte. – Certo dia, O Sumo-sacerdote Bucchô, um monge budista, visitou Bashô. Ele lançou a perguntar, como você pode viver com um poema? Nisso, Bashô agiu como se segue. Prontamente, tomando como modelo o que estava à frente de seus olhos, respondeu ‘som d’água, um sapo que mergulha’. Bucchô, tomado por admiração, louvou Bashô. Os pupilos que acompanhavam naquela ocasião o mestre, que já respeitavam tanto, solicitaram ao velho e venerável mestre para que complementasse os versos de ‘som d’água, um sapo que mergulha’ para que, assim o fizessem de talismã. Nisto, Bashô, rindo, disse: ‘antes disso, tentem vocês completar o poema com o primeiro verso’. Ransetsu arriscou: ‘tristemente’. Em seguida, foi a vez de Sanpû: ‘crepuscular’. Kikaku disse: ‘yamabuki’. Bashô, analisando todas as sugestões, disse para eles: ‘são todas opções elegantes e interessantes, eu, no entanto, acho que o poema deveria ser completado com a realidade como ela é e, portanto, é ‘poço velho’ que eu acrescentaria’, todos os discípulos foram tomados de grande admiração. – Nós não acreditamos nessa besteirada, mas, se fosse para, somente neste momento, tomar isso como realidade, acredito que a opção de Kikaku, ‘yamabuki’, é melhor, mais proveitosa para o poema como um todo do que o ‘poço velho’.”
Eu li, contente, essa passagem de Shiki e passei a achar que “com toda a razão, yamabuki teria sido muito melhor!”.
No entanto, deixando de lado todo esse papo ocultista, para Bashô, precisava ser o ‘poço velho’. Os haiku de Bashô não são do tipo que ficam de temperanças estéticas. São palavras mergulhadas no seio da natureza, proferidas como em alívio e sem artifício algum... Estes são os haiku dele. Seisensui, de fato, conseguiu extrair a essência de Bashô.
Para Shiki, que amava a arte pela própria arte, e admirava especialmente o estilo de Buson que brincava calmamente em meio a uma intoxicação estética, é mais do que natural que ele preferisse o ‘yamabuki’ de Kikaku ao ‘poço velho’ de Bashô. Bashô tinha sua própria arte, como Kikaku também tinha lá também a sua. Não é aquilo: “De oeste, leste, sul e norte, regressem para casa. Quando a noite chegar, o que todos presenciam é a severidade da nevasca”?
Todavia, eu não gosto muito da maioria dos poemas de Kikaku.
É claro que eu também gosto dos poemas de Bashô, mas, no entanto, dentre aqueles que são laureados universalmente, isto é, dentre os poemas mais famoso de Bashô, eu não gostava da maioria deles. Odiava principalmente aqueles, “Os lábios gélidos/ ao me exprimir em palavras:/ ventos de outono.”, “Nada indica que/ em breve perecerá:/ canto da cigarra.”, “O hibisco-da-síria/ à margem da estrada/ devorado pelo cavalo.”. Isto é, o poema “os lábios gélidos” pareciam uma fraudulenta admoestação, o “em breve perecerá” soava como um sermão acerca da perenidade das coisas do mundo e o “hibisco-da-síria” soava como se estivesse sendo usado em admoestação passivo-agressiva, e, por conta disso, eu não sentia qualquer simpatia por estes versos que carregavam esse quê de lógica, que cheirava a pregações morais.
A propósito, no mesmo Tabibito Bashô, de Seisensui, o poema do “hibisco-da-síria” é apreciado da seguinte maneira:
“O caminho de Okabe a Fujieda é monótono e propício para a perca de interesse, mas Bashô, chacoalhando em seu cavalo, não tirou os olhos da paisagem a sua volta. O cavalo, debaixo da chuva, arriou as orelhas e seguia em um passo langoroso como se pensasse em algo.
“Era um local distante da estação. Como Chiri estava um pouco atrasado, Bashô parou seu cavalo. Naquelas paragens, de um lado havia um casebre e um bosque de árvores, a casa possuía uma sebe de hibisco-da-síria que a circundava. As suas folhas que, usualmente, eram cobertas pela poeira dos transeuntes, em decorrência da chuva, também se apresentavam em um belo e límpido verde. Aquela flor de roxo claro, entumecida pelo orvalho e vencendo a mirrardes também possuía uma tocante elegância. Então, o cavalo em que ele estava montado ergueu o focinho em direção ao hibisco-da-síria, tomou um galho próximo em sua boca puxando-o para si e, em seguida, abocanhou crocante, aquela cor verde. Bashô, perdido naquele momento, esqueceu de si e encarou o cavalo e o hibisco-da-síria, mas, ao mesmo tempo em que sentia que voltava a si, ele trouxe à boca um poema, como se desse um suspiro tranquilo:
O hibisco-da-síria
à margem da estrada
devorado pelo cavalo.
“Diante de um poema composto desta maneira, ele surpreendeu-se com o tamanho de sua falta de artifícios. Ele duvida de si mesmo argumentando que o fato de um cavalo comer um hibisco-da-síria em uma beira de estrada é algo extremamente mundano e que poderia ser visto em qualquer tipo de intermédios de viagem. Contudo, ele, ainda assim, achou que o poema estava bom do jeito que se apresentava, e aquilo que aparecia em excesso devia ser também respeitado exatamente por isto. Pensava que a verdade daquilo tudo é justamente a natureza que podemos ver cotidianamente. E, mesmo atualmente, nós, quando estamos pensando em poema, procuramos sempre algum artifício para acrescentar. Mais do que isto, estamos sempre tentando extrair alguma façanha deles. Isso tudo é raso. Saborear a natureza pelo que ela realmente é, não é justamente este saborear que o verdadeiro haikai almeja?, e quando penso nisto, sinto como se ele, com este único poema, estivesse rompendo a casca que ainda hoje existe para desbravar terras realmente vastas.
“Ele também pensou o seguinte. O hibisco-da-síria enquanto hibisco-da-síria está florescendo luxuriosamente sua própria vida, o cavalo enquanto cavalo está alavancando seu próprio instinto. O cavalo comer um hibisco-da-síria pelos recantos deste mundo transfere uma parte da vida o hibisco-da-síria para uma parte da vida do cavalo, e isto acontece verdadeiramente em natureza, o hibisco-da-síria está bem quanto a isto, e o cavalo também é imparcial. A imensa natureza não cresce um tanto com isto e, igualmente, também não diminui a mesma parte. Está bem assim, está bem assim. Foi o que ele pensou. Ele, então, através de um poema feito a partir de uma completa falta de artifícios, sentiu a felicidade de ter descoberto uma terra tranquila que ainda não havia sido desbravada.”
Depois de ler esta passagem, aquele poema que eu, até então, tanto odiava, passou a ser um dos meus mais queridos. Senti como se gostasse mais deste do que o do poço velho. Além disso, agora também consigo concordar com as seguintes palavras que Shimazaki Tôson disse: “Os poemas de Bashô são difíceis de apreciar em sua essência se, por exemplo, tirássemos um único poema seu e o integrássemos em uma coletânea ou junto de outros poemas que glosam o mesmo tema. Eu creio que a forma com que podemos apreciar o verdadeiro preciosismo dos poemas de Bashô seja justamente em conjunto com seus textos de viagem”.
Eu fiquei muito afixado nas palavras dos vulgares mestres. Bastava que apreciasse o poema do hibisco-da-síria por ele mesmo, me livrando de todas as palavras sujas destes mestres.
Independente do fato de ser um poema honesto e, originalmente, bastante natural, existem ainda, de outras pessoas, muitos outros haiku que foram maculados pelas subsequentes interpretações vulgares e impregnados pela lógica dos moralistas. Por exemplo, este poema de Ryôkan:
O vento traz consigo
algo que pode queimar:
essas folhas caídas.
Este poema é, sem dúvidas, um exemplo famoso. Por ter sido apropriado como um poema usado por pregadores como sermão para a opulência e o esplendor, acabou tendo afixado a si uma afetada sabedoria e por um esnobismo fétido. E, portanto, eu também odiava este poema.
Contudo, quando li Taigu Ryôkan, de Sôma Gyofû, na penitenciaria de Ichigaya no ano retrasado, após ter conhecimento das condições de vida de santidade que Ryôkan levava no templo de retiro Gogôan quando compôs este poema e da atitude de grande idiota do autor – desta sua personalidade –, compreendi que ele não era o tipo de pessoa que afetaria uma sabedoria assim tão facilmente. Compreendi, então, que este poema das folhas caídas é um poema composto à semelhança da natureza do Gogôan, um poema particularmente natural, e, portanto, deixei de odiar este poema.
E se, por acaso, este poema fosse de um mestre vulgar como Secchûan Ryôta? Sem dúvidas sentiria por ele asco e ganas de escarrar por cima dele. – Se penso desta forma, a arte também, no fim das contas, está ligada a personalidade.
Dentre os discípulos de Bashô, aquele que possui poemas que me alegram por sua elegante patuscada e por sua sincera ingenuidade é o bonzo Izen. Seisensui, tomando o ponto de Bashô, descreve o poema de Izen da seguinte maneira:
“Durante o tempo em que Bashô estava em Ôgaki, Izen, de Minoseki, foi visitá-lo. Izen havia nascido em uma família abastada, mas não era um sujeito que possuía qualquer capacidade para proteger essa herança e, então, abandonou sua própria casa em apertos financeiros, saiu para se divertir em liberdade na natureza e vagou por locais que apreciava. Ele enfileirava dezessete sílabas ao sabor de seu interesse, mas nunca havia pensado em fazer haiku propriamente ditos, não se preocupava em levar em consideração qualquer polimento e compunha poemas exatamente como saiam de sua boca, ou, então, em solilóquios. Contudo, ele ouviu o nome de Bashô, soube que era uma pessoa que exalava respeito por sua elegância e, então, teve vontade de o encontrar. Bashô, de forma habitual, o fez compor dois, três poemas:
Um par bem agora
ruma para costa:
aves aquáticas.
Cai a chuva
Corre pro abrigo
o sol sai.
Estes parecem que foram deste tipo. Bashô julgou que o sentimento real daqueles poemas era bom e achou a irreflexão deles interessantes, entretanto, a forma do haikai não era assim uni facetada. Disse que, além do sentimento de compor no improviso, é preciso também ter um sentimento de olhar atentamente para a natureza, de, não sendo leviano, ter a força para compreender com a intensidade adequada. Izen escutou tudo cabisbaixo, mas acabou, posteriormente, sendo incorporado como um dos discípulos e continuou recebendo ensinamentos ainda por um longo tempo.”
Bashô, aquele que possuía uma grandeza natural e, após polir seu estado mental, desenvolveu uma tendencia peculiarmente religiosa –, Bashô, aquele que cavoucou e cavoucou fundo a desolação da natureza para, finalmente, desenterrar aquele fluxo subterrâneo de sua poesia triste, pura e límpida –, foi este Bashô que, com as seguintes palavras, ensinou, afável e carinhosamente, Izen: “o sentimento real é bom, e a irreflexão é também interessante, mas é preciso, além do sentimento de improviso, ter um sentimento de olhar atentamente para a natureza, de, não sendo leviano, ter a força para a compreendê-la com a intensidade adequada”, posso concordar que este é, indubitavelmente, um traço do ilustre Bashô.
Eu só conheço uns quatro, cinco poemas de Izen e, portanto, não sei como eles se modificaram após ele ter se tornado discípulo de Bashô. Todavia, em seu Hanaya nikki, que assumiu a posição de registros de seu falecimento, é dito que Izen, de improviso, enquanto junto aos outros discípulos que velavam por ele, disputava na antecâmara um único futon para dormir, compôs o seguinte poema:
Disputa acirrada
pelo futon:
riso gélido.
Mesmo o velho Bashô, sofrendo com sua doença, deixou, inconscientemente, um riso escapar. Ele ainda tinha esse tipo de poema e, deste modo, não há dúvidas de que Izen, mesmo depois, continuou com sua leveza habitual. No entanto, se comparamos o “poema do futon” e o “poema das aves aquáticas”, não devemos deixar de notar que, sobre o tom particular que ele possuía, foi acrescentado, sob influência de Bashô, um tom mais profundo vindo do senso estético de “imperfeição” e “transitoriedade”.
Mas, bem, deixando isso tudo de lado – eu, de minha parte, ao ver aquele poema de Izen:
Um par bem agora
ruma para costa:
aves aquáticas.
Não posso deixar de sentir uma grande afeição pela pessoa de Izen diante deste único poema. Provavelmente este poema das aves aquáticas é muito leviano, provavelmente é muito raso. Contudo, imediatamente após o falecimento de Bashô, creio que nenhum daqueles muitos outros discípulos que se corrompiam mutualmente em disputas para saber quem era o verdadeiro herdeiro do estilo certo, ou que acabaram se tornando bajuladores de senhores feudais, seriam, independente do que fizessem, capazes de compor poemas com aquela inocente abnegação.
Eu repito, o poema das aves aquáticas de Izen muito provavelmente é um poema perdido em leviandade. É por certo raso. Mas que inocente abnegação infantil, que querubindade! Uma pessoa que, mesmo depois de adulta, ainda conserva toda essa grande inocência e consegue compor um poema tão infantil – para mim é impossível não nutrir um verdadeiro afeto e admiração por este tipo de pessoa.
(22/03)
●
Monólogo de Kyûta: “Aqui é o tão famoso interior do continente, mesmo o céu brilhando glorioso e da primavera ter chegado à esta penitenciária de Akita, não se desaparecerá, depois de passado o equinócio, essa devotada ao inverno neve que persiste, ao contrário desta tenacidade, tão precocemente, uma pulga coçando em minhas costas, ouço que a vida de todas as coisas são como o circular de uma lanterna giratória, mas essa barganha entre pulga e neve, se não fosse aqui em Akita, não existiria, se fosse em um diálogo da Princesa Hatsuhana-hime: já neva, a despeito das vermelhas folhas de outono, ...”
O pardal na janela: “Ó, ilustre Kyûta, com sua licença, ao derreter da neve, a pulga pica, sem dúvidas pi-o, pi, pi, pi, piopic, senhorpiu, piu.”
(A voz da audiência, ‘yeah... Que dupla! Que dupla!’)
A neve que ainda resta,
olho para trás,
capaz de retirar as pulgas.
(27/03)
●
Pisei pela primeira vez, desde que o ano virou, no chão do jardim. O céu parece estar caloroso e em um azul húmido, mas ainda resta uma neve suja à sombra dos tijolos vermelhos do muro e um vento ligeiramente gelado toca minha bochecha. Todavia, brotos verdejantes farfalham nos campos em que a neve já derreteu. As cores do mato também possibilitam um vislumbre suficiente da primavera.
Eu, saído de um buraco,
uma larva subterrânea!
Jardim de primavera.
Se a bruma se instaurar
●
Hoje é o Festival Imperador Jin’mu ten’nô sai. O tempo tem estado realmente bom no dia primeiro, dia dois e três. Um tempo abençoado. Não vi aquela lua de primavera semelhante a um ovo cru quebrado nem na noite passada, nem no entardecer, mas pude apreciar incansavelmente as brilhantes e belas estrelas brilhando violáceas. Kamo no Mabuchi tem um poema que canta assim: “começam a florescer/ do tranquilo e calmo/ coração da primavera/ cerejeiras da montanha em flores”. Por aquelas paragens de Tóquio, creio que os botões rubros das flores de cerejeira já incharam luxuosamente. Na casa de Mochizuki os vicejantes matos primaveris do jardim também já devem ter despontados e as folhas dos brotos de bordo também devem estar belas. Seu pai também deve estar enfeitando as bonecas de bambu de produção própria para o Festival de Bonecas com um mês de atraso. “Embriagado de saquê-branco/ solta um breve/ suspiro”, Kimizinha certamente está uma fofura.
Depois que a primavera chegou, tenho escutado o canto dos galos todos os dias, o chilrear dos pardais também está bem diferente do seu canto de inverno e parece estar em grande alegria. Aquelas belas cores primaveris que fluem e diluem-se encantadoras, harmoniosas, calorosas e brilhantemente, finalmente estão em suspenso e preenchem todo este céu. Em breve as gramas do jardim também germinaram e borboletas amarelas começaram a voar por lá. As andorinhas virão dos países do sul e nos brindaram com as melodiosas canções de primavera.
Primavera, primavera, divertido mês de abril –.
(03/04)
●
Foi na tarde do dia sete. O responsável pelos assuntos educacionais-religiosos me disse: “Chegou de Nakamura Shige o Shi no sange, de Furuta Daijirô, e o seu Gokusô kara, como não posso lhe mostrar o Shi no sange, o envie imediatamente de volta. Vá lá, tudo bem, depois deixo o outro aqui para você”.
Aguardava com o peito rugindo, e, então, o responsável pela manutenção de custódia veio me trazer o item pelo entardecer.
Era um bonito livro encadernado em seda carmesim profundo. Trezentas e noventa páginas em formato novo de 84x148 milímetros. Ao abrir a folha de capa, surgiu meu rosto desenhado por Mochizuki. “Ei, ei, eu realmente tenho o rosto tão ruim assim, eu, para meu pesar, tenho consciência da cara de idiota que eu tenho, mas nesse desenho eu realmente estou com uma cara deveras vulgar”, viro as páginas enquanto sorrio amargo. Em seguida surge em preto o título, Gokusô kara, escrito com minha caligrafia em uma folha de um sépia bastante profundo. Uma litografia. Gostei bastante disso. Em seguida meu poema “dancem, moscas...”. Regozijo-me: “há há há, mas tudo está com a letra tão esplendida, esplêndidas letras, que coisa mais adorável!”.
Ao me deitar, li ferozmente mais uma vez o conteúdo do livro... Mas que intensa emoção! Verti lágrimas novamente ao ler “Poemas daquela noite” e “carta para Ayame”. Quando terminei a leitura os cozinheiros já saiam para trabalhar.
No dia oito, minha cabeça doía como que por penitência por não ter dormido a noite. Realmente, me pego sempre em reminiscências ao, em qualquer tempo livre, tomar o Gokusô kara para ler e reler, ler e reler.
Hoje também estava em êxtase em meio a reminiscências. Penso sempre em me deter, mas quando menos espero já estou com o livro em mãos. Me pego tomado por pensamentos.
(09/04)
●
No décimo primeiro volume, “Haika zenshû”, do Shiki zenshû que Shigeko me enviou, descobri a obra completa de Izen, poeta que tanto gosto. O Sr. Hirose, uma pessoa de Mino, também era conhecido como Baiga, Toriochibito e Izen. Baiga Toriochibito... Colocavam uns nomes bem estranhos. Parece que Izen era um homem bastante peculiar, eu até mesmo já li uma vez que ele aparece junto a Naitô Jôsô nas narrativas de seus atos excêntricos em livros como o Kinsei kijinden.
Veio a óbito no dia 27 de fevereiro do sétimo ano de Hôei, 1710 – e, portanto, podemos vislumbrar que ainda viveu bastante depois da morte do velho mestre Bashô. Jôsô veio a óbito no ano inaugural de Hôei, 1704, de modo que Izen também só morreu depois deste. O tempo que viveu não é claro, mas é aceito que tenha morrido já bastante idoso.
Não sei se estes são todos os seus poemas, mas Shiki reuniu aqui mais de cem poemas de Izen. Além daqueles que possuem sua autêntica peculiaridade, como o “Um par bem agora/ ruma para costa/ aves aquáticas.” ou ainda o “caído na banheira/ o apanho/ pardal de nuvens crepusculares”, também podemos encontrar ali bastante poemas calmos e compenetrados:
Durmo sem despertar,
nuvens da noite,
primavera que passa.
Amanhecer do rôhachi
cozido de papa de arroz:
sabor de nabo.
Calmo adormece
na terra natal:
ameixa de inverno.
Água que recinge a ferro
após o cultivo do campo de arroz:
gélido vento invernal.
Acho todos estes realmente poemas muito bons. Não há dúvida de que todos são obras feitas após ele ter começado a ter Bashô como mestre.
Contudo, eu, de fato, ainda prefiro os poemas de Izen que são mais em seu estilo, abnegados, compostos naturalmente e vindos da efusão de seus verdadeiros sentimentos.
Ó Matsushima!
Há a lua e voam
pássaros e estrelas.
Brilho de ar quente espalha
no rabo do cavalo
uma confusão de tantas folhas.
Espicha o pescoço
folhas de algas boiando:
filhote de pato!
Estes por si só já não são bom o suficiente e muito mais a cara de Izen?
Quando sai do Jôsô-an:
O rouxinol mais uma vez apareceu
quanto mais durmo
mais quero dormir.
Ao me despedir do velho no sopé da colina:
Do alto da montanha
me despeço
enquanto como um caqui.
Ao entrar num templo em Ôshû:
Tomo como abrigo
árvores e tapetes de palha,
a quietude da neve.
Ao ler estes poemas, não podemos realmente degustar o estado de espírito dele enquanto segue peregrinando de viagem em viagem ao sabor do vento?
Fui a Nara para visitar um templo e prestar homenagens aos sacerdotes budistas, e passei a noite em um deste cantos, quando amanheceu, sem qualquer coisa que poderia dar como pagamento, escrevi nome e endereço em uma porta corrediça de papel e sai fugido dali:
Sem mesmo uma estalagem barata
fugi sorrateiramente:
curta noite!
Parece até mesmo que já fugiu depois de se hospedar e comer em locais. No entanto, ele, mesmo realizando esses vagueares como se fosse um mendigo, também era um sofredor deste mundo transitório, além de pai.
Mostra a filha que veio todo o caminho para me encontrar:
Exorcize
Exorcize!
Esta pesada neve.
Encontro a filha:
Nada de mais
em suas mangas.
Temporada de chuvas.
Mesmo que tente exorcizar, mesmo que tente purificar, não importa o que, é um laço de afeto e carinho de uma relação da qual não consegue se livrar. Aqui podemos encontrar a “desolação” do ser humano, mas também não há aí sua “nobreza”?
Verdejantes folhas
voam, voam e vão caindo
enquanto chove.
A água cessa repentinamente
pássaros voando leves
leves, leves.
Pessoa alguma conseguiria se igualar a estes poemas, eles possuem a característica inocência dele. Possui sua abnegação. Possui a pureza infantil.
Quanto ao tom dos versos, o “Haikaiji Issa” também possui um tom bastante semelhante. Contudo, a não-afetação de Issa, sua franqueza e dentro de seu humor há um aroma de que a “conclusão de um chiste” está sempre por vim, isto é, o eu de Issa emerge deles com bastante força. É bem diverso da abnegação de Izen. Issa possui um tanto de não-afetação, de franqueza e de humor, mas nos poemas de Izen, pelo contrário, existe um sabor “querubiano”. Mas dentre os poemas de Izen, também há:
O vermelho da flor de ameixa
é vermelho
o vermelho.
E também:
No Porto de Chisokutei:
Vamos nos acalmar?
onde será
que faremos em Hoshizaki?
Quando estamos diante destes versos, parece que caímos naquilo que Seisensui chama de “solilóquio”. Mas ainda que fiquemos nisso, é algo lá a se considerar.
Eu, agora, irei supor que estou caminhando na costa de um pequeno rio de correnteza fraca e calma, ou nas cercanias de um lago. Um céu azul vaza por entre tênues nuvens do fim da temporada de chuvas, uma fresca flor branca de ervas flutuantes, farfalhada por um vento suave, está inocentemente florida enquanto, banhada pelos agradáveis raios de sol matinais, é levada pela superfície d’água em correnteza próximo a costa. Nisso, eu, tranquilo, detenho-me ali, e por um tempo fico perdido em admiração daquela flor branca e daquele aroma de algas. Então, neste momento, quando penso que uma pequenina rã tonosamagaeru pulou de um arbusto de mato para dentro da água, inesperadamente me deparo com um rosto despreocupado e abestalhado por entre as sombras da flor das ervas que boiam. Então, algo que movido pela inesperada situação, decido tentar compor um poema sobre.... Vamos supor isto.
Por entre a sombra
das flores das ervas flutuantes
será uma pequena rã?
Eu certamente comporia algo nesta linha. Contudo, Izen, que possui tanta inocência, compôs o seguinte:
Espicha o pescoço
folhas de algas boiando:
filhote de pato!
Olhando rapidamente, os dois não parecem ser lá tão diferentes. Quanto a conclusão do poema, o primeiro parece ser mais certo em seu intuito. Todavia, enquanto lemos e relemos diversas vezes estes dois poemas em comparação, podemos sentir que o segundo, a despeito de sua mundanidade, possui um deleite que o primeiro não apresenta, possui algo estranhamente difícil de descartar – uma espécie de contentamento adquirido da inocência.
E por que é assim? É porque o primeiro não passa de um poema surgido de um interesse superficial e composto de improviso, enquanto o segundo surge de um sorriso simpático entre o coração da rã e do próprio Izen e sua abnegação.
Olhando para a rã despreocupada e abestalhada por entre as ervas aquáticas, Izen chama-a, sorrindo, “filhote de pato!”. Eu sinto que, bem semelhante à quando o pequeno que é carregado às costas por sua mãe encontra a velha da casa ao lado que, feliz em uma visita, lhe diz: “mas vejam só que rapazinho adorável, tá ganhando um colo hein, não é?, não é?...”, Izen chama: “mas que adorável, um filhote de pato!...” e, então, sorrindo em seu sentimento, termina seu poema: “espicha o pescoço, hein, dessas folhas de algas boiando, né...”
Se nós usássemos expressões elegantes e antiquadas como “Filhote de pato”, ou “folhas de algas boiando”, certamente acabaria se tornando um poema detestavelmente afetado, contudo não sinto nenhum traço disso tudo neste poema de Izen.
Sempre que me deleito com este tipo de poema, não consigo deixar de louvar a nobreza destes poetas, donos de corações tão puros e de uma abnegação e desinteresse, e, além disso, de uma calorosa riqueza e de uma luz de ingenuidade.
(22/04)
●
Após terminar minha refeição da tarde, como sempre, virei um copo de água pura, me aproximei da janela e escutei a voz de um pequeno pássaro que cantava, triste, “friu-friu” “friu-friu”. Ao pensar “mas vejam só, é aquele canto novamente!”, olho para fora da janela e me deparo, bem ali em um fio elétrico que passa bem alto no céu, com um pequeno pássaro, que não estou habituado, parado e olhando para o além enquanto se banha com os quentes raios de sol da primavera. Quando pensei comigo “mas vejam só, então é este o pássaro que tem me entristecido esses tempos”, ele voltou a sossegadamente cantar baixinho ainda encarando o além “friu-friu... Friu-friu”.
“Mas vejam só, é este o pássaro”, eu gritei.
Não era muito diferente de um pardal grande, mas sua calda era bem miúdo, seu corpo era roliço e por isso aparentava ser menor que um pardal. As penas de seu corpo eram todas brancas e as assas eram de uma mistura de azul límpido com marrom. Não conseguia ver com clareza a cor de sua cabeça, mas seu bico parecia ter uma tonalidade avermelhada. Suas pernas também eram adoravelmente vermelhas. Julguei se tratar realmente de algum tipo de pardal, mas não atinava de forma alguma para como ele se chamava. Decidi chamá-lo pelo nome de “pássaro friu-friu” até descobrir seu nome verdadeiro.
Vá, pergunte,
pássaro friu-friu
vento primaveril de tristeza.
●
Pela hora do chá, não foi o “pássaro friu-friu” nem um pardal, o que eu escutei foi um chilrear agudo e alto. Surpreso, fui dar uma olhada na janela, mas não pude encontrar vestígio algum. Todavia, uma voz cheia de força e em um tom alto ainda chilreava intensamente.
Então, quando a refeição do fim de tarde havia terminado, lá em um lugar brumado do céu oeste em que o sol se punha crepuscular, mais uma vez aquele chilrear em uma voz de tom alto se fez ouvir. Ao averiguar a situação, um belo e grande pássaro com duas, três vezes o tamanho de um pardal, estava no cabo elétrico próximo a janela balançando sua longa calda energeticamente para cima e para baixo enquanto cantava com sua voz alta.
Sua voz que reverbera alta e estridentemente e sua longa calda que se move muito energeticamente o faz se assemelhar bastante às alvéolas que avistava com frequência nas encostas dos rios e lugares parecidos. O bico longo e delgado também era bastante semelhante. Mas, apesar de não conseguir distinguir a cor de suas penas por conta do crepúsculo, elas não eram pretas e pareciam de um castanho-avermelhado. Também era um tanto maior do que as alvéolas que via próximo às encostas dos rios. Além disso, creio que as alvéolas de encostas dos rios não viriam para um lugar desse se empoleirar em cabos de eletricidade e chilrear lá de cima. Quem sabe não existe um pássaro chamado “alvéolas das montanhas”.
Pássaro friu-friu. Alvéolas das montanhas? Hoje foi um dia misteriosamente aprazível.
(25/04)
●
Hoje o “pássaro friu-friu” veio em casal. Estavam harmoniosamente enfileirados sobre o cabo de eletricidade e chilreando virados para minha janela enquanto se banhavam com os brilhantes raios de sol matinal. Ontem eu pensei que suas penas do peito eram brancas, mas ao olhá-las hoje pela manhã, verifiquei que, fora suas assas, todo a penugem de seu corpo é de um “marrom-rouxinol” bastante tênue. Seu pescoço possuía uma bela mistura de um acentuado “marrom-rouxinol” com um “rosa-ganso”. Seu bico lembrava o de um “calafate”, mas sua cor perdia um pouco para a do bico do “calafate” e era de um rosa claro.
Parece que o pássaro que vi ontem era uma fêmea, e o macho que avistava hoje pela primeira vez tinha o corpo delgado e bem modelado e sua calda também era um pouco mais longa do que a da fêmea. Eles limpavam as penugens em volta da cabeça e do rosto um do outro enquanto trocavam cantos, friu-friu, friu-friu. Eles me proporcionaram um delicioso espetáculo.
Em casal nesta manhã
chegam os pássaros friu-friu
como que para me mostrar
o seu marido.
Um casal de pássaros
friu-friu íntimos
desgovernando a calmaria
desta luz de uma manhã de primavera.
Ó Pombos, pardais, milhafres-pretos,
vencidos pelo pássaro friu-friu
que anima minha obscura janela:
isso é a primavera!
(28/04)
Diversos pássaros atravessam voando em profusão.
Os pássaros que vi esta manhã –.
Eram parecidos com o “pássaro friu-friu” em tamanho e cor, mas não tinha as penas próximas ao pescoço em um carmesim claro como o “pássaro friu-friu” as tinha e traziam manchas pretas e brancas nas caudas. Além disso, possuíam o bico branco e belo como marfim. Cantavam algo semelhante aos pardais em uma tonalidade não lá muito bela e piavam, espichando o traseiro, “piu-piu, piu-piu”.
O pássaro que avistei no pátio de exercícios –.
Um pouco maior do que os pardais, de cauda longa e preta. Tinha as penas pretas, as de sua garganta ao queixo era de um preto mais tênue e, de resto, era de um branco puro. O rosto, comparado ao tronco, era pequeno, em sua cabeça era possível identificar longas penas, mas não algo que pudéssemos chamar de “crista”. Tinha a forma geral boa. Seu canto era claro, alto e estridente, possuía certa entonação e seu tom era magnifico.
Alvejado de bosta
pelo passarinho,
quentinho!
(28/04)
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Dia de aconselhamento com o capelão. Hamada falou-me pormenorizada e analiticamente sobre as perspectivas do atual governo chinês. Bastante interessante.
Acerca do degradamento do poder inglês sobre as colónias... fico admirado ainda hoje com a precisão daquele famoso livro de Kropotkin, Campos, fábricas e oficinas¸ que concluía estas mesmas coisas já no fim do século XIX.
A próxima grande guerra de nível mundial terá seu palco na China... É o que, logo após a grande guerra europeia, os perspicazes economistas de diversos países andam alardeando.
As aspirações russas com a china... eu escutei com um sorriso refletindo comigo que isso era aquilo que o finado Lenin disse francamente, seis anos atrás, para os integrantes do Partido Comunista Japonês: o segundo plano de um movimento de sovietizar o oriente.
O choque que a facção de Chô causou na Embaixada Russa... As forças que o levaram a fazer isso foram... Há, há, há.
A ruptura entre a facção Comunista do Sul e a facção de Shô Kaiseki... Isso também, certamente, fazia parte dos planos do lado russo, mas tudo aconteceu mais rápido do que as intenções russas previam. E a força que acelerou isso tudo foi, sem margens para dúvidas, uma bem-sucedida manobra dos bastidores do Japão.
O assassinato a tiros de Chin Dokushû em Xangai... Hmm – não importa o que digam, isso foi lá um enorme baque para o Partido Comunista. Que o médico polonês e Kozorov se mantenham saudáveis!
Matar e ser morto, usurpar e ser usurpado, é isso?! ... Que coisa mais miserável é essa face deste frenesi de uma morte agônica do capitalismo, hein.
(29/04)
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É um belo e glorioso dia primaveril em que saio para o pátio de exercícios. Ontem eu vi pela primeira vez uma jigabachi, e hoje eu também pude apreciar uma borboleta branca e uma borboleta konohachô. Também surgiram nos matos esporádicos pequenas flores e ternas pontas de espigas. No entanto... as andorinhas ainda não chegaram.
Por um breve momento
ando e na mão um lustre:
borboletas!
Ó pardais,
as andorinhas não virão?
mas como estão atrasadas.
Sento-me calmo,
e esperemos.
Brilho de ar quente.
Mas e esse pequenino mato primaveril!:
Pequenas gramas e suas florezinhas
também nas borboletas,
traços de que ela não tarda.
Lágrimas de peixe
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Shigeko veio me visitar, que contentamento.
Das coisas que ela trouxe e me forneceu estão os livros Ryôkan Oshô shikashû, Issa to Ryôkan to Bashô, Man’yô zenshû, Man’yô ikô e também um recorde de jornal da crítica que Akutagawa Ryônosuke escreveu sobre o meu Gokusô kara.
Recebi do Dr. Okuyama junto com uma cortês mensagem verbal e dez ienes em dinheiro. Além disso, ele ainda expressou seu desejo de vir até Akita ao menos uma vez para me fazer uma visita. Sempre me admiro com a profundidade de sua gentileza.
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Da tarde de ontem até a manhã de hoje caiu uma chuva muito parecida com a da temporada de chuva, mas após a tarde o céu ficou belamente azul. Pude escutar muitas vozes de pequenos pássaros que cantavam como esperanças.
Fui para o pátio de exercícios. Após a chuva de ontem a terra do solo de plantação que ainda não havia sido cultivado havia molhado e, negra, exalava por ali seu cheiro. As ervas daninhas que lá nasceram oportunamente espichavam suas faces verdejantes. Ao erguer os olhos, percebi que o bosque de árvores do Grande Bishamon estava já com os brotos completamente abertos e as folhas vicejantes farfalhavam refletindo o brilho do sol. As nuvens brancas que se enfileiravam neste cenário anunciavam a aproximação do verão. Ao olhar para o lado leste do pátio de exercícios, a azaleia que tinha sido plantada na beira de uma cela por volta do mês passado, apesar dos galhos secos, desfolhados e finos, tinha despontado três flores de um carmesim vívido.
Duas borboletas brancas voavam sobre o campo de plantação. Durantes a primavera deste ano eu, por fim, ainda não consegui ver as borboletas amarelas que eu tanto gosto.
Vibrem, nuvens!
Três flores
em uma azaleia seca.
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Em meio ao tédio de um período enfermo quando estava lendo o Ryôkan Oshô kashishû, encontrei o seguinte poema longo de tom alegre:
Cabelos brancos:
Receio colocar em palavras, temo pelo que direi, mas na cabeça de vossa majestade nasceu um cabelo branco, pedirei ao serviçal para que amanhã venha retirar esse fio prateado, com este cabelo em mãos, o colocará em uma caixa prateada, que será transmitida para o filho deste trono imperial, e para filho do filho deste mesmo trono, assim sucessivamente, desta forma até que se escute que teve seu fim.
Cabelos brancos
divisados em profusão
não dizem, porém,
que são bons para a cabeça das pessoas.
Alegam que existem
três tesouros no mundo
mas nenhum deles, nem em mil anos,
chegarão aos pés desse cabelo branco.
Creio que isto, provavelmente, seja alguma passagem circunstancial que estava registrada no Kojiki ou em algo do tipo, e deixa mesmo transparecer esse primor e tom antiquado, mas não temos aí o vislumbre de uma elegância ainda mais profunda de um poema provindo da personalidade de Ryôkan?
Creio, talvez, ser de muito mais bom gosto deixar um prateado cabelo branco como memento do que o habitual e sórdido “cordão umbilical” que costumam nos legar. No entanto, para as pessoas da atualidade que cortam tanto o cabelo isso seria complicado visto que não teriam nada além de um fio de cabelo bastante curto. Se esse for o caso, certamente não será assim tão de bom gosto. Se for para fazer algo do tipo, se o cabelo não for relativamente longo, não tem graça nenhuma. Se não for um cabelo de tom perfeitamente branco, leve e delicado, não seria possível ter aquele sentimento: “alegam que existem três tesourou no mundo, mas nenhum deles, nem em mil anos, chegarão aos pés desse cabelo branco”. Além disso, mesmo se for um longo, não tem sentido se for de alguém que teve cabelos brancos precocemente, assim como eu. Apesar de ser idêntico a um cabelo branco qualquer, ele ainda é rijo, tem seu peso e ainda não perdeu toda sua oleosidade. Se for um cabelo deste tipo, é certo que carecerá de preciosidade. Tem de ser um que envelheceu sobremaneira, que perdeu por completo seu óleo, seu peso e sua luz. Contudo... para um careca a coisa fica ainda mais delicada... Vamos lá deixar os fios de cabelo do queixo crescer?, risos.
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Acabei escutando palavras de uma detestável voz que preferiria não ter ouvido. Podia ouvi-las até mesmo dentro de minha cela.
“É um sujeitinho chato com suas comodidades, hein. E fica sempre naquele jeitinho dele que não dá pra saber se é doença ou alguma outra coisa.”
“É difícil né. Ele deixou comida hoje na janta mais uma vez, não foi, Sr. Supervisor? Isso aí é sem dúvida intencional para que possa dormir amanhã também.”
“Tsc!”
(Conteúdo desconhecido devido o apagamento de cinco linhas)
Não é como se estivessem falando para deliberadamente serem ouvidos, mas eu podia escutar tudo perfeitamente. Ah!, meus ouvidos tinham ficado tão afiados que não deixavam escapar nem mesmos essas vozes mínimas. Meu coração estava afiado!
Mesmo que eu tentasse conter, quando ouvia essa voz, meu sangue que fervilhava de raiva subia violento até meu peito.
“Não se zangue, não se deixe levar por coisas pequenas. Pense que as palavras dessa gente inútil não são mais do que ruídos de moscas. Se você for se importar com cada uma dessas coisas, não tem corpo que suporte!”, era assim que eu admoestava a ira que tomava meu peito... Então, em algum momento, as lágrimas vinham rolar...
Pensava: “eu sou um idiota, hein”.
(12/05)
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O responsável pela seção educacional e religiosa leu para mim a crítica que Akutagawa Ryônosuke escreve para meu Gokusô kara e que Shigeko tinha trazido uns dias atrás. Não chegava a ser uma crítica, era mais uma apresentação favorável de meu trabalho. Ele também disse: “os tanka são bem inferiores aos haiku”. Mas, vá lá, tem uns três ou quatro tanka bons, em... Risos. Ouvi de Eguchi Kan que Akutagawa por um momento, sob o pseudônimo de “Onigawara”, também, assim como a gente, havia contribuído com poemas para a Nihonjin ha, e por ele ter citado de meu “Nefelibatismo nas janelas de ferro” os:
Passo remédio
dentro da garganta:
cume das nuvens
Cevada cozida com arroz
insetos se proliferam,
dia de alto verão nublado
Por ele ter citado estes que não tem um senso de um eu muito forte, posso imaginar que ele é provavelmente uma das pessoas que amam o estilo de poemas de Buson.
(29/05)
Assim como quer a natureza
Hoje voltarei a trabalhar com tecidos kasuri.
Água em que mergulho
as linhas de costura,
brisa fresca de verão.
(01/06)
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A partir de ontem, um edema voltou a aparecer em meu pé. Quando a tarde estava se aproximando, meus olhos começaram a se mover desordenadamente e o som da pancada da máquina de costura reverberava dentro de minha cabeça. Além disso sentia minha respiração tremulante e um aperto próximo ao coração. Hoje no almoço, me vi em apuros ao verter sangue pelo nariz.
O sangue que havia estancado começou a se agitar e, portanto, creio que fenômenos estranhos acontecerão pelo meu corpo nas próximas uma, duas semanas. Contudo, acredito que até meados deste mês meu corpo já tenha se acostumado e tudo volte ao normal.
Quando meu corpo começa a ficar cansado pela tarde, o estado da kasuri também começa a ficar desgovernado. Quando penso que enfiei demais a agulha e vou diminuir a intensidade, me sobra linha lateral, quando erro e vou colocar a agulha com mais força, a linha, desta vez, se embola e nesse ritmo eu termino uma curta kasuri.
– Aconteceu quando eu me mudei para Osaka para trabalhar como entregador de jornais e comecei a fazer minha própria comida. Certo dia, quando eu ia fazer uma sopa de soja fermentada, acrescentei mais água por ter colocado muito shoyu. Ao fazer isso, acabei colocando água de mais e tudo ficou bem aguado e, então, coloquei shoyu novamente. Nisso, aquilo ficou mais uma vez salgado. Nessa coisa de colocar água para depois colocar mais shoyu, no fim a sopa acabou virando uma panela de cozido imensa, mas com um sabor completamente desbalanceado, e todos riram muito de mim.
Enquanto me complicava com a máquina de costura, me lembrava destas coisas de antigamente com um sorriso amargo.
Parece que se não estiver com a postura correta, não é possível costurar da maneira certa a kasuri na máquina de costura. Parece que com uma postura correta, é possível costurar sem que a forma como se coloca força na agulha fique desregular.
Um tempo atrás, ouvi de uma pessoa que manejava arco e flecha: “não importa o quanto você só mirar no alvo, você não vai conseguir acertar. O mais importante é a postura. Se a postura estiver correta, a flecha seguirá para o alvo por conta própria”, eu, interior e secretamente, ri zombeteiro desse cara que soava um tanto como um confucionista desagradável. Contudo, essas palavras recentemente finalmente harmonizaram claramente com meus sentimentos. É algo feliz. Entretanto, eu não consigo de forma alguma arrumar essa postura.
Ao escutar das janelas da prisão o som de uma máquina, recordo do compositor de haiku Anzai Ôkaishi que teria ouvido uma solitária e triste máquina de costura no sopé da montanha komekogiyama aqui em Akita. Creio ter lido no Ichi nichi isshin, de Hekigotô, que ele, quando jovem, sofria dos pulmões e uma vez quando cuspiu sangue, embelezou aquele torrão de sangue e criou seu pseudônimo, Ôkaishi. Me recordo que Ôkaishi possui diversos poemas dos quais eu gosto e que canta as máquinas, mas neste momento não consigo recuperar nenhum de memória.
(03/06)
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De acordo com Hamada, que veio me visitar depois de muito tempo:
“O cuco-pequeno cantou ontem, né.”
O cuco-pequeno! O cucu-pequeno! Então aquela voz era do cuco-pequeno?... Eu o escutei ontem. Escutei também hoje quando despertei de meu sono e também quando fui para o pátio de exercícios. Mas, como não conhecia, pensei que era um pombo. Um pombo que canta bem alto, ouvi dizer que os pombos das montanhas arrulham bem mais alto do que os domésticos, e, então, julguei que talvez poderia ser um desses pombos da montanha passando pela floresta que tem aqui perto. Nisso, esta manhã:
Escuto um pombo cantando
às sombras das folhas verdejantes
do templo de Bishamon:
a calmaria ao despertar.
Foi o poema que compus.
Quando o entardecer se aproximava e eu estava me alimentando, escutei o moroso canto do cuco ressoar três vezes através do céu bem acima de minha cabeça. É uma voz com um requinte de tranquilidade. Desta vez, sabendo que escuto um cuco-pequeno, escutei com todo o corpo aquele canto que atravessava os céus.
Ó sombras de brancas
incontáveis nuvens!
Cuco-pequeno.
O encontro entre
o branco das nuvens e o verde das folhas,
cuco-pequeno.
Grande massa
do cozido de cevada,
cuco-pequeno.
Há um quê de transcendental profundidade no canto do cuco-pequeno. Eu gosto de sua voz. Mas ainda que digo que tenha um requinte de transcendental, não gosto muitos do sabor transcendental do tipo do presente nestes poemas de Kikaku: “Banhado pelo sol/ do primeiro dia do ano/ caminha o grou”, “Noite de galo/ água que aquece o saquê/ a queima do koto” (?). Eu gosto deste transcendental do canto do cuco-pequeno. A comparação foi meio estranha, no entanto...
Escutei que Hamada voltou para sua terra em Noto, mas de acordo com a conversa de ontem, parece que ele participou de uma cerimônia de casamento em Quioto e saiu em viagem de lua de mel por aqueles arredores.
Será que os vagalumes já estão voando pelo Rio Ujigawa? Existe uma lenda famosa que diz que os vagalumes do Rio Ujigawa e de Ishiyama são imensos. De acordo com um poema de Issa:
Que batalha!
Vagalumes de Ishiyama
vagalumes de Uji.
Ele tem uns versos assim, mas esses são ruins. Os de Bashô:
O barqueiro
já embriagado
ao ver os vagalumes.
Estes são muito melhores. Mas melhor que este:
Águas noturnas
Em uma margem sossegada:
brilho de vagalume.
É este poema de Taigi. Eu prefiro aquele requinte que vi no poema de alguém, “desolado e triste ponto em meio a montanha: de brilho de vagalume”, do que muitos vagalumes voando.
Uji... Rio Ujigawa e sua vicejante e verde folhagem... Terra de Uji e seu aroma de primeiro chá da temporada... O peixe-doce e os vagalumes do Rio Ujikawa... O cuco-pequeno que canta em Uji... Uji e seu Templo Byôdôin, o seu Templo Hashihime, sua casa de chá Tsuen e seu Templo Kôshôji... Um pouquinho afastado também há o Templo Ôbaku-Manpukuji... Que lugar, que lugar, que lugar!
Eu já fui até Uji três vezes, mas a impressão mais forte que me resta na mente é a de quando fui, de Osaka, pela primeira vez por volta do outono de 1909 ou 1910.
Naquela época, creio que a ferrovia elétrica entre Osaka e Quioto já havia sido feita, mas não passava por Uji. Eu me lembro de certamente ir de Quito até lá de locomotiva a vapor. Comprei uma boneca cha no ki ningyô e cartões postais ilustradas nas adjacências da Ponte Ujibashi, e escrevi cartões para vários amigos dos círculos de haiku em cima da balaustrada da ponte. No lago velho do Templo Byôdôin, vi, como se fosse um sonho, libélulas-vermelhas sobrevoando algo que desoladas a segunda florada de duas írises. Então, ao ir para a margem oposta de barco, subi a encosta do Templo Kôshôji após cruzar o portão de pedra da encosta. As árvores do entorno estavam transbordando um espesso orvalho e folhas amarelas e vermelhas estavam espalhadas por todos os lados. Eu, com uma caderneta e pincel na mão, fiquei ali estanque entregue a pensamentos acerca de composição de haiku, então, cerca de dez monges itinerantes, em meio a gritos de encorajamento, vieram subindo de dois em dois carregando grandes bacias. Todos eles vinham descalços e traziam ao corpo uma veste completamente preta amarrada com cordas nas mangas. Ao cogitar o que eles traziam as costas, dei passagem espiando dentro da bacia, lá havia tofu branco mergulhado em água. Bem ali, de dentro daquela bacia de tofu, uma folha vermelha de caqui cintilava dispersa junto ao seu orvalho.
Mesmo hoje eu não consigo esquecer aquela inominável e intocável suntuosidade que senti vinda daquele esquadrão de monges itinerantes que foram comprar tofu.
(04/06)
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Há a teoria de que o kankodori é o cuco-pequeno. No entanto:
Kankodori
nem mesmo suas pegadas
são decifráveis.
O ermitão é uma pessoa
e o kankodori
é um pássaro.
Ao ver estes poemas de Buson, o kankodori não parece ser um pássaro que existe realmente e surge como a poetização de um estado de mente de tranquilidade, é um tipo de fenômeno – isto é: é como se fosse um pássaro que existe só no mundo das ideias. Entretanto, ao ver estes poemas de Bashô:
Entristeça
este desgraçado eu
com o teu canto, cuco (kankodori)!
Sinto como se, mais do que um pássaro que existe somente no mundo das ideias, o kankodori passa a ser mais bem apreciado se for realmente um pássaro que existe na realidade. Creio que Bashô, em verdade, teria realmente cantado o kankodori como efetivamente um cuco-pequeno.
Ainda assim, não acredito de forma alguma que o kankodori não possa ser usado em poemas como um pássaro que só existe no mundo das ideias. Existem mesmo temas de haiku do tipo “canto de minhocas” e “canto da tartaruga”, e mesmo as traças-de-saco são tratadas como animais que cantam. Além disso há também aqueles de tom fantástico como “enguia que se transforma em inhame-japonês”, “pardal que entrou no mar e se transformou em um sapo”, “a toupeira que se transforma em perdiz” e “restos de mato que se transforma em um vagalume”. No mundo dos waka também há temas do tipo “a carta que o cuco deixou cair”. Um poeta valoriza mais o “sentimento” do que os conhecimentos biológicos. É aí que mora a impulsão do poeta e também a sua misteriosidade.
Todavia, não seria melhor, a partir de agora, evitar essas confusões de que alguns cantam o kankodori como um pássaro real – isto é: como um outro nome para cuco-pequeno, e que outros o cantam como um pássaro do mundo das ideias? Usar a palavra kankodori somente para o pássaro que existe no mundo das ideias e para o que existe de verdade, escrever cuco-pequeno ou cuco.
(05/06)
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Fui até o aconselhamento com o capelão. A plataforma estava enfeitada com um fuki de Akita e me sinto grato por terem nos mostrado algo que ainda nunca tinha visto. Pude perceber que tinha cerca de nove centímetros de circunferência, e por volta de um metro e meio de altura. No entanto, de acordo com a explicação de Hamada, este não era um que já havia se desenvolvido por completo, e, portanto, parece que eles ainda são maiores, o diâmetro do talo passa dos seis centímetros e a estatura chega até os dois metros e pouco.
Da sombra
do fuki de Akita escuto!
Cuco-pequeno.
Que tal, hein?! Risos.
Hoje durante o episódio do aconselhamento, “Sobre o ritmo”, teve uma história de um certo diplomata que era muito bom em conversação em inglês e que, em Londres durante uma palestra, angariou o interesse de um inglês que, após o escutar, disse: “a língua japonesa se assemelha bastante a língua inglesa”.
Ao escutar interessado esta história, recordei, sem atinar ao certo do porquê, da anedota da grande palestra que ocorreu em Chicago, Estados Unidos, em que compareceu nosso Ivan Ivanovich Sarskii na figura de Iwasa Sakutarô.
Há uns quinze, dezesseis anos atrás quando aconteceu aqui nestas terras aquele grande incidente, ele, suportado por Emma Goldman e Berkman, foi até Chicago para realizar um discurso. Era realmente uma grande questão e o salão do evento estava abarrotado de gente. Naquele dia ele tinha a intenção de falar por três ou quatro horas e tinha um manuscrito completamente em inglês. Então, ao adentrar no salão e após uma apresentação bastante longa, ele, minúsculo, de peito estufado, seguiu para o palanque. A audiência o recebeu com salvas de palmas e com ressoar dos pés no chão. Após aguardar que tudo isso se acalmasse ele, então, abriu seu manuscrito e começou a lê-lo cerimoniosamente. No entanto, mesmo após proferir os aforismos, não recebia nenhuma salva de palmas. Nisso, o homem que o havia apresentado, repentinamente, foi até o lado de Iwasa.
“Idiota! Idiota! Será que esse seu inglês vai ser compreendido pelos estadunidenses, hein?!, o salão também é bem amplo, com essa voz as palavras não chegam até o fundo. Pode falar tudo em japonês, não tem problema, a audiência, de toda a forma, já está ciente do conteúdo, vá lá e fale o tanto que você quiser falar, pise com força, bata na mesa, mostre para eles toda sua grande paixão, vá lá e isso vai ser mais do que o suficiente.”
Foi o que lhe sussurrou. Então, abruptamente, ele começou mais uma vez em japonês. Ao falar em japonês, seu sentimento fervoroso naturalmente aflorou e consegui também falar com uma voz que saia do fundo do peito. Ele pisava com toda sua força no chão do palanque e esbravejava furiosos. Então a audiência, sem qualquer tradução, se alegrou e o aplaudiu. Toda vez que aquele pequeno homem gritava algo e saltava louco no palanque, a parte da frente da audiência o ovacionava com palmas. Nisso, tendo a dianteira como exemplo, a parte de trás da audiência, que nada escutava, também se juntava nas ovações. Destarte, aquela palestra terminou em meio a um grande entusiasmo.
No dia seguinte, quando Iwasa, ainda sonolento, pousou os olhos no jornal da manhã, e não se assustem, havia lá uma manchete em letras de imprensa ocupando quase um terço da folha de jornal que dizia: “Grande palestra em inglês do anarquista japonês Iwasa Sakutarô”, e não só isso, a grande palestra, da qual Iwasa desconhecia completamente o conteúdo que assemelhava um grande e bravio rugido leonino, estava registrada pela extensão de quase uma folha inteira. Neste momento, mesmo o tão calmo Iwasa, soltou um gemido, “hum...” e, em meio a um grande espanto, teve uma verdadeira iluminação espiritual.
(05/06)
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Para bloquear a luz solar de recair sobre a máquina, recebi uma esplendida e suntuosa cortina. E, coisa estranha, com isto o interior de minha cela ficou muito mais harmonioso.
No gramado central, flores de carrapiço apareceram em profusão. Parece que estas ervas foram transplantadas somente muito recentemente lá por volta de 1890, mas hoje ela cresce largamente em todo canto do Japão. No gramado destes carrapiço rosas vermelhas estão em flor. Certamente muito em breve a kakitsubata também abrirá.
Futon posto ao sol
angario o bom humor
das pulgas.
Abobrinha; beringela
●
Sem alternativa, tive que me afastar do pincel durante os dois meses de julho e agosto. Isso se deu devido ao fato de não ter ainda concluído os afazeres desde que voltei a costurar a “kurume-gasuri”. Segui com a “costura em máquina” do início de junho até meados de julho, mas, a condição de meu corpo foi ficando cada vez menos interessante e, após me aconselhar com o responsável pelos assuntos médicos, ele me disse: “parece que não é uma coisa boa para sua constituição, então é melhor parar”. Então, eu parei.
Em agosto voltei para a “confecções de meias” que eu já estava acostumado, mas, talvez por influência da máquina, durante o início do mês eu passei por volta de quatro dias de cama e, portanto, também não conclui os afazeres. Durante o mês de setembro também não pude usar tinta nem pincel. Fiquei inconsolavelmente triste. Então solicitei ao chefe do local: “será que não poderia ter permissão para usar pincel e tinta independente dos afazeres?”. Como resultado, ficou decidido que: “durante setembro e outubro será permitido excepcionalmente e a despeito das tarefas”. Na segunda noite de setembro consegui, após dois meses, encontrar mais uma vez minha caderneta de notas diversas e tomar a caneta tinteiro de vidro na mão. Sim, estava feliz.
Este “Abobrinha; beringela” seria composto pelo registro dos tanka e haiku que compus durante estes tristes dois meses. Eu os havia registrado com uma agulha em um papel usado, mas a maioria acabou se tornando ilegível e escapou de minha memória. De modo que, infelizmente, joguei todos estes fora.
O coração da lua
Após entrarmos em setembro, ficou perceptivelmente mais fresco. Minha despedida do mosquiteiro está se aproximando.
Outono:
o mosquiteiro é retirado,
som sutil da argola.
Santei
Mesmo que não seja da elegância de uma Sei Shônagon, meu mosquiteiro branco-desbotado com seu péssimo cheiro de mofo e urina de rato também possui algo do nível do “drama” expresso pelo espírito de Zatô Bun’ya em Tsutamomiji utsunoya tôge então, por certo, é possível apreciar o charme de uma Despedida do mosquiteiro.
(03/09)
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Hoje é dia quinze de agosto segundo o calendário antigo. Ano passado foi sem lua, e estava esperançoso com que esse ano fosse diferente, mas a julgar pelo estado do céu, parece que essa noite também não vai vingar. Me lembrei do poema de Bashô: “Lua da colheita!/ o clima nessas terras do norte/ não conhecem leis.”. Entretanto, da minha janela, só me é possível apreciar o luar de lua cheia quanto está próximo do amanhecer, pode ser que até lá o céu já esteja aberto.
(10/09)
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Meu estômago está novamente um pouco ruim. Estou tomando os remédios para estômago que me deram. Enquanto os tomo, penso em coisas estranhos do tipo: “esse sabor é do tipo que desperta um sentimento pessimista”. Uma abóboda nublada cobre a janela. As rãs-verde coaxam em um ritmo irritante. Escuto mesmo as vozes dos insetos minúsculos.
(12/09)
●
Noite passada eu tive um sonho estranho. Eu estava muito doente e dormia em minha cela. Em um nível em que eu sequer conseguia mover meu corpo. O médico, olhando fixamente para meu rosto, estava ali de pé segurando em uma das mãos um grande, um enorme bisturi brilhante. O granizo batia no vidro da janela, também nevava e o vento soprava desgovernado. A beira da janela eu podia ver o rosto de Fukuko, da pequena Kimi, de Shigeko e de Katsura. Lágrimas corriam pela face de Fukuko. A pequena Kimi ria sem graça. Shigeko tinha os olhos incríveis. O rosto de Mochizuki... Eu já não me lembro como era seu rosto.
Foi um sonho triste. Contudo, foi também nostálgico. Um sonho estranho. Contudo, foi também um sonho profundamente contente.
Ah!, assim como, nesses tempos, disse Noyori Shûichi: “somente o condenado pode compreender os sofrimentos, os sentimentos de um condenado”, eu também, em monólogo, digo: “somente o Kyûta pode entender esse sentimento do Kyûta” enquanto penso ser um grande erro se amuar e se ter em alta conta sozinho. É dogmático. Da mesma forma como terceiros não podem compreender meus sofrimentos, eu, por meu lado, também não compreendo o sofrimento destes. E ainda assim, vejam, recordem o sonho que tive noite passada! O pessoal da família Mochizuki não estava sofrendo daquela forma por mim? Esse mesmo sentimento não está sempre transbordando das cartas que Shigeko me envia? Mesmo quando eu estou tranquilo e levando a vida numa boa, aquele pessoal sofre por mim. O sentimento de minha mãe que não pode enviar cartas porque não sabe escrever e que não o conta para ninguém por certo é ainda mais profundo. Todos estes sofrimentos, todos estão sofrendo por mim. Não só isso, esse sofrimento muito provavelmente deve ser consideravelmente ainda mais amplo e mais profundo do que o meu próprio sofrimento. Eu não penso nessas coisas. E, então, me amuo e me tenho em alta conta sozinho.
●
Aquele que se alegra ao ver os outros se alegrarem também será alegrado pelos outros.
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Cai um granizo. Cai um granizo, e a tela metálica da janela vai ao chão: baroom!, baruuum!, ba-ron-ronron! O vidro é castigado: tlim!, tlintim!, tlin-tim-tintin! Aquela, aquela branca, branca esfera de granizo.
O som de granizo
nas folhas de bambu:
ploc ploc ploc
ploc ploc ploc
põe prontamente feliz meu coração.
Este é um poema de Ryôkan, um poema do qual eu gosto.
●
Não sei quem foi que decidiu que assim era, mas há o hábito de se dizer que os dez grandes discípulos de Bashô são Kikaku, Ransetsu, Sanpû, Kyôrai, Shikô, Kyoriku, Jôsô, Yaba, Etsujin e Kakei. Ao passo que temos um Shikô, Kyoriku e Yaba que são de um mal gosto latente, não encontramos na lista um Izen. Sanpû, se me fosse preciso dizer, ainda não tinha conseguido abandonar seu tom de danrin. Eles não passam das pessoas mais afeiçoadas a Bashô. Deixando Etsujin de lado, se for para contar nesse grupo o Kakei, não teríamos que, primeiro, colocar em sua frente Masahide, Enri, Tohô, Hokushi e Tokoku? Além disso, não podemos esquecer de Sora, e seu firme senso poético, que acompanhou Bashô na grande viagem pela região de Ôu.
Para mim existe três tendências no estilo de haiku de Bashô. A primeira é da época em que almejava um senso poético como a de To Ho ou Ri Haku. A segunda é da época em que advogava o “hosomi”. A terceira é quando se entregou ao “sabi-shiori”. Naturalmente o “ku no hosomi” o “wabi” e o “sabi” são o que compõe a forma do verdadeiro estilo após a iluminação para este mesmo estilo e, portanto, sinto como se, talvez, faltasse algo quando dividem o “wabi” e o “hosomi” em duas etapas diferentes. Contudo, não importa o que digamos, os poemas não desvelam seu verdadeiro brilho do fato de terem seguido muito fundo na natureza atrás unicamente do “sabi”? Bashô não alcançou o verdadeiro “sabi-shiori” nos seus últimos anos de vida? É levando isso em consideração que acredito haver algum significado em dividir em três etapas.
Entretanto, há mais uma razão para que eu dívida a coisa em três níveis. Isto é, percebi uma correlação ao entender a relação entre os discípulos de Bashô e as tendências que sua produção poética seguia.
Eu penso da seguinte forma. O Bashô da primeira etapa estava sobre profunda influência do estilo de Ri e To e, após o próprio se voltar para o seu verdadeiro estilo, abandonou o estilo deste dois, mas foi Kikaku que, mais do que o mestre, herdou o estilo de To e Ri e, incapaz de os abandonar, lapidou sobre este o estilo verdadeiro de Bashô. Outro exemplo é Ranretsu que, assim como Kikaku, herdou também o estilo de Ri e To, mas conseguindo o abandonar, seguiu junto com o mestre para a nova forma, e dentro desta, alcançou níveis altíssimo através de seu desenvolvimento centrado e obstinado do “hosomi”. Ainda outro exemplo são o Jôsô e Izen que só se tornaram discípulo de Bashô bem depois de Ki e Ran, e que elevaram a grandes sucessos a influência do mestre já em seus últimos anos e em que já apresentava um bastante cristalino e bem definido “sabi”. É assim que penso.
Por certo haverá aqueles que julgarão que tratar o estilo de Izen como herdeiro do “sabi” de Bashô é algo um pouco estranho. No entanto, aquilo que vem à superfície lá do mais fundo quando apreciamos em profundidade aquela abnegação, aquela entressonhar peculiar de Izen, nos coloca diante de um “sabi”.
Eu, do alto de minha própria perspectiva, acho que este são os quatro que podem ser verdadeiramente denominados, sem reservas, como grandes discípulos de Bashô. Também não creio que Kyôrai e Shikô sejam dignos disso. Quantos aos outros três ou quatro que são denominados grandes discípulos de Bashô, não preciso sequer argumentar a respeito.
Após a morte de Bashô, Kikaku e Ranretsu se transformaram em grandes monges em Edo. Contudo, como esperado, Kyôrai, Shikô, Kyoriku, Yaba e companhia, apesar de se digladiaram em uma disputa interna entre eles, não se prestaram a um papel de distorções muito amargas. Mas, ao mesmo tempo, também não fizeram como o mestre e abandonaram, em pureza, o mundo para se deleitaram em quietude com a Grande Natureza. Os únicos que fizeram como o mestre havia ensinado, “tornem-se um com a natureza!”, e, assim, herdaram o estilo de vida deste abandonando o corpo na graça e refinamento da natureza foram Jôsô e Izen. Se argumentássemos de acordo com este ponto, poderíamos afirmar que, dentre os discípulos de Bashô, foram somente Jôsô e Izen que verdadeiramente herdaram a coroa do mestre.
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Dizem que aqueles que não experimentaram se afogar no “requinte artístico” jamais conseguirão alcançar a bela margem sem se afogarem no requinte artístico ao saírem em viagem por este mundo. E não seria exatamente por isto que Bashô, que disse “dentre todas as coisas, basta a efemeridade para a elegância”, quando ia ensinar os preparativos para a composição de haiku para seus discípulos o fazia nos seguintes termos: “vá fundo e saia raso”?
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O sino para irmos nos deitar tocou. Como se resmungasse, ajeito meu futon e me enfio dentro dele. Está um tanto desagradável. Mexendo-me, reviro meu corpo em seu interior. A ponta de meu pé esta gelada. Recolho o calcanhar e o enrolo com a aba de meu quimono. Estico o pé e o corpo mais uma vez e volto a me remexer dentro do futon. Enquanto, num mexe-mexe, me encolho e estico, aprumo e recolho o pescoço, com um sorriso amargo, penso: “que trivialidade, um verme se revirando debaixo da terra”.
Como um verme
reviro-me
dentro do futon.
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Há um sem-número de poemas de Issa que me dão um desconforto a ponto de fazer mal para meu peito quando leio.
Há um montão de poemas de Issa, poemas inocentes, poemas abnegados que me põem incontrolavelmente feliz.
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Eu costumava pensar que uma atitude do tipo “a arte pela arte” era algo que não fazia sentido. Mas, recentemente, comecei a pensar que a arte também não pode “servir” para nenhuma outra coisa. Eu, de fato, passei a acreditar que a arte realmente precisa ser “a arte pela arte”. Muitas divisões tonais das mais diversas foram feitas, como a arte da classe aristocráticas, ou a arte do lazer, ou ainda a arte do proletariado, ou a arte revolucionária. Todavia, o verdadeiro valor da arte deve ser baseado em "algo" que brilha de acordo com e transcende cada uma dessas tonalidades. A arte não é nada além do que este “algo”. Mesmo a expressão “arte pela arte” é sequer necessária, é somente a arte que mergulhou de cabeça no verdadeiro e puro mundo da arte que deve ser chamada de arte de fato.
Sinto um certo interesse por estas palavras que alguém proferiu: “a arte não existe para o ser humano, é o ser humano que existe para a arte”. A culminação da arte não é justamente alcançar um lugar para além da “humanidade”? Ir até o ponto em que nenhuma tez de subjetividade seja aparente, até a terra em que subjetividade e objetividade sejam uma só... Não é lá que devemos chegar?
Ao pensar nestas coisas, pude apreciar com profundida os poemas objetivos de Buson.
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Creio que estava no livro Tabibito Bashô, Seisensui escreveu algo do tipo: “a semelhança de Shiki, é superficial ver a coisa como se Bashô ainda não houvesse chegado lá porque seus poemas não haviam vencido a subjetividade”. Este é, de maneira geral, o ponto dele. Contudo, se, a partir disto, pudéssemos deduzir, ao contrário, que: “os poemas de Bashô são subjetivos e por isso são bons”, a coisa soaria um pouco estranha. Ela não estaria dizendo que “Nada indica que/ em breve perecerá:/ cigarra de outono.” e “Mova esta cova/ meu choro/ vento do outono.” são melhores do que “Poço velho/ som d’água:/ um sapo que mergulha.”, estaria?
Se fosse preciso deixar que Seisensui o diga, o poema “poço velho” é um poema que a subjetividade de Bashô alcançou o mais profundo da natureza. Seria, então, um poema de Grande subjetividade. Além disso, do ponto de vista de Seisensui, mesmo o “estende-se a via láctea/ entre Sado/ e as ondas furiosas.” também é um poema subjetivo, mas que vai um passo mais fundo do que a atitude de observar a natureza, é um poema que adentra no terreno de escutar a própria natureza.
Deste modo, segundo a percepção de Seisensui, o que seria um poema objetivo? Neste sentido, qualquer poema seria passível de ser tratado como subjetivo. Mesmo aquele de Taigi, “Flores e folhas/ e flores e folha e/ flores de yamabuki”, nesse sentido, também seria um poema subjetivo. Se argumentássemos de acordo com a filosofia do Sr. Nishida Kitarô, o verdadeiro mundo da objetividade é o mundo do “eu do eu” e aquilo que costumeiramente entendemos enquanto objetivo é somente um constructo do ego, isto é: é o mundo da verdadeira e pura subjetividade.
Se as coisas forem tomadas nesse sentido, os poemas subjetivos se tornariam objetivos e os objetivos se tornariam subjetivos. Uma colossal confusão entre subjetividade e objetividade, e é aqui, é aqui que o problema está.
Bashô estende a mão para o túmulo de Tokoku e canta:
Mova esta cova
meu choro
vento do outono.
Buson estende a mão para o túmulo de Taigi e canta:
Duas ou três esparsas
trutas em varetas:
Incensos!
Comparemos estes dois poemas. Se os tomássemos somente por sua forma, ninguém se oporia se dissemos que o poema de Bashô é subjetivo e o de Buson objetivo. Todavia, ao apreciarmos estes poemas com mais profundidade, como quando o íntimo do leitor e o íntimo do poema e de seu compositor se encontra em perfeita harmonia, podemos perceber que a subjetividade de Buson não é nem um pouco mais rasa do que a de Bashô, não podemos? Mais do que isto, não podemos sentir, de fato, que o sentimento que o poema de Buson expressa ao finado é mais profundo? Não podemos apreciar algo do teor de “o que não é dito supera o que é dito” do fato de que ele não se expressa com a palavra “choro”? Não há sequer necessidade de fazer referência a “Yuima no kuro”...
Será que não devo daqui em diante começar a apreciar melhor as palavras de Shiki?
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Na capa da revista Hito que chegou dois, três dias atrás, havia uma foto de um casal de crianças que, cada uma abraçada em um pombo, sorriam contentes. Ao apreciar aquela foto com atenção, comecei a sorrir sozinho e, como se voltasse ao longínquo passado em que eu também era criança, me senti tranquilo e confortável.
Quando eu ainda estava em Ichigaya, me deleitava com um cartão postal ilustrado com crianças que havia recebido e que sempre estava ali enfeitando a área em que empilhava o futon. Era uma foto de duas tenras crianças em que, como se estivessem já exauridas de tanto brincar, uma se escorava em um tambor de brinquedo e a outra, com as baquetas nas mãos, estava entregue a um sono profundo e inocente. Pareciam bonecas. Quando eu ainda estava sob julgamento e, ao pensar em diversas coisas, era tomado por sentimentos obscuros, foram muitas as vezes que, ao olhar por um momento para aquele cartão postal ilustrado, esquecia completamente de todos os meus problemas e conseguia me sentir mais radiante. Ao ver esta foto de agora, me lembrei repentinamente daquele cartão postal ilustrado. Em custódia naquele lugar, as duas certamente ainda estão entregues ao sono inocentemente. Que vivam para sempre, para sempre.
O capelão Ezawa de Ichigaya também parecia gostar muito daquele cartão postal ilustrado e, sempre que vinha até minha cela, tomava-o em suas mãos e, apreciando com cuidado, dizia: “é realmente bom, realmente bom”. Se eu não me engano, ele também disse coisas do tipo: “A criança do lado esquerdo, é a cara de um crudívoro religioso que tive a oportunidade de ver em certo local dias desses”.
Ó criança crúdivorá religiosa!, eu acabei me separando de você desde que saí de Ichigaya, mas eu, agora, consegui me aproximar de duas crianças amigas suas e que, sorrindo, estão abraçadas com pombos, portanto se alegrem. Quando converso com esta duas adoráveis crianças eu, definitivamente, recordarei também de vocês quando estiver indo dormir.
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Já é dia trinta, fim de mais este ano. Hoje nós presidiários também, a partir da tarde, estamos terminando nossos trabalhos deste ano. Após a tarde irei fazer uma grande faxina. Colocarei um lenço na cabeça, pegarei uma vassoura de cabo longo e começarei a limpeza pelo teto. Mesmo que aparente estar limpo, quando experimentamos limpar descobrimos muitas teias de aranha acumuladas ali. Mesmo que não seja lá nada que vá botar fogo, não sabemos o que e de onde alguma coisa virá, e sempre cai um tanto de fuligem. Issa compôs o seguinte poema:
Nem mesmo a fuligem
se dão o trabalho de tirar:
lágrimas!
Tirar a fuligem de minha casa, que é ainda mais negligenciada do que a de Issa, enquanto, com um lenço amarrado na cabeça, espano o teto me faz, de alguma maneira, sentir como se estivesse em liberdade e, falando e rindo sozinho, penso: “aqui também é fim de ano deste mundo tão fugaz” e, então, eu termino de tirar a fuligem.
O vento que sopra
para cá e para lá:
fuligens espanadas.
●
Já é vésperas de Ano Novo. Pensei em, mais uma vez, escrever meus sentimentos quanto ao fim deste ano, mas não tenho nada de muito diferente para acrescentar.
Último dia do mês
Hoje é o último dia do mês, Vésperas de Ano Novo
será que esse ano também vai acabar assim?
experimentei chorar,
experimentei rir,
ter te encontrado em sonhos,
isso,
isto e
aquilo não passam
de pequenas histórias deste ano.
Hoje é o último dia do mês, Vésperas de Ano Novo
será que esse ano também vai acabar assim?
Saiu na edição de fim de ano da revista Hito este poema deste poeta folclórico. Ter te encontrado em sonhos... Mas não é exatamente como se estivesse descrevendo eu próprio, não é idêntico a minha percepção do dia de hoje? Então, tomemos isto como um ponto de mudança, e vamos lá entrar no clima de fim de ano.
Apesar de ter pensado que hoje não teria aconselhamento com o capelão, teve o aconselhamento. Teve também uma conversa com o chefe e o responsável pela seção educacional-religiosa. Após a pregação educativa, o chefe da prisão informou que muitas diretrizes seriam reformuladas. Dentre estas, fiquei especialmente contente ao ouvir um artigo que dizia que, para aqueles que cumprem pena acima de três anos e que, por conta da distância, não conseguem receber visita de familiares, seria oferecido a possibilidade de tirar uma foto para envio. Parece que minha mãe em Himeji está bastante preocupada, vou conseguir tirar uma foto desta fisionomia robusta que tenho agora para enviar-lhe. Vou informar isto na próxima carta e pedir para irem até Himeji transmitir a notícia, caso minha mãe realmente disser que deseja a foto, vou solicitar para que assim seja feito.
Noite. Neve, granizo, vento forte. As luzes se apagam.
Sr. Hamada.
Quando o encontro, por alguma razão, não consigo me expressar por palavras e, portanto, vou escrever aqui.
Eu sou profundamente grato pela, em vários sentidos, calorosa orientação que o senhor me ofereceu até hoje, mas eu já não consigo mais suportar quando penso no meu verdadeiro e atual problema. Seja pelos ensinamentos de Shinran, seja pelo Zen, eu, no fim das contas, não consegui encontrar salvação. Eu, no fim, seguirei, completamente entregue por emoções imprudentes, para o caminho dos infernos enquanto sofro, choro.
(Data desconhecida)
Janela e granizos
MAIO, 1926
Tremores subterrâneos
escuto passos que vêm
do pátio de exercícios.
a andorinha voa por minha janela.
Limpo o assoalho do chão
flutuam a luz solar
em uma manhã
que a andorinha canta.
O humor que meu peito
nutri neste momento:
andorinha que canta em minha janela
assim que acordo.
O pardal também se entristece
quando a andorinha,
agitando calda e pescoço,
canta?
JUNHO
Reminiscência do finado amigo (dois poemas):
Cortando a unha fria
temporada de chuvas
recordo do dia em que meu amigo
pereceu em sua cela.
Pressiono nas mãos a unha
pálida como a morte,
essa temporada de chuva anual
não deixa o homem enfermo?
Um tanto solitário:
três pássaros migratórios
passam voando ali,
neste céu matinal e suas nuvens.
Em manhãs como estas
espalhem-se em profusão
no coração daqueles que viajam,
flores verdejantes de pinheiro!
Quando as vozes dos mosquitos
silenciam na escuridão do entardecer
de um pequeno buraco caem sujeiras ruidosas
sobre duas folhas de papel.
JULHO
Removo a sujeira do balde d’água
as partes escurecidas também
observo as brancas nuvens matinais
como que descoloridas pelo sol.
Meu peito não se cansa
de observar o pombo
desfilando pelo vasto céu
nessa linda manhã.
Debaixo deste céu abrasador
o óleo fluindo
e uma gota d’água pigando
o brilho da flor de erva-azedinha.
Embriagada pelas
flores de erva-azedinha
o brilho do suor das formigas
em trabalho tão puxado.
AGOSTO
O crepúsculo infiltra seu brilho
entre as asas ambares
da libélula
pousada no alto do telhado.
OUTUBRO
Correspondências e coisa afins
tardam hoje o campo de plantação
está cheio de água acumulada
das chuvas de temporada.
O granizo que cai todos os dias
me lembra o inverno,
mas a lua que paira no céu por meia noite
me dão a certeza de outono.
NOVEMBRO
Sem escutar nitidamente
o longínquo bramir do mar
o vento assola o homem
bravio e de pele ressecada pelo frio.
Ao escutar o vento
seco de inverno quebrando
as bravias ondas nas grossas paredes
sinto como se ganhasse forças.
A noite de inverno por três meses
seguirá limpando misteriosa tudo
saudoso da peça de teatro
Kirare Otomi.
Saudoso da
camélia-sasanqua!
calço as meias de fio vermelho:
a luz do sol em minha janela.
Os sons daqueles passos
que se apressam contentes pelo
corredor gelado de neve:
ablação em água quente?
No fim do corredor escurecido pela neve
lavo-me sozinho
na banheira de cimento de
noventa centímetros.
JANEIRO, 1927
O velho corvo grasna
inteiramente só em meio a
mistura de chuva e neve
rústica austeridade!
Absorvo em minhas mãos
queimadas pela geada
e embebidas em óleo
o dourado raio de sol invernal.
O dedo de minha amada mão
acaricia espalhando óleo
no dedo de minha amada mão
queimada pela geada.
Ao envolver-me no futon
que havia solicita a secagem
sinto o cheiro incrustrado
de fumaça de árvore morta.
Ó meu coração!
não se desespere, não adoeça!
não olhe para os cantos da parede
escurecidos pela água da neve derretendo!
A luz da lanterna portátil de papel
dissipa-se pelo
assoalho congelante
da neve que sopra.
Esse homem,
na mesma intensidade
que seu corpo é preguiçoso
seus ouvidos se tornam apurados.
Aqueça sobremaneira
este homem, ó sol!
Seus olhos estão gélidos
Os ouvidos afiados.
Penso, não durma!,
enquanto escuto o ressoar
tranquilo do pardal
dormindo no telhado.
Colhendo os mesmos benefícios
daquele compenetrado contemplar
raios de sol atravessam o vidro
da janela congelado pela neve.
O pardal também parece se apaziguar
com a luz para além da porta
de vidro congelado pela neve
e entrega-se ao canto.
As vozes das pessoas retirando a neve
do lado de fora de minha janela,
meu peito solitário traz somente
o sangue a fervilhar.
Ó unhas fraturadas!
Não se movam!
Não arranhem aquilo que vem quente
ao toque, não o destrua!
FEVEREIRO
A mãe envolveria nos braços
em copioso choro o cadáver do filho
que morreu no cárcere
quando o viesse enterrar?
As figuras que se formam de minha
respiração no vidro da janela congelada:
a figura de minhas ilusões
em dança.
As formas da respiração congelada
que apareceram no vidro da janela
desvanecem e os raios
de sol podem rir.
Dentro da caixa do trenó
segue sendo puxado pelos
caminhos de neve de Akita
murmurando.
Sobe no trenó
chutando a neve
me lembro repentinamente
dos exilados da Sibéria
As crianças destas áreas
são adoráveis.
Brincam cobertas de neve
e as bochechas carmesim.
As jovens de belas faces carmesim
calçam botas de neve
de palha nova,
e trazem também um sorriso.
Ó jovens de botas de palha
e faces vermelhas!
Devem também, às vezes, calçar
frios e péssimos sapatos de goma, né?
Japão oculto
nas tristes ruas de sua cidade
vejo sangue por toda a neve:
a venda de peixes.
MARÇO
Reminiscência de meu finado pai (quatro poemas):
Lágrima de compaixão
sem amparo,
era um pai que recitava as inequidades
do mundo em jôruri.
Meu pai oferecia como oferenda
para minha avó
Hinos de peregrinação em jõruri,
ria com a mãe.
Servia generosamente
o prato de oferenda para os mortos,
era um pai que dizia coisas
íntimas aos pardais.
Eu só vi as flores de Sagano,
em Quito com meu pai
na peregrinação do
décimo terceiro Monju.
Também de dentro do profundo
violáceo amanhecer surge
a tênue neve
da noite passada.
Mais do que o milhafre-preto
voando nas alturas e de visão aguçada
prefiro o pardal
do jardim.
Eu me apaixonei
pelos olhos lacrimejantes
de um solitário milhafre-preto
em voo.
ABRIL
A chuva perde força
olho pela janela
e um cheiro de um imaginário pântano
de aipo d’agua repentinamente surge.
Minha figura presente no assento do aconselhamento:
Vou chutando as bolas de algodão
das abas de meu quimono
que aguentou tanto tempo:
uma imagem interessante.
A luz ainda restante do luar
de primavera desfocada em amarelo
acrescentada pela voz de um pardal
ainda desperto.
Que pássaro é este que
às vezes junto ao pardal
chilreia:
friu-friu.
Envolto na luz da primavera
pairando neste divino céu
chilreia algo que desolado
um pássaro.
Os brotos de pinheiro
surgiram certos e brancos
e as folhas, hoje,
vão se despindo.
MAIO
Depois de tanto esperar
chegaram as andorinhas
as observo sozinho
de dentro de minha janela.
As plumas tiritando oscilantes
das andorinhas chilreando
como é belo esse tom
púrpura azulado!
A vida cheia de energia
que é expressa pela voz
que pode cantar da andorinha
a inveja que também sinto!
O som flautoso emitido
pelo profundamente escuro
milhafre-preto, nuvens lactescentes
vagam pelo firmamento.
As nuvens brancas
pairavam quietas, quietas
quietas, nessa luz primaveril
vagando tristes.
Que se movam ou não,
na cor destas tristes nuvens brancas
também há a profundidade
da primavera.
Os ebisu ainda cantam
aquele calmo flautear
do milhafre-preto
pelos caminhos da primavera?
Fim de primavera e os pardais
ainda não acenderam suas luzes!
Jardim ao anoitecer,
ervas-velas.
Ao ver o jardim
onde um cuspidor pintado de azul
está erigido,
três azaleias secas.
Poemas que louvam o nascer do sol (três poemas):
Amo o nascer do sol por conta
deste corpo que nasceu
numa região em que quebram
ondas azuladas?
Ondas bravias no Cabo de Oga
e o nascer do sol no firmamento
de evanescente dourado
que tanto almejei!
Se tiver vida para tanto,
irei apreciar o evanescente
erguer do sol no Cabo de Oga
de ondas bravias.
Me levantando do leito de enfermo no sétimo dia:
Observo a primavera já muito adiantada
até os brotos já se foram
recupero-me da doença
em um dia que eles já se foram.
Ó vento que desde que emergiu
faz suas visitas!
traga amanhã também quando sair desse leito
a feliz fragrância da folhagem vicejante.
No pátio de exercícios (dois poemas):
A desolação de erguer o rosto
e apreciar o ressoante avião atravessando
o céu de princípio de verão,
o cansaço da doença.
O avião afunda em nuvens,
as folhas verdejantes de Bishamon
atravessadas por uma
calma brisa.
JUNHO
Uma bolsa-de-pastor
em meio da estrada
ergue-se solitária
em floração.
A vacuidade das brancas nuvens
encimando as verdejantes folhas
do templo de Bishamon:
a tranquilidade.
O lado parcialmente iluminado
da vicejante folha refrescante
chilreia o pássaro em passagem
de ida e volta por ali.
Acordo de madruga
em um dia de folga escuto
vindo da floresta de alvorada
o canto do cuco.
Canto do cuco
manhã de basta bruma
desejo que, por três dias,
apreciasse vermelhante a lua.
Meu balde cheio de pura
água que jorra das montanhas,
penso em meio ao som
do cuco enxaguando.
Ao escutar o cuco-pequeno,
um pássaro que canta,
a tristeza da época do verdejar das árvores
é conhecido como sabedoria mundana.
Abro os olhos repentinamente
ainda em madrugada profunda
acaricio calmo o rosto
o óleo também vem à tona.
Em reminiscência
abro a janela
e encaro adentro
as trevas além da fechada escuridão.
Baixam as nuvens da noite
fluidas e profundas trevas
enxarcada e fechada escuridão
em movimento.
No pátio de exercícios (seis poemas):
Poderei encontrar em porções
três ou quatro flores
de canola que se tornaram
visíveis e cresceram ali.
Encontrar inesperadamente
essa felicidade:
o canto do cuco
as flores de canola.
Deixando de lado o leve-escuro
bacalhau-do-pacífico, é esta!
A primeira vespa-mandarina
que vi este ano.
As azaleias que foram plantadas
floresceram, encontrar as flores
de repolho que surgem a vista
é uma preciosidade.
Se conto uma a uma
as outras plantas do jardim
além das canolas,
encontro flores de cores diversa.
A vespa saída
da flor de canola
vai desaparecendo
pelo céu de junho.
Embranquecido pelo som
do pássaro que canta cu-co
o dia de hoje também
desvanecerá calmamente.
Ó cuco-pequeno
vindo de algum lugar,
fique o quanto quiser
apaziguando meu coração.
Enquanto costuro tecidos de algodão
divirto-me ouvindo
o cuco aqui das janelas da prisão
deste pedaço de terra.
Fechado em bruma densa de verão
costuro tecidos de algodão
o cheiro de anil
invade e paira no ar.
A floresta em que não
encontramos o cuco-pequeno
triste bosque de árvores de folhas verdes
e que nada soa lá do fundo.
A luz solar em minha janela
vem, triste, mostrar
a sombra da paulónia vicejantes
que se ergue ao longe.
Enquanto fico fascinado
pela sombra da paulónia vicejante
por cima da máquina passa
rápido a sombra da andorinha.
Será esse vento celestial?
Sopra e sopra pelo céu azulado
tênues nuvens de algodão
esticando e alargando
Enfermo acamado:
Ao abrir os olhos:
fechado em névoa cerrada
da temporada de chuvas
crepúsculo de brando carmim.
JULHO
As erva-azedinha floresceram
em meio ao cascalho, e também
a janela de ferro: desagradavelmente
impaciente e calmo.
Desvio os olhos da luz
das flores de erva-azedinha
em meio ao cascalho
que arde sob o sol.
A libélula pousara hoje também
em amor em uma espiga de mato
saída célere lá da
plantação de beringelas.
Após a chuva, o sal saiu
a voz de um belo canto
atravessa por entre as nuvens
o profundo céu outonal.
SETEMBRO
Vento de outono em leve escuridão,
das minhas janelas de ferro também
já acostumado com o sabor
do cozido de cevada e arroz.
A grande massa do cozido
de cevada e arroz colocada
para demolição ao vento outonal
hashi de madeira branquíssima.
Leve escuridão próximo
ao belverde, do crisântemo
um tanto de luz,
chuva que cai a três dias.
O desagradável cheiro do sabão
que passo no rosto
depois de raspar a barba
chuva que cai no outono.
Gota a gota a chuva de outono
penetra nas entranhas das
beringelas do sulcado
campo de plantação
OUTUBRO
Meu corpo colocado
sobre a terra do globo
flutuo dentro da
atmosfera sem fim.
NOVEMBRO
Ao entrarmos no inverno
duas moscas, três libélulas
pousam ali na parede
banhada pelo sol.
Um bando de corvos matinais
seguem em voo
em desordem, desordem
sob o vento frio invernal.
Ondas bravias do mar do norte
quebram pela manhã sopradas
areias, chega o vento
que as carrega.
De onde serão essas areias
acumuladas caídas do choque com
a porta de tábua que contém
o vento do norte?
Já ouvi que é o vento
do país do norte, que é o vento
violento, mas esse de hoje
está muito pior.
Mesmo esse presídio
construído com rochas,
vacila com este violento vento
apesar de se manter de pé.
As luzes já estão apagadas
o que bate nas janelas de ferro
ou são granizos
ou são calhaus.
E se o corpo de pó
sair para fora
será soprado em uma lufada
para os confins do mundo vazio.
Ser soprado, destruído
por este vento
arremessado em dispersão
para os confins do mundo vazio.
DEZEMBRO
O dourado e celestial
para-raios embrumado
também flui fino
pela luz solar matinal.
Uma abelha em meio as
grandes moscas ressoam em voo
por meu quarto,
que seja um bom inverno.
Mesmo após já ser inverno
o céu ensolarado e sem nuvens
recebo em adoração o sol
que se volta diretamente a minha janela.
Brilha a luz solar invernal
na tigela que sorvo transbordante
com água fervendo
para o chá.
Agraciado com um inverno
caloroso distante pedaço de terra
que minha velha mãe também
se banhe neste sol.
Ali na varanda sul
faceada pelo sol
minha velha mãe
pensara em mim.
Ao despertar de um sonho
ri, ru-ru-ru
noite alta na solitária de inverno
ri, ru-ru-ru.
Como se fosse por algo que
os ventos da noite de inverno dissessem
despertei de um sonho que desconheço,
desconheço por onde ia.
Para este corpo estúpido
alegria são os matos
em pureza que
encontro em sonhos.
Lágrimas acumuladas que brotam
do fundo dessa desolação!
Finalmente parecem dar mostras
de tornarem gélidas.
Trinta centímetros de neve acumulada, agora está com ares de inverno:
A claridade vinda da luz da lâmpada
por entre as brechas da janela
infiltram e gotejam águas
de neve derretida.
Aconteceu uma aula ministrada pela instrutora feminina vice-diretora Maruyama. Dentre os episódios narrados, escutei com bastante interesse sobre diálogo entre um assaltante de estrada e o Santo de Ômi, Nakae Dôju. (Dois poemas):
Ouvindo o diálogo
entre o assaltante de estrada
e Nakae Dôju,
pessoas que ajoelham uma para a outra.
Prostrado de joelhos
o rosto no chão
sente leve vergonha
de seu povo ter se tornado ladrão.
Nesta noite fria,
ainda tremendo, as mãos em tremor
escrevem letras
que por certo ficarão esquisitas.
Eu, esse parvo, dobrei
o resto pendurado da manga
da roupa e costurei,
mas foi para fora que a dobrei!
Terminado de ler as notícias
da capital, aperto forte entre os dedos
dormente e sumidiço
escuto a neve revoltosa.
Parece que mais um
perdeu a sanidade
sopra a neve nessas janelas de ferro,
dia após dia a dia após dia.
Não há também a desolação
do, igualmente prisioneiro,
que zomba daquele que
enlouqueceu de tristeza?
Sopa de fuki
MAIO, 1926
Temporada de chuvas (dois poemas):
Vão sumindo os matos de corda
do muro de tijolos
cai a chuva de temporada.
Mais do que as andorinhas
mais do que os pardais
são os pombos na temporada de chuva.
JUNHO
Acordo ainda com sono:
Estarão as flores
de bolsa-de-pastor despertas
no jardim nublado?
Na cela escurecida pela chuva
uma sopa de fuki
sem fragrância alguma.
Com apenas um versículo
a sopa de fuki
ganha uma ínfima fragrância.
Fresca da manhã (cinco poemas):
Desperto naturalmente
sem nenhum sonho
nuvens puras.
Nuvens puras da manhã
os azulados mosquitos
que vêm se espalhando.
Nuvens tingidas
deixam escapar
a lua da manhã.
Como o orvalho
das folhas de lotus,
a fresca lua desta manhã.
Encantado com
a pureza das nuvens,
o aroma de lotus emerge.
No gramado feito no centro, flores de roseiras e íris-japonesa floresceram. As roseiras carmesim e brancas, as írises roxas e brancas juntas resistiram a chuva e, sob o pinheiro, são entumecidas por uma leve brisa. (dois poemas):
Empapados pelas chuvas
do fim de tarde
as roseiras e o gramado.
Iris-japonesa
meu chapéu trançado
não é nada lustroso.
Pulga (dois poemas):
Entre as frestas iluminas
do assolho, pulgas.
O aroma de sol.
As bárbaras vindas
dos países das pulgas
por certo são um tanto diversas.
JULHO
Lavo a caneta tinteiro de vidro
tênue noite
de verão.
Ó aranhas em suas teias,
como figura-lhes
meu mosquiteiro pendurado?
Pendurado o mosquiteiro
mais fácil perder de vista
as paredes em minha volta.
AGOSTO
Em um repentino clarão
por certo uma vespa,
calor abrasador.
Soterrado em uma
pilha de restos de fio
meu leque.
Cume das nuvens!
No mínimo o ressoar
das ondas do Cabo de Tappi.
Brisa fresca vinda pelas nuvens do arrebol; Os cabos de eletricidade que recebem as andorinhas:
Filhote de andorinha
voe voe
o vento soprará sua calda.
Ilha flutuante em nuvens
no céu do mar,
o pássaro migratório.
Ó, meu querido leque
pisoteado!
O som de osso de outono.
SETEMBRO
O olhar do rosto que envia
as andorinhas de volta para sua terra:
pombo do telhado.
Manhã em que partem
as andorinhas,
contos dos pardais.
Ó tufão de fim de outono! Tufão de fim de outono! Ó Marcha heroica...:
O biguá se esconde,
o milhafre-preto luta,
tufão de fim de outono!
Céu de outono
que envolve em vermelho
o Castelo de Kinojô.
Pensamentos aleatório:
Outono evidente,
perco ainda mais
a frieza do olhar.
O som das asas
do pombo que voa indulgente
evidenciado em outono.
Galopa em encontros
no jardim
vento de outono.
Enxugo o suor do exercício
mosquito,
dormirei só.
Abro minha refeição,
inseto de cevada,
ventos outonais.
Atravessando as nuvens
luminosidade branca:
sapo outonal.
O preto-barro
do mosquito filtrado
pelo vento outonal.
Faço da água crua
meu medicamento,
insetos de outono.
A lua da manhã
caminha ocultamente junto
a borboleta do outono.
A mosca pousa exatamente
no bule de madeira de água quente,
frio matinal!
OUTUBRO
Penso na água
brotando prodigiosamente
será uma longa noite.
Sentimento de contentamento com o outono ensolarado:
Certamente é uma libélula-vermelha!
O homem que desembaraça
o mosquiteiro.
Em desesperada voz
um voo zumbindo,
mosca de outono.
Outono transformado em pó
espalha-se, espalha-se,
libélulas-vermelhas.
Muro velho e adormecido
de alvenaria?
Libélulas vermelhas.
Penetrou em meu ser!
a asa quebrada do milhafre-preto
que transparece no arrebol.
Ó sapo que murmura esta manhã!
Onde será que
cai granizo?
Pardal marrom-queimado
na couve-de-folhas,
inverno que se aproxima.
Sopa de abóbora chinesa
amarelo-pinheiro,
também está no primeiro mês do inverno.
Paisagem a minha frente:
O monge que sorri
ao erguer em oferenda um crisântemo
para o céu anil.
Além dos campos de plantação
de vegetais em que o granizo caiu,
será ali a ala hospitalar?
Três pombos
ali no telhado do hospital,
cai uma chuva de granizo.
NOVEMBRO
O pisar quando se está doente!
o brilho luminoso
das texturas das coisas.
Óculos gelados,
ergo o rosto para o céu
após a chuva de granizo.
Minha sem limites ingratidão de filho, hoje a figura de minha mãe já envelhecida surgiu em minhas lembranças:
As rugas das mãos
pó de carvão frio
estará onde se encontra.
Vejo os brotos invernais
de mato e, mais uma vez,
retorno a máquina.
Ao costurar com a máquina
meus dedos ganham
a cor deste mês de inverno.
O presidiário que parece mais velho
se banha ao sol
junto a relva seca.
O som de geta
que volta depois de apanhar água,
Árvores secas.
Parece que está aprendendo
a tocar a corneta,
Manhã de geada.
A trovoada cessou,
será o corvo que voa
frigidamente?
A instabilidade incessante
das águas de meu coração,
é este frio!
As unhas de meu dedo
deformaram o trabalho,
dia curto.
A sujeira de meu colarinho
também está fria.
Ganso de inverno.
DEZEMBRO
Dia de tempestade de neve
o capelão espiando
por entre a janela.
Pela janela da vida
a treva murmura
e se espelha a neve.
Envolvido pelo breu
dessa neve que cai
e que pode se tornar promissora.
Enquanto observo a pureza
do fogo luminoso,
o ouvido está na neve.
Assusto-me com o azul
desta noite após
a neve cessar.
A garrafa de água quente
repentinamente soa no meu bolso,
também é desolação.
No pavilhão de aconselhamento:
Eu, sozinho,
sento-me afastado,
é este frio...
Do dia 24 dezembro do décimo quinto ano da era Taishô (1926) e, em seguida, durante sete dias do ano inaugural da era Shôwa, agora finalmente a chuva parece que irá cessar:
Cai ruidosa
a neve sobre o telhado,
o ano que se vai.
JANEIRO, 1927
Um gato perdido mia no telhado, pálida luz solar:
Ó homem obtuso
que vive nas paredes!
Luz solar invernal.
Sozinho
diante da janela,
a profundidade das nuvens invernais.
Gripado e com febre:
Tépida lágrima
de meus olhos gripados,
reflexo de chama.
O laço entre o carcereiro
e o prisioneiro,
neve borrascosa.
O ato pio diante de tanta água gelada; O sabor é lá outro milagre!:
Ó água gelada!
O prazer em bebê-la
subindo à cabeça.
FEVEREIRO
Para lá da voz
desta tempestuosa neve,
estará a sociedade!?
Chora minha garrafa
de água quente em meu bolso,
e o vento de inverno.
Pequena Mako! Pequena Kimi!
Penso como seria ótimo
que errassem ao escutar
estes ventos de inverno.
O que é isto distinguido
no mais profundo do ouvido
por essa solidão de inverno?
Avistei o descontrolado homem da cela do outro lado que me chama de “porco”:
O algodão de seu quimono
retorcido também
ruma para os recantos.
A cor da lua começou a tornar-se um amarelo brumado. Escuto o som do miar de um gato de rua. O solo está coberto por neve, mas em algum lugar já se faz sentir os aromas da primavera:
A lua tornou-se
um tanto mais nebulosa,
a respiração dos gatos.
Ao apagar o fogo do carvão
com um tanto de neve,
o corvo grasna.
Coisas desoladoras
nos fundos das casas,
rio de inverno.
Árvores e vento!
O carro do presídio
segue deslizando pela neve.
Neve branca que cai perene em pequenos flocos. Um considerável frio.:
A voz que grasna cuá-cuá
por entre o dentro
deste céu de neve.
Nariz escorrendo,
queimaduras de frio,
o corvo que grasna cuá-cuá.
Enfermo e de cama (dois poemas):
Próximo de minhas pálpebras
sonolentas,
as nuvens de primavera que não tardam.
MARÇO
A beleza do sangue
do ferimento da perfuração.
Neve primaveril!
Em minha janela,
rouxinol, o anunciador da primavera,
e também o pardal.
Com um tanto de febre corporal, sinto a cabeça pesada como se a lua de primavera estivesse bastante nebulosa, os pensamentos alucinantes vieram à tona.:
Doença que se aproxima
nesta noite nebulosa,
veneno de borboleta.
Os rastros destas queimaduras de frio nos dedos de minha miserável mão. Ó deusa da primavera, riam deste teu servo:
Ergo à luz do
sol da primavera,
ó pejosos dedos!
A neve que ainda resta,
olho para trás,
capaz de retirar as pulgas.
Sopre vento do leste!
aroma de cânfora
nessa sopa de tom piche.
Ervas em broto
minhas meias imundas
a chuva em piedade.
ABRIL
O calor de arrancar
minha velha pele
queimada pelo frio.
Autoelogio:
O pelo que saiu
de dentro de meu nariz
cá para fora no calor!
Enumerando os anéis dos anos
de crescimento da madeira no assoalho:
um longo dia!
A diversidade dos cascalhos
molhados pela
chuva primaveril.
Ó rebentos!
O cuidado de pisar
calmamente este solo.
Da intensa chuva
que observava cair
para o céu primaveril.
A tranquila face
chutada pelo
filhote de pulga.
Ao escutar o som da lida com o campo de plantação do jardim (dois poemas):
O algo que desolado
baque da lida do campo
a pessoa que desfere o golpe.
Também pelo som
da lida do campo
a desolação em você.
Levando este dia lento
embriagado pelos
haiku de Buson.
O pardal também adormeceu
com as batidas!
Lida do campo!
A cor do sol!
Aroma de musgo da primavera
nas sandalhas de palha.
Monge Kingyû:
Abraçado ao pote de comida
e dançando!
Vento de primavera.
Monge Zen Budistas Daibai:
O vosso rosto também
de tez nevoada,
flor de pinheiro.
Escuto, ao acordar aquecido,
a chuva de primavera,
os pombos.
Patas de pombos
como corais,
novas folhas verdes.
O monge perguntou a Dairyû, ‘quando o corpo físico de buda é decomposto, de que forma ele pode assumir um Darma sólido?’. Ryû respondeu, ‘as flores abertas destas montanhas são como brocados, a pura água que enche este vale é como o verdadeiro índigo’.:
Imensurável luz,
Incomiserada luz,
céu primaveril!
Luz solar em minha janela
desse sol gentil,
longo segundo ano.
Lixo primaveril,
mais espesso do que o necessário,
linhas de missanga.
Ah!, o chilreio!
Cozinha a refeição
com a canola em flor e tudo.
Os pombos também
estão todos saindo para fora,
tarde embrumada.
O dia ficou mais longo, o tempo em que voltava para casa ao acabar o trabalho mais cedo enquanto ainda era aprendiz figuram-se ainda mais luminosos:
Ah, o chilreio!
O humor crepuscular
do prisioneiro aprendiz.
Alvejado de bosta
pelo passarinho,
quentinho!
MAIO
Oh!, seres celestiais!
Quando o milhafre-preto canta
nesse remate de primavera
Meu chapéu trançado
resguarda consigo
a bolsa-de-pastor.
Fazem soar
as bolsas-de-pastor
nesse fim de primavera.
Dancem, nuvens!
Três flores
na azaleia seca.
Ontem caiu uma tempestade, escutei os primeiros trovões:
Primeiros trovões.
O céu clareia,
face rosada da andorinha.
Fins de primavera,
a roupa do presidiário é vermelha,
a da noite é azul.
Subalterno, escutamos
os dois,
temporada de chuva.
Temporada de chuva!
Faz sete meses
deste enxerto de algodão.
Dão para muitas pessoas
enfermas e acamadas
a sopa de fuki.
Sopa de fuki:
garrafa de medicamento
ao lado da refeição.
JUNHO
Céu nublado em
temporada de chuva
constante voz de mozu.
Mozu da temporada de chuva,
a dor de meu pé
que não se afeiçoa a máquina!
Tempo aberto durante a estação de chuvas, as libélulas dão o ar da graça:
Tênue calor
ergue-se em fumaça
Violácea.
Jogo meu pé inchado
sobre o futon:
noite de temporada de chuva!
Além do vidro da janela,
gotas de chuva,
aqui dentro as moscas.
Vou tomar banho. A belverde que foi colocada na praça ao lado da casa de banhos está verdejante e frondosa:
A plantada e abandonada
belverde:
temporada de chuvas.
Ao voltar após ter renovado meus ânimos no banho, a chuva também tinha cessado. Depois de muito tempo, o jantar será tofu gelado.:
O céu transformado
em uma pintura em água
de tofu gelado.
O sono ao acordar:
Pela janela por onde
o demônio do sono foge
derrama-se a névoa do verão.
Em alto volume
no nascer do dia:
o galo e o cuco-pequeno também.
A floração descontrolada
da inutade,
tempo bom em meio a temporada de chuva.
Curta noite,
sonhos e nuvens despedaçadas,
faço meus votos às nuvens.
Mês de junho,
as minhas tão amadas
nuvens da manhã.
Acaricio inocente
os vestígios das pulgas,
nuvens da manhã.
A noite já está cerrada,
o som da pulga
saltando sobre os escritos.
JULHO
Um filhote de andorinha
entrou em voo
no local do aconselhamento.
Filhote de andorinha,
os pais prescrutando
as nuvens ao longe.
Em tempo de iluminação favorável,
algaraviada
dos pardais.
Soa a cigarra,
carrego a vasilha
com o resto de comida.
Amontoado de
homens suando em bica
que cheiro é este?
O dia em que a
Borboleta eunica voou pela
janela de onde vejo as montanhas.
A doce alvéola
no telhado,
durante o banho.
Flores de beringelas caídas,
campo molhado,
vento matinal.
Desolação em calor abrasador:
Tranquilo e intenso sol
o cavalo mordendo a peneira,
quem me dera...
O mosquito do ano passado
também secou no calor
das juntas do livro.
Em um banho de chuva
o canto alto da alvéola
afundada.
O deleite do sabor
destes poemas
e destes pepinos.
Chá de ervas torrada com sal
como lanche e um leque,
o ciciar da cigarra.
Essa nuvem afiada feito foice
se esconde repetidamente,
ah!, o morcego!
Tintura doirada de três meses,
obtusa mosca,
cavalo comendo.
Fecharam-se as cortinas
de nuvens,
estrelas de minha paixão.
Alguém por aqui
deixou escapar um ah!
Distantes fogos de artifício.
Outono precoce,
uma borboleta índigo-profundo
em voo altivo.
O inseto de outono
que vem ao meu mosquiteiro cantar,
que intimidade!
Conveniente claraboia
das beringelas,
pássaros migratórios.
Formigas cutucando
desde o traseiro,
cigarra de outono.
Primeira tempestade,
assusto-me com um enorme
milhafre-preto.
SETEMBRO
A fresca outonal
a oeste entra pela janela
luz solar matinal.
As andorinhas
voltarão hoje?
Fogos de artifício do entardecer.
Sombra de nuvem
refletida em uma nuvem,
tempo aberto outonal.
Andorinha se foi,
em forma de que filhote
a primavera virá...
O inseto que canta a chuva
a noite de fogos de artifício
clareando.
Cogumelo kitsunetake
que nasce nesta noite
sem luar.
O sapo como
se fosse bronze,
neste vento outonal.
Restos de palha,
para as formigas, o passado
vento de outono.
Levantei-me para urinar durante o arrebol, casualmente olhei a lua por entre as nuvens:
Olho para a lua, mas
essa desolação sem
nada de tristeza.
Diversos pássaros
atravessam em canto,
longa noite de outono.
Se escuto com a atenção devida,
os insetos de minha cela
também cantam.
Condolências a Akutagawa:
Escutará o som
dos insetos que cantam
debaixo da terra?
Cobre os arbustos
O mosquiteiro outonal posto ao ar,
fundo da prisão!
Crepúsculo!
Libélulas voando
assim tão alto!
Mesmo as pedras
assumem uma tez cansada
libélula-vermelhas.
Insetos da tarde
pensam, debaixo deste cascalho,
meu mundo!
Para o barbeiro:
Enxagua a navalha
no orvalho
das folhas de batata.
OUTUBRO
Brancas nuvens
iludem a tarde,
longa noite!
O ninho que pende do toldo,
palha e libélula,
ensolarado.
Se abandono minhas ideias,
o sono
libélula-vermelhas.
Se piso no solo,
sua reverberação,
pássaros migratórios.
A garça-branca voa
as trevas da longa noite
outonal murmurou.
Ó libélulas,
as ervas que rastejam no jardim
também possuem o caule vermelho.
Primeiros granizos (dois poemas):
Experimento lamber
os granizos que
adentram pela janela.
Observando
a mão em que o granizo
vai desaparecendo.
Em nobre voo
segue para a lua da tarde,
borboleta do outono.
O ganso selvagem em desordem
atravessa extenuante
e profundamente desolado.
Em harmonia
com o ganso,
o saber desta desolação!
Obcecado com
as flores de beringela:
a morte até dos galhos mais finos.
Frutos das ervas!
os pardais também têm
essa face tão afiada.
Este sentimento,
os gansos atravessando
transversalmente.
Corpos que se distanciam,
como os pensamento:
gansos ao longe.
Vozes do outono:
essa quantidade absurda
são pedaços de papel ou borboletas?
Vago frio
toca o pardal
e a minha face.
Dispo meu chapéu trançado
e o ofereço
à libélula.
Já não passo
da verdadeira libélula
em efemeridade.
Aguardando uma carta
que certamente virá,
arremate de outono.
A belverde
virou vassoura,
som do vento.
NOVEMBRO
Dispersam-se também
todos os pardais de uma vez,
vento das folhas das árvores.
Temporada de chuvas outonais,
folhas de árvores misturas
na conserva de vegetais,
O toque leve das nuvens,
o respiro das estrelas
entrando no inverno.
Esfrego as mãos, ruídos
raspando, raspando
ruídos das folhas caídas.
Aquela libélula,
esta noite pode ser seu fim,
cai uma chuva fraca de temporada.
Parte o milhafre-preto,
pardal que espreita
o céu invernal.
O gato do telhado
que pela noite ataca o pardal,
vento gélido invernal.
Enxerto de algodão!
O calor do sol
penetra em meus ossos.
O pardal se aproxima
do monsenhor pombo,
por certo é o frio!
Cai a chuva de temporada,
a refeição acompanhada
de um balde de água quente.
Moscas de inverno
ainda mais
austeras.
Moscas de inverno,
duas folhas de papel higiênico
postas na prateleira.
O vento invernal ficando
cada vez mais gélido,
o pombo perdido.
Avoluma-se o sangue
da ferida da punhalada,
gélido vento invernal.
Escurece:
das maculadas nuvens
chove granizo.
Banhando-se ao sol
seu corpo,
esqueleto de árvore invernal.
Permeada por quietude
e luz solar,
esqueleto de árvore invernal.
Resisto em escutar
a voz do mais alto céu:
corvo invernal.
Se abandono meus ouvidos,
reverbera o som
da areia raspada.
DEZEMBRO
Da cúspide
do pinheiro de geada
avisto o muro de tijolos.
Geada nos vegetais
ensolarado distintamente,
caligrafias.
Curto período
junto as ervas invernais,
se me afasto do aroma de nanquim.
Profundos vegetais verdes
sobre negra geada em solo
sob o sol.
Como a Via-Láctea
cheio de nuvens,
noite frígida.
Abaixo da janela de metal:
as pedras
e azaleias secas.
Os pequenos brotos invernais
espalhados aqui e ali
no solo que piso.
O que enxergo
através do buraco das nuvens!
Nuvens de clima seco.
Tinta cinábria
pingando óleo,
a frígida luz da lâmpada.
A frigidez da pedra de nanquim
esfregada com frequência,
chuva de granizo.
O canto azulado
pelo cessar
da neve em flocos.
Recebi uma graxa para queimaduras de frio e a garrafa de água quente:
Três dias de
graxa para queimaduras de frio,
serragem de madeira.
Encosto as faces
na calorosa garrafa
de água quente!
A fuligem varrida
soprada para cá e para lá
por este vento.
Experimento as atividades de solista
Árvores secas de inverno (cinco poemas):
Avisto ervas verdes
nos altos galhos garfados,
árvores de inverno!
Mais do que as amoreiras
são os galhos invernais do pessegueiro
que o pardal mira.
Até onde posso ver,
protuberância da amoreira,
torrão de terra.
Por toda a extensão do campo
cerca de contenção aqui e ali,
árvores secas invernais.
A obstinação das pessoas
desta casa,
sabugueiro invernal!
Atividades; Incêndio (sete poemas):
Noite de muitos incêndios
aparas de madeira voando
ao vento.
Incêndio ao longe,
anciãs e velhas árvores
turvamente visíveis.
Pássaro do lago
mitigue meu coração,
ruinas incendiárias.
Incêndio no templo budista,
resplandece o poleiro
dos corvos.
Dispersas fuligens
do incêndio arranjadas
sobre o narciso.
Fradinho chilreia,
Mas o que!, um incêndio
No barco em mar aberto.
Fogem do incêndio
mulheres de bordel,
neve caindo flutuante.
●
Poema de despedida:
O vento da neve
desaparece junto a
tanta angústia.
RESTOS DE POEMAS DE KYÛTA
Estes que registro aqui são meus poemas antigos que consegui recordar; mas somam um todo ridiculamente escasso. Creio haver mais alguns que fossem razoáveis, mas não consigo de forma alguma recordá-los. Contudo, se não consigo recordá-los por certo não passam de péssimos poemas cheios de artifícios e, portanto, com esse triste e amargo sorriso que surge em meu rosto, compreendo que, certamente, nenhum deles deve ter sido composto a partir de um profundo sentimento.
Primavera
Por volta de 1909:
Precoce primavera:
o moroko
reluzente
sobre as algas fritas.
Por volta de 1912:
Cálidas águas aqui e ali,
direciono-me a elas;
reunião de composição poética.
Atsumorizuka (por volta de 1913):
Venero
em penumbra
flores de azaleia!
Por volta de 1916:
O cavalo
urinando quente,
salgueiro de Guinza!
Verão
Por volta de 1905:
Fragrância de mato,
fragrância de árvores:
primeiras cigarras!
Por volta de 1908:
As crianças debanando
ao ouvir o comedor de gente!,
um morcego.
Adubar as abóboras,
rebentos de minhocas
e um incenso para mosquitos
Por volta de 1911:
A chuva caindo
sobre a hortênsia:
aniversário de morte de Ogata Kôrin.
Por volta de 1916:
Esmago nas mãos
um peixinho dourado:
angústias desta lasciva.
O homem que sonha
durante o dia
e seu quimono de verão desbotado.
Por volta de 1921:
Em viagem,
o missô com gordura de Ryûkyû:
canta a cigarra!
Outono
Por volta de 1908:
A dor na língua
do fruto de gumi!,
canto do mozu.
Por volta de 1909:
O caranguejo fedendo à orla
trepa em minha manga,
aranha de outono.
Por volta de 1910:
Vida reclusa
disputa de forças partindo galhos
canto do mozu.
Por volta de 1912:
Mastigando folhas
amargas de pinheiro:
sibilante canto de mozu.
Fumaça dos fogos de artifício
em despedida,
voando com as nuvens.
Por volta de 1913:
Dê-me a temporada
de cristas-de-galo,
dono desse rude muro!
Inverno
Por volta de 1905:
Oh, kotatsu!,
ouço o som
de assombrosas ondas.
Por volta de 1912:
Cinzas de lenha,
o sono:
pássaros nas folhas de nespereira.
Inscrições em pedras e talos
vejo o peregrino
fugindo do frio.
As meias brancas
desta noite de inverno
seguem alvamente.
Compostos em cárcere – 1918, 1919:
Frígida luz
nas ripas do assoalho:
sal derramado.
Pássaro que vaga no fundo
do fundo firmamento:
manhã invernal!
Diversos
Por volta de 1916:
Para afundar até a gordura
eu agarrei
a moeda de cobre.
Envelheça enquanto
a nicotina ainda flui
pelo pito!
Minha triste mania
de morder e quebrar
o cabo do pincel!
Breve histórico pessoal
1893 (Meiji 26): Nascido no dia seis de fevereiro (no registro primeiro de maio) em Azahigashi, na Vila de Akashi, em Akashi-chô, no distrito de Akashi da província de Hyôgo. Filho de Kyûemon, 54 anos, e de Tsuyu, 44 anos, meio-irmão de Shige (filha de outra mãe), 9 anos, neto de Shika, 72 anos, membro de uma família de cinco pessoas em que o pai trabalhava como recepcionista em uma certa loja de atacado de peixe fresco em Akashi-chô e conseguia sustentar a duras penas uma família. A renda mensal era de, por volta, sete ou oito ienes.
1895 (Meiji 28), 3 anos: em fevereiro meu irmão Jûzô nasceu. (Contudo, aos três anos foi adotado por um parente, Sakamoto Kamezô, e atualmente vive na cidade de Himeji) No outono deste ano um grande tumor cefálico maligno apareceu nele e esteve à beira da morte. A calvície e a cavidade que atualmente carrega na parte traseira a esquerda da cabeça é herança desta época. (No ano precedente nos mudamos para Ôte-chô, na Vila de Akashi)
1900 (Meiji 33), 8 anos: ingressei na Primeira Escola Elementar Ordinária de Akashi. Após e durante os quatro anos até a formatura fui vice-chefe de turma.
1904 (Meiji 37), 12 anos: em abril ingressei na Escola Secundaria de Akashi. Em junho, devido a uma doença ocular e na pleura, fiquei de licença escolar e acabei por abandonar os estudos. Nesta época, minha meia-irmã Shige e meu meio-irmão Takejirô (filho de outro pai) noivaram e juntaram as famílias para iniciarem (não havia herdeiros vivos entre os parentes) a família Imadachi. Em outras palavras, agora viviam com minha mãe Tsuyu em Fukuyama-chô, na cidade de Himeji. Ele era um artesão de geta e viviam em grande miséria. (Nota: meus pais se casaram tarde e ambos já possuíam várias crianças de casamentos anteriores, entretanto todos ou estavam desaparecidos ou já eram sucessores de outras famílias, no que restavam somente a mim e o casal Imadachi a responsabilidade de cuidar deles na velhice).
Nesta mesma época, nos mudamos para a área costeira de Higashihon-machi, no mesmo distrito, e minha mãe iniciou um comércio de tabaco e de pequenas quantidades de geta. Pouco depois de deixar a escola me tornei aprendiz de artesão de geta sob os cuidados de meu irmão mais velho, mas, em novembro, fui dado como aprendiz de loja aos cuidados de um parente distante, Kida Kenzaburô (que tinha um negócio de venda e compra de ações e títulos), na primeira quadra de Kitahama, no distrito de Higashi, em Osaka.
1905 (Meiji 38), 13 anos: em janeiro, através da recomendação de Kida, passei a ser aprendiz de um corretor de bolsas, Sakazaki Tôbee (posteriormente a loja foi renomeada como Loja Takahashi Yasujirô). Pela noite frequentava a Escola Vocacional Suplementar de Aijitsu em que segui estudando por volta de três anos. Aprendi o ofício de vendedor e o haiku, foi nessa época que primeiro usei meu pseudônimo “Kinkô”.
1907 (Meiji 40), 15 anos: após me aconselhar com Kida, nesse mesmo ano, após muita insistência, consegui férias com o Takahashi e me tornei funcionário de Kida. A família de Kida estava em grande desordem, e como o chefe da casa era um ex-presidiário, a loja já não tinha credibilidade nenhuma. A loja se mantinha somente através de algumas ações fraudulentas. Imerso nestas condições, eu também acabei mergulhando nesse mundo de crimes e prazeres autoindulgentes e, no ano seguinte no outono de meus dezoito anos, sofri com uma gonorreia agressiva e com a sífilis. Após isto e até os dias de hoje, às vezes essas doenças me vêm agressivas, às vezes perdem forças, mas nunca se curaram.
Minha paixão pelo haiku cresceu ainda mais e entrei em contato com pessoas de renome no meio e participei de encontros poéticos.
1909 (Meiji 42), 17 anos: em junho saí da loja de Kida e passei a trabalhar na mesma cidade na Loja do Corretor de Bolsas Amasaki Aizô. Passei pela cerimônia de maioridade masculina e passei a usar o nome “Kuna”. Trabalhei ali até o outono de 1911, mas, durante esse tempo, meu interesse por política e ideologias cresceu muito e comecei a participar de assembleias e encontros de estudos com fervor. Além disso, também havia um funcionário de nome Nagao Shinichirô que tinha uma relação forte com as pessoas em torno de Ozaki Yukio e que, além disso, anos atrás esteve em Hokkaido junto a comitiva do socialista Nishikawa Kôjirô para fazer discursos. Através do contato com este pessoal, minha concepção política e ideológica mudou bastante. Contudo, nesta época eu ainda não sabia de nada sobre o socialismo.
1911 (Meiji 44), 19 anos: no outono deste ano, devido a algumas circunstâncias, o gerente Ôtani Isao e outras quatro ou cinco pessoas deixaram a Loja Amasaki. Assim, aguardando outra oportunidade do Sr. Ôtani, vivi com ele como seu convidado.
Ele possuía um estoque bastante variados de livros. Eu passava meu tempo livre lendo aqueles livros. O Sr. Ôtani gostava das pessoas envolvidas nas mudanças políticas da Restauração e debatia sobre elas, respeitava principalmente Katsu Kaishû. Em contrapartida, eu tinha interesse pelo Partido Liberal e nutria respeito e afeição por Nakae Chômin. Em um único dia eu li os escritos deixados por Chômin, Ichinenyûhan e Zoku ichinenyûhan. Ao verificar o editor dos livros, vi o nome um tanto suspeito do rebelde Kôtoku Shûsui. Eu fiquei dolorosamente surpreso com isto. Em seguida, para compensar, descobri com grande surpresa que o Chômin sensei também tinha passado pelo pincel do Shûsui e que, mais do que isto, o próprio tinha sido o melhor discípulo de meu amado e respeitado Chômin. A partir desta época meu desejo de conhecer o socialismo ficou muito mais forte.
1912 (Meiji 45), 20 anos: em janeiro, fui ajudar um certo pesquisador de preços de campo (isto é, um apostador) em Kobe, e em março voltei pela primeira vez para Osaka (para a área do Sr. Ôtani), mas, durante minha estadia, me envolvi numa horda do movimento de proteção da constituição, presenciei a destruição da mansão do parlamentar Kodera Kenkichi e meu sangue ficou em êxtase.
Em maio, junto a alguns companheiros, publiquei a revista de haiku, Kamiginu, para nos introduzirmos propriamente ao mundo literário deste gênero. Este também foi o fim da minha paixão pelos haiku.
Como não parecia que outra oportunidade apareceria para o Sr. Ôtani, a partir do início do verão tornei-me vendedor de porta-em-porta de uma empresa de ações e comecei a agir como mediador de pedidos da Loja de Corretagem Okuda Asajirô e da Baba Nôshoku e vivia agora em uma pensão na terceira quadra de Kami-fukushima, no distrito Kita. Todavia, entrando em julho, a loja de corretagem de Baba faliu e a de Okuda anunciou que suspenderia os pagamentos. O que levou a perda de todos os clientes. Além disso, os poucos títulos públicos que havia recebido no passado de certo amigo e o pouco de dinheiro que tinha ganhado ao enganar meu pai fazendo-o comprar ações de uma empresa de peixe cru, tinha desvalorizado no mercado e acabaram esfumaçando. Não pude deixar de sentir uma profunda vexação. Principalmente por nessa época, como resultado dos muitos anos com o vírus, estar sofrendo de uma neurastenia sifílica forte que me deixou soporífero, desesperado e acabou me levando a decidir pelo suicídio e, no início de agosto, cruzei de barco o mar rumo a Tosa.
Desembarquei no porto de Kôchi e no dia seguinte passei a noite em Minamihata-Usa. Havia decidido que o local da morte seria no desfiladeiro do Templo Shôryûji, mas ao chegar lá não consegui me jogar, e, à noite, já na estalagem, não consegui terminar de engolir toda a loção para cabelo Nice. Sem alternativa, deixei meu casaco e outras coisas como pagamento da estadia e rumei para o norte me embrenhando pelos caminhos da montanha em busca de um lugar em que pudesse cair morto. Após três dias vagando, surripiando plantações e tomando água com as mãos, sai nas Minas de Cobre de Besshi, em Iyo. Ali, repentinamente mudei de ideia e me voluntariei para ser mineiro de cobre, mas não me aceitaram e, assim, retomei a minha deriva. Após isto, fui salvo por uma cabana de lenhador, ou ainda por uma parada de peregrinos ou ainda por camponeses e, às vezes, tirava a sesta em cima de montes de palha debaixo dos telhados das pessoas após mendigar comida e, desta maneira, passei por Mishima e Kan’noji e sai em Sanuki Marugame. Naquela noite, ao vagar pelas ruas de Marugame, as pessoas me olhavam com suspeita, eu implorei ao policial por um lugar para passar a noite no que ele me jogou no chão, tomado por forte emoção corri até o porto sem conseguir de fato me jogar na água, já que os pescadores me impediram de tirar a vida e, então, a aurora chegou. Repentinamente me recordei que naquela área vivia o Sr. Seijô, companheiro de haiku, e fui até Furutaimachi. Uma vez lá, pedi para que enviasse cartas para meus conhecidos de haiku que me encaminharam o dinheiro de locomoção e, no início de setembro, eu voltava sã e salvo para Osaka.
Ao chegar em Osaka, desocupei imediatamente a estalagem e trabalhei em certa gráfica como vendedor, mas em novembro me mudei como funcionário para a loja de Corretagem Kashiwabara Shigeya na segunda quadra de Sakaemachi, na cidade de Kôbe. Mas ainda assim não me dedicava ao comércio e me entregava a leituras de livros usados que caçava em sebos.
1913 (Taishô 2), 21 anos: devido a minha falta de empenho, fui demitido da loja de Kashiwabara em fevereiro. Atrás de uma ocupação que me permitisse algumas horas de lazer, me tornei então entregador de uma filial do jornal Jiji Shinpô que ficava próxima à ponte Aioibashi, na mesma cidade. No fim de março o já mencionado Sr. Ôtani veio repentinamente até o local de entregas e me disse: “se tudo der certo, vou me tornar administrador na loja de Okuda, você poderia vir trabalhar comigo”. Em outras palavras, ir para Osaka, me empregar na loja de Okuda e ser encarregado dos registros de conta margem. Em abril ocorreu o exame de conscritos do exército e eu fui reprovado e liberado do serviço militar por questões de saúde.
A partir de maio os sinais de minha neurastenia ficaram intensos, acabei caindo em uma estranha condição de paranoia e desespero e, no fim deste mês, fui, sem saber ao certo como, para Quioto e vaguei pela cidade sem rumo. Sem nenhum centavo e esgotado dormi na estação de Gojôbashi no que um policial daquela área me abordou e me levou em custódia sob a acusação de crime de vagabundagem, mas após três dias eu fui liberado e mandado de volta para Osaka. Voltei até Okuda, mas fui expulso ali mesmo e, então, fui trabalhar como entregador numa filial da loja de jornais Kitao em Sakaigawa, no distrito Nishi. Ali eu pude entender com certa convicção que o caminho que eu deveria seguir em minha vida enquanto um trabalhador sério definitivamente não estava no mundo de ações.
Após decorrer cerca de dois meses, recebi mais uma carta do Sr. Ôtani dizendo que me perdoavam e que era para eu voltar. Naquele momento eu já tinha passado pelo ponto de virada e não possuía intensão alguma de voltar ao mundo de ações, mas eu estava com planos de abrir um sebo a céu aberto e, como me faltava o capital, decidi voltar mais uma vez ao mundo das ações retornando à loja de Okuda, que havia me perdoado, para fazer os preparativos financeiros. Destarte, trabalhei ali durante este ano exaustivamente até terminar os preparativos, então me abri com o Sr. Ôtani sobre meus planos e, a partir da próxima primavera, iria poder ocupar meu novo fronte. Neste outono através de um anúncio de jornal tive conhecimento da publicação da revista Hechima no hana editada pelo socialista Sakai Toshihiko que eu logo assinei e comecei a ler. Foi aqui que meu primeiro contato com o socialismo se efetivou.
1914 (Taishô 3), 22 anos: em janeiro, em Fukushima, nesta mesma cidade, aluguel o segundo andar de uma certa casa e comecei meu sebo à céu aberto. Por volta deste tempo, na minha amada Hechima no hana saiu o “Chiisaki hata ue” do Sr. Sakai, a revista mudou de nome para Shinshakai e começou a se concentrar mais em difundir o socialismo. A tônica argumentativa era de que a viciosidade que reverbera da sociedade moderna era condizente com a mordacidade e falácia da instituição social e eu sentia meus olhos brilharem e meu sangue ferver à medida que ia lendo cada linha daquilo. Foi nessa época que também comecei a ler a Baibunshû e a Shakaishugi rinrigaku de Sakai. Destarte, meu espírito foi tomado ainda mais pela natureza do socialismo e meu campo de visão, após uma mudança de direção, ficou ainda mais amplo. Eu já estava pronto a sacrificar meu corpo por este movimento, mas ainda era tomado por dúvidas quando recordava meus pais já tão velhos que ainda estavam neste mundo aguardando o sucesso do filho e quando pensava nas duras batalhas que alguém de constituição tão frágil quanto eu dificilmente suportaria, nisso seguia negligenciado meus negócios enquanto passava dias e mais dias angustiadamente. Finalmente isto tudo culminou em novos sinais de minha tão conhecida neurastenia e, sem conseguir ter qualquer prospectiva que fosse clara, me senti desesperado, no fim de março vendi tudo que tinha e torrei o dinheiro em prazeres autoindulgentes e, então, sai mais uma vez em uma viagem à deriva e pela tarde chegava à Sanda, no distrito de Arima. Ao chegar ali, tentei, sem sucesso, me tacar nos trilhos de ferro e, na mesma noite, fui até a delegacia de Sanda e me entreguei sob o pretexto de algum crime, me tratando como um desvairado eles me mantiveram sob custódia. Passados quatro ou cinco dias, meu velho pai veio de nossa terra natal para me apanhar e me levar com ele. Até chegar em casa, meu pai só tentava acreditar que eu tinha ensandecido.
Ao regressar para casa, eu havia esquecido por completo tudo aquilo sobre socialismo e, comprometido com a senhora essa vida, só trabalhava para meu pai em um dia a dia totalmente ordinário em que não desejava nada além de um local para trabalhar com todas as minhas forças. Passou o verão e o outono já tinha chegado sem nenhuma mudança. Além disso, obstinada a manter as aparências perante a sociedade e os parentes (apesar de levar uma vida de completa miséria), minha mãe não permitia que eu trabalhasse como puxador de riquixá ou algo parecido e se zangava se eu saísse de casa com casaco de trabalhador. Eu era servido com estes sentimentos de minha mãe e entristecido e sem suportar continuar vendo a extrema miséria de casa, renovei minha determinação e em outubro voltei para Osaka para me tornar mais uma vez entregador para a minha velha conhecida loja de jornais Kitao, em Sakaigawa.
Destarte, ao entrar mais uma vez na vida de proletariado, o desejo ardente de dar meu corpo pelo movimento socialista voltou a queimar com ferocidade mais uma vez. Nos meus momentos de folga do trabalho de entregador, caçava por aí outros livros sobre o socialismo, além dos escritos publicados na Shinshakai e livros de filosofia, debatia fervoroso com os outros e amaldiçoava as instituições sociais. Todos os meus velhos conhecidos ficam estarrecidos e de olhos esbugalhados diante de minha mudança radical. Entrementes, através de contribuições minhas à Shinshakai comecei a trocar cartas com o Sr, Sakai, fui apresentado a alguns companheiros de Osaka (todos somavam apenas quatro pessoas) e comecei a frequentar os encontros. Em contrapartida, comecei a assinar e ler o Kindaishisô, de Ôsugi e Arahata, o Kaihô, de Yokohama, e, além destes, adquiri também as obras primas de Ôsugi, Rôdôundô no tetsugaku e Shakaiteki kojinshugi, recebi de companheiros edições clandestinas de Aos Jovens, Zenerarusutoraiki to keizaisoshiki no mirai, Rôdôkaikyû no senjutsu entre outros e, através destas leituras, acabei sendo tomado completamente pelo movimento sindicalistas.
1915 (Taishô 4), 23 anos: fui informado pelas cartas do Sr. Sakai e pelos panfletos de propaganda distribuídos por fábricas das redondezas que desde o Ano Novo estavam sendo vigiados pela polícia. Entretanto, na época em que este policial estava fazendo suas visitas eu já tinha tomada a decisão de me dedicar de corpo e alma ao movimento. Já havia confrontado meu empregador, saído do trabalho, me tornado um puxador de riquixás e alugado um local no segundo andar nas redondezas.
Não obstante, senti que havia a necessidade de ir uma vez até Tóquio para, em contato com meus veteranos, aprender as táticas do movimento e estudar escrupulosamente as teorias socialistas. Mas seja como for, quando consegui dinheiro para a viagem, de início, fui para Quioto. Ali, após juntar algum dinheiro trabalhando como entregador de jornais, parti para Nagoya no fim de maio. Confiei minha sorte em Yokota Sôjirô, editor-chefe do Jornal Aichi e que era um veterano nosso. Trabalhei ali por três meses e, durante este tempo, li diversos livros sobre sindicalismo e anarquismo da biblioteca de Yokota.
Em agosto, recebi uma recomendação de Yokota para nossos veteranos de Tóquio e segui para a capital entusiasmado. Após chegar em Tóquio fui imediatamente trabalhar como entregador em um jornal da cidade em frente ao Kura de Asakusa, pouco depois fui visitar a Baibunsha em Nagata-chô, no distrito de Kôjimachi. Em setembro, me tornei entregador de uma empresa de leite de arroz que ficava na Kawagishi, em Hama-chô, no distrito de Nihonbashi. No fim do mês, visitei meu camarada Watanabe Masatarô no segundo andar da livraria Nantendô, em Hongô-Higashikatamachi em que tive uma audiência com alguns camaradas. Muraki Genjirô também estava ali. Ele disse: “Hama-chô é muito longe, atualmente eu estou em um galpão de leite por aqui, mas pretendo sair de lá logo, que tal você ir trabalhar lá?”. Deste modo, em outubro eu comecei a trabalhar para a Loja de Leite de Ishiwata em Koishikawa-omotemachi e pude visitar incontáveis vezes Watanabe, me aproximar de outros camaradas, debater e ler muitos livros que pegava emprestado. Em novembro fui até a empresa de arroz para receber o restante de meus honorário, mas, por conta de um equívoco do empregador, eu não o recebi e, nisso, acabei ficando furioso e tomado por violenta ira. De modo que fui jogado na delegacia de Hisamatsu e só fui liberado após três dias, mas depois destes acontecimentos, voltei para a Loja de Leite Ishiwata com dois policiais me seguindo. O dono da loja Ishiwata se surpreendeu com a situação e me demitiu imediatamente. Naquela noite consegui dormir no salão de treinamento marciais da delegacia de Tomisaka e, no dia seguinte, fui visitar Watanabe e fui aceito como seu hóspede.
No início de novembro, entre os companheiros havia um certo plano, mas, para a tristeza deste novato, fui deixado de lado pelos companheiros neste plano o que me deixou bastante indignado, mas, de todo modo, estava convicto que existia uma forma específica em que eu deveria atuar no movimento e, em pouco tempo, entrei em segredo na Mina de Cobre de Ashio através de um recrutamento de trabalhadores. No quarto dos trabalhadores de Ashio, que era mais cruel do que poderia imaginar, fui usurpado de minhas posses e até mesmo de minhas roupas e, em seguida, vendido, por uma cabeça de um pobre ser-humano era pago quatro ienes e cinquenta centavos, e confinado em uma pequena cabana caindo aos pedaços. Existia desde aqueles que não aguentavam o trabalho e desertavam, os doentes, os que morriam esmagados, os que tinha pernas e mãos fraturados etc. Aquilo era aterrorizador. Os mais animados não faziam nada além de beber, apostar e frequentar as piranhas (prostitutas). Meus ideais de propaganda tinham sido miseravelmente destruídos e, naquele momento, eu estava mesmo com a vida em risco. De todo modo, na noite do dia quinze de dezembro em meio a uma tempestade de neve fugi, junto a um amigo, daquele lugar pela janela da latrina. Seguimos pela encosta do Rio Watarase atravessando neve, escalando escarpes até que no dia seguinte finalmente alcançamos um vilarejo remoto chamado Kamube, mas fomos capturados mais uma vez ali e nos levaram, após uma surra que nos deixou quase mortos, de volta para o quarto dos trabalhadores.
1916 (Taishô 5), 24 anos: no dia cinco de janeiro, durante uma ida ao médico (me feri em um desmoronamento), aproveitei de um descuido deles e fugi, corri até as linhas ferroviárias e pulei em um trem que estava para partir e, após diversos acontecimento, consegui, por fim, voltar a Tóquio no dia seguinte.
Fui visitar Watanabe na mesma hora, no que ele me recebeu com felicidade. Passei a viver junto a Hisaita Unosuke em um quarto naquele mesmo segundo andar da Nantendô, ajudei-o também em sua publicação independente da revista Rôdô seinen e meu corpo já estava completamente curado. Após isto, fui para o quarto de Yasuba em Koishikawa-Kasuga-chô e fui empregado como operário do setor ferroviário da prefeitura. Após outra mudança, fui para o quarto de Nakamura em Kandamisaki-chô e me tornei operário de uma fábrica de munição para artilharia de combate. Eu distribuía pela fábrica cópias do Rôdô kumiai de Arahata Kanson e, assim que fui descoberto, fui imediatamente demitido. Depois deste acontecimento, vaguei por estalagens baratas em Fukagawa-Tomikawa-chô e em Asakusa Namidabashi, trabalhei como operário na linha ferroviária da estação de Shinagawa, na empresa Shiibaura seisakusho e na Tôkyôshi denkikyoku, mas me mudei mais uma vez e me tornei entregador de jornais para o Kokumin Shinbun, em Hongô-Oiwake-chô, e, ao mesmo tempo, distribuía propagandas do hospital Heimin byôin junto a Watanabe Masatarô.
Naquela época aconteceram as eleições para parlamentares e o Sr. Sakai Toshihiko, em uma tentativa, se nomeou como candidato. Eu fui contratado como um dos ajudantes da campanha e, principalmente, distribuía panfletos e era recepcionista como ajudante nas preparações dos discursos; me esforcei bastante nestas tarefas. Se, após isto, eu fosse reconhecido pelo Sr. Sakai Toshihiko e por Takabatake Motoyuki, poderia me tornar membro da Baibunsha.
1917 (Taishô 6), 25 anos: a Baibunsha se mudou de Minami-Nabe-chô, no distrito de Kyôbashi, para Kôjimachi-Yûraku-chô. Enquanto ajudava na Baibun como zelador, aprendia, entre outras coisas, a arte da escrita com o Sr. Sakai. Um pouco depois, ajudei também na edição da revista Shinshakai, mas é claro que eu fui muito mais agraciado pelos conhecimentos de Sakai, Yamakawa, Takabatake e Kanson.
Por outro lado, através da calorosa e comovente excitação dos encontros que aconteciam desde muito tempo na casa de Watanabe e de seu amor paternal, brotos consistentes começavam a aparecer. Vendo isto, eu me sentia um tanto envergonhado de me dedicar somente à literatura na Baibunsha e, nisso, junto a Hisaita, elaboramos um plano e começamos a agir mais ativamente em um bairro pobre de Nippori onde alugamos uma casa. Por conta disto, deixei a Baibunsha em dezembro deste ano.
1918 (Taishô 7), 26 anos: no dia primeiro de janeiro, o casal Ôsugi, almejando iniciar um movimento sindicalista nas cidades dos proletariados dos subúrbios de Kameido, inicialmente tentavam colocar em circulação um jornal simples e elaborado só para os trabalhadores. Então, quando Ôsugi ficou sabendo de nós que também tínhamos um plano parecido, ele nos perguntou se não gostaríamos de o acompanhá-lo e somar nossas forças. Fui junto a Hisaita visitar Ôsugi e após conversarmos e trocarmos opiniões, decidimos de imediato que no dia seguinte iriamos sair de nossa casa em Nippori e ir viver junto com eles em Kameido.
Lançamos a primeira edição do jornal Rôdôshinbun em abril. Após a segunda e terceira edição, fomos proibidos de continuar publicando. O capital também tinha terminado. Em julho me mudei para Tabata, o casal Ôsugi foi para Kyûshû, e publicamos nossa quarta e última edição repleta com nossos sentimentos mais íntimos. Imediatamente fomos acusados de violar a lei de imprensa em que Hisaita foi sentenciado a um encarceramento de cinco meses e eu a um de dez e demos entrada na Prisão de Tóquio em outubro.
1919 (Taishô 8), 27 anos: fui liberado da prisão no dia cinco de agosto. O casal Ôsugi, Kondô Kenji, Nakamura Kan’ichi, Nobushima Eiichi, Hisaita Unosuke e outros, estavam articulando a Rôdô undôsha em Komagome-Akebono-chô, em Hongô e haviam publicado a primeira edição da Rôdôundô em outubro. Eu desci para Osaka e estava encarregado da filial da Rôdô undôsha em Karahori-chô, no distrito Minami, em Osaka. Em dezembro Ôsugi foi preso.
1920 (Taishô 9), 28 anos: todo mês eu fazia o percurso Tóquio-Osaka por conta da edição da revista. Ôsugi saiu da prisão em fevereiro. Em abril inauguramos a versão de Kansai da Rôdô undô. Em julho foi descontinuada.
Eu, mais uma vez em Osaka e sem estar ativo em movimentos, outra vez voltei a trabalhar como puxador de riquixá para conseguir meu sustento. Nos últimos dias de agosto, meu cunhado, Imadachi Takejirô, veio repentinamente de Himeji para me visitar na filial. De acordo com ele: “nossos pais sofrem indescritivelmente sem saber de seu paradeiro por tantos anos, atualmente já estão velhos e moram em uma casa conjugada junto a Sakamoto, em Himeji. Nosso pai já não tem muito pela frente, e, nisso, gostaríamos de reunir todos os parentes e como temos o que tratar também com você, pedimos para que venha para Himeji junto a mim”. Em outras palavras, eu iria acompanhá-lo até Himeji.
Fazia seis anos que não encontrava meus pais. Eu só abaixei minha cabeça na presença deles sem dizer uma palavra. Meu pai já estava tão velho que se assemelhava a uma criança no tratamento. Verti lágrimas. No dia seguinte quando diversos parentes se juntaram, me circundaram e disseram o seguinte. “Nós não temos a intenção de culpá-lo, nós (meu cunhado era um dos filhos de minha mãe) também erramos ao deixar os dois somente aos seus cuidados desde novo. É claro que daqui para frente vamos tomar conta deste dois, mas gostaríamos que você também voltasse para casa e vivesse feliz aqui conosco, como irmãos, como família, e por isso gostaríamos de discutir como ficará sua vida”. Minha resposta foi a seguinte. “Não tenho palavras para me desculpar por meu imenso pecado de ingratidão filial, e sinto a grande afluência do terno carinho de todos os senhores. No entanto, o socialismo é minha vida. Não tenho motivo algum para viver se o abandonar. Não consigo deixar de sentir uma dor sem fim em renunciar ao terno carinho dos senhores, mas daqui em diante levarei meus pais para Tóquio comigo”.
Naquela noite fui até à casa dos Imadachi que moravam ali perto e passei a noite, minha meia-irmã Shige disse entre choros: “se o pai ficar muito infeliz, por favor, volte, mesmo sem você aqui, nossa mãe estando só todos tem a obrigação de cuidar dela. Infelizmente, nosso pai não tem nenhum familiar por perto e é tão triste que ele tenha que ficar por conta dos Sakamoto como ficou até agora. Além disso, sinto pena de nosso irmão Jûzô que foi adotado pelos Sakamoto”. Fiquei por um tempo calado e verti algumas lágrimas, mas disse: “me perdoem o pecado que estou para cometer! É realmente uma infelicidade para nosso pai. Eu não fiquei comovido com as palavras gentis e calorosas de nossos familiares. Eles se vestem com essa compaixão, mas não é difícil de perceber as muitas faces desse adorno mundano. Contudo, diante de meu pai naquela senilidade avançada em que fica o tempo todo sorrindo como uma criança que parece se divertir, não consigo deixar de verter lágrimas de sangue que turvam meus olhos quando o casal Sakamoto e os outros senhores agem cheios de afetação para mostrarem sua dita cortesia. Certamente você e Jûzô que presenciam essa cena cotidianamente devem sofrer muito... Ah!, eu vou abandonar o movimento socialista, retornar e trabalhar em Himeji. Vou servir aos meus pais, minha irmã! Eu tomei minha decisão. Seja como for, assim que descer meu pai sobre a terra, retornarei imediatamente para onde estava”.
Destarte, no dia seguinte relatei minha intenção para os familiares, voltei para Osaka para organizar minhas coisas, escrever uma longa carta para Ôsugi explicando os motivos que me levavam a deixar o movimento por um tempo e, após quatro dias, voltei para Himeji.
Inicialmente, após conversar com Imadachi, iria trazer meus velhos pais da casa dos Sakamoto para essa miserável residência. No dia seguinte, meu velho pai, em bom estado de espírito, foi junto ao neto fazer uma visita ao templo, mas quando voltavam, na altura da viela das casas conjugadas, ele tropeçou nas próprias pernas e caiu prostrado. Deste modo, a partir de então, suas pernas e quadris já não conseguiam mais sustentá-lo e acabou doente, no sétimo dia foi dormir e deu seu último suspiro. Após ter concluído todo o funeral, confiei minha mãe aos Imadachi e fui apressado para a casa de Ôsugi em Sôshû-Kamakura. Era por volta do fim de setembro.
Em meados de outubro, Ôsugi voltou da China. (A viagem durou cerca de um mês e meio) no início de dezembro ocorreria o primeiro encontro da Shakaishugi dômei.
1921 (Taishô 10), 29 anos: em janeiro, foi estabelecida uma Rôdô undôsha dentro do Sundai kurabu de Kitakôga-chô, em Kanda, e publicada a revista Rôdô undô. Os responsáveis pela publicação, além dos que já estavam envolvidos anteriormente, eram Kondô Eizô, Takatsu Masamichi, Takeuchi Ichirô, Terada Kanae entre outros. Em meados de maio, seguindo as orientações de Ôsugi, Kondô Eizô foi para Xangai, mas em junho foi preso em Shimonoseki. Então, após a exposição do esquema mesquinho e conspiratório contra nós que tínhamos relações com bolcheviques e companhia, a revista semanal Rôdô undô foi descontinuada no mesmo mês.
No fim de julho, saí em viagem propagandistas pelo oeste do país. Fui diretamente para Ryûkyû e permaneci por lá por três semanas, após isto passei por toda Kyûshû, por Shikoku e pela região de Chûkoku e, em meados de setembro, retornei para Tóquio. Morava, junto a Kondô Kenji, no segundo andar da antiga sede da predecessora Shakai shugi dômei em Kôjimachi-Motozono-chô, e estávamos nos preparando para outras empreitadas do movimento.
1922 (Taishô 11), 30 anos: uma Rôdô undôsha foi instalada na décima quinta quadra de Komagome-chô, em Hongô e a partir de janeiro a revista mensal Rôdô undô começou a ser publicada. Os cinco responsáveis pela publicação eram o casal Ôsugi, Kondo Kenji, Muraki Genjirô e eu. O casal Ôsugi vinham da cidade de Zushi. Em maio, aconteceu algo um tanto interessante, tomado por outra crise da minha velha conhecida neurastenia, em um breve intervalo de tempo, decidi que fugiria para minha terra natal e, sem relatar nada para meus companheiros, voltei abruptamente para Himeji. Uma vez lá, me abriguei na casa dos Imadachi, e comecei a trabalhar como recepcionista para um certo estabelecimento de corretagem de transações de grãos. Em junho, Muraki Genjirô, a pedido de Ôsugi, veio até mim pedindo-me que voltasse para Tóquio. No fim de junho voltei para Tóquio e mais uma vez me dediquei à Rôdô undôsha. O casal Ôsugi voltou de Zushi e passaram a viver conosco.
Em outubro, participei da Zenkoku rôdô kumiai sôrengô kyôgikai, que aconteceu em Osaka. Fiquei por Osaka e instalei uma repartição da Rôdô undôsha em frente do parque Ten’nôji kôen, no distrito Minami. Em novembro, Ôsugi, para participar do Encontro Mundial dos Anarquistas, foi para a França.
1923 (Taishô 12), 31 anos: em janeiro, após um conflito de opiniões (principalmente entre as opiniões de Itô Noe) acerca da editoração da Rôdô undô, e, além disso, por não estar bem de saúde, no início de fevereiro fui para as termas de Nasu e fiquei sob os cuidados de Eguchi Kan. Em maio retornei para Tóquio. Enquanto estava nas termas, me apaixonei pela primeira vez e, após voltar para Tóquio, aluguel um apartamento para viver mais próximo dela (Senzoku-chô, em Asakusa) e acabei me afastando da Rôdô undôsha e levando a vida através de mixórdias literárias.
Em julho, Ôsugi voltou para o Japão e Muraki Genjirô veio até Asakusa para me chamar de volta. Após algumas horas de conversa entre mim e Ôsugi, eu disse: “Então, por isso eu vou ficar um tempo distante do movimento”. No que ele respondeu: “Entendi. É importante se divertir um pouco também”, e terminou falando que iria me prover os gastos diários enquanto eu me divertia. Eu, rindo, aceitei o que ele disse.
Em meados de agosto, peguei uma cistite e fiquei acamado. Muraki veio até minha casa e disse: “a sua odiada Noe não está na associação. Venha dormir lá, eu cuido de você”. No dia 24 de agosto fui junto a Muraki para a Rôdô undôsha e fiquei lá acamado.
No dia primeiro de setembro aconteceu o Grande Sismo de Kantô; coreanos, socialistas, assim como o casal Ôsugi, e Munekazu foram brutalmente assassinados. Minha concubina estava desaparecida. Posteriormente, pude confirmar que ela havia retornado para sua terra natal. Ouvi ainda que ela morreu de sífilis em maio do ano seguinte, 1924.
1924 (Taishô 13), 32 anos: no dia primeiro de setembro tentei, mal-sucedidamente, alvejar Fukuda Masatarô. Fui preso.
3 de novembro de 1924 (Taishô 13)
Presídio de Tóquio, Wada Kyûtarô