Expansão da vida
Tradução: Felipe Chaves Gonçalves Pinto
Revisão e cotejo Clara Állyegra Lyra Petter
HTML: Felipe Chaves Gonçalves Pinto
Texto original: "Sei no kakujû". In: Kindai shisô, no. julho, Tóquio, 1913. Disponível em: Aozorabunko. Acesso em: 05/10/2024.
Este texto está licenciado por: Licença Creative Commons Atribuição-CompartilhaIgual 4.0 Internacional (CC BY-SA 4.0).
Em “A realidade da subjugação”, argumentei que esta subjugação, “tanto no passado quanto no presente, em um futuro próximo e até mesmo daqui milhares ou centenas de milhares anos, é a realidade fundamental das sociedades humanas” e que “enquanto não tomarmos clara consciência desta realidade não nos será permitido compreender corretamente nenhum aspecto dos fatos sociais”.
Além disso, estendendo essa discussão ao mundo da arte, afirmei que se [a sensibilidade e inteligência dos artista] “não tocam na questão desta realidade da subjugação, tampouco se rebelam contra esta, todas as obras que os senhores produzem não passam de brincadeira, não passam de passatempo. Isto não passa de uma resignação, quando tentamos esquecer o peso desta realidade que nos oprime mesmo no dia a dia. Um elemento poderoso para a enganação sistemática”. Por fim, concluí que:
A estética estanque que, por diversão, nos deixa anestesiados, já não nos diz mais respeito. Aspiramos a uma estética dinâmica que, ao mesmo tempo que nos conduz ao êxtase, nos leva também ao entusiasmo. A arte que demandamos é uma arte que se oponha a esta realidade, uma arte criativa e permeada por uma estética do ódio, uma estética da rebelião.
Agora que retomei essas questões, gostaria de estreitar mais um pouco a relação entre esses três argumentos e, assim, adicionar, em certa medida, mais clareza de conteúdo às minhas alegações.
A vida e a expansão da vida são, sem dúvida, os fundamentos do pensamento moderno. São o seu alfa e o ômega. Dito isto, o que é a vida? O que é a expansão da vida? É por aí que devo começar.
A vida pode ser entendida em sentido amplo e em sentido estrito. Neste momento, estou mais interessado no sentido limitado à vida individual. A essência dessa vida é o Eu. E o Eu, em última análise, é uma espécie de força. Uma força que obedece às leis da Dinâmica.
A força deve se manifestar imediatamente como movimento. Afinal, a existência de força e o movimento são sinônimos. Portanto, a ação da força é inevitável. A própria ação em si é a essência da força. A ação é sua única característica.
Assim sendo, a lógica inerente de nossa vida nos ordena à ação. Ademais, nos ordena à expansão. Afinal, uma ação não é nada mais do que o ato de permitir a expansão de uma existência no espaço.
No entanto, a expansão da vida não deve ser somente espacial, mas também qualitativa. Na verdade, é essa expansão qualitativa que inevitavelmente força a expansão espacial. Portanto, expansão espacial e qualitativa devem ser a mesma coisa.
Dessa forma, a expansão da vida é nosso único dever existencial. Somente a ação mais eficaz pode satisfazer as exigências mais profundas de nossas vidas. Além disso, a lógica inexorável da vida nos ordena remover e destruir todos os obstáculos à sua expansão. E quando resistimos a essa ordem, nossas vidas e nossos Eus estagnam, decaem e perecem.
A expansão da vida é a propriedade fundamental da própria vida. Desde os primórdios, a humanidade tem lutado contra seu entorno e explorando o uso desse ambiente para a expansão da vida. Da mesma forma, os seres humanos têm lutado e explorado uns aos outros para, respectivamente, expandir suas vidas. E é essa luta e exploração entres humanos que fez com que a humanidade, ainda não iluminada pela luz do conhecimento desenvolvido, perdesse o caminho da vida.
A luta e a exploração mútua entre os humanos, na verdade, tornaram-se um empecilho para a expansão recíproca da vida. Ou seja, o resultado desta luta e exploração errôneas é o surgimento, entre seres humanos iguais, de dois pólos: os opressores e os oprimidos. Já dissertei sobre isto em “A realidade da subjugação”.
A expansão da vida dos oprimidos foi quase completamente suprimida. Eles perderam quase todo o seu Eu. Reduzidos à condição de escravos, tornaram-se meras ferramentas a serviço da vontade dos opressores. Com a autodeterminação de sua vida e ser cerceada, os oprimidos foram inevitavelmente levados à decadência e à corrupção.
O mesmo se aplica aos opressores. A corrupção e decadência dos escravos, por fim, afeta também os senhores. Assim como os escravos têm suas próprias falhas, os senhores também têm as suas. Se os escravos são submissos, os senhores são arrogantes. Em outros termos, os escravos deterioram a vida passivamente, enquanto os senhores a destroem ativamente. Obstruir a expansão da vida, enquanto ser humano, é a mesma coisa tanto para um quanto para o outro.
Essa luta e exploração entre os humanos também impediu notadamente a humanidade de lutar e explorar seu ambiente de forma eficaz.
Quando a degradação da vida nos extremos se torna insustentável, surge inevitavelmente uma invasão ou uma revolução. A classe média, com uma vida relativamente mais próspera, toma a iniciativa, sob o pretexto de salvar a classe dos oprimidos, buscando seu apoio para agir. Ou então, ocorre uma revolta desesperada da classe dos oprimidos, que é instrumentalizada pela classe média. E o resultado final é sempre o mesmo: a classe média assume o poder. A história da humanidade é, em essência, essa repetição cíclica. Uma repetição que é marcada por pequenas evoluções a cada ciclo.
No entanto, a humanidade nunca compreendeu a possibilidade de retornar às suas origens. Nunca considerou a ideia de voltar a um tempo em que não havia divisão entre senhores e escravos. Nunca imaginou retornar, com uma suficiente consciência de si, à liberdade primitiva em que ainda não possui consciência de si. Nunca percebeu que repete uma história de extraordinária importância.
A humanidade, por muito tempo integrada em uma sociedade de senhores e escravos, não conseguia imaginar uma sociedade sem senhores nem escravos. Não percebia que eliminar a autoridade de um homem sobre outro e cada um governar a si mesmo era o meio absoluto para expandir a vida.
Eles apenas escolheram novos senhores. Mudaram os nomes de seus senhores. E nunca ousaram levar o machado à raiz do problema: a realidade da subjugação. Esse é o maior erro da história da humanidade.
Precisamos romper com esse ciclo histórico. Milhares de dezenas de milhões de anos de peregrinação já nos ensinaram a futilidade dessa repetição. Para quebrar esse ciclo, precisamos de uma última e extraordinária repetição. Uma que possibilite a plena e expansão da vida enquanto indivíduo e enquanto humanidade.
Agora, a realidade da subjugação na sociedade moderna já quase atingiu seu ápice. A própria classe opressora, a classe média e a classe oprimida, todas elas, não conseguem mais suportar o peso dessa realidade. A classe opressora começou a sofrer com o desenvolvimento excessivo e/ou anormal de sua vida. A classe oprimida começou a sofrer com a asfixia de sua vida. E a classe média também foi atacada pelo sofrimento de ambas as classes. Esta é a causa primordial da angústia da vida moderna.
Neste contexto, para que a vida continue a existir, deve surgir o ódio contra esta realidade da subjugação. Esse ódio deve, por conseguinte, gerar revolta. Deve surgir a demanda por um novo cotidiano. Deve emergir a exigência de cotidiano livre, onde ninguém seja submetido à autoridade de outra pessoa, onde o Eu governe a si mesmo. E, de fato, esse sentimento, esse pensamento e essa vontade começaram a surgir entre uma minoria, especialmente entre a minoria dos oprimidos.
Para satisfazer as exigências mais intrínsecas de nossas vidas, a revolta contra a realidade da subjugação apareceu primeiro como a ação mais eficaz. Além disso, surgiu a destruição de tudo o que deriva dessa realidade da subjugação e obstrui a expansão de nossas vidas.
E, para mim, que vejo a suprema beleza da vida justamente em sua expansão, só consigo identificar, hoje, essa suprema beleza no seio desta revolta e desta destruição. Neste momento em que a realidade da subjugação atingiu seu ápice, a gradação harmônica não é mais bela. A beleza existe apenas na desarmonia. A harmonia é uma falsidade. A verdade está apenas na desarmonia.
Atualmente, a expansão da vida só pode ser alcançada através da revolta. A criação de um novo cotidiano e de uma nova sociedade só pode ocorrer por meio da revolta.
Eu, em meu próprio cotidiano, estou desfrutando de uma beleza sem limites no seio dessa revolta. E o sentido por trás do que chamo de arte da prática reside, em última análise, aqui. A prática é a ação direta da vida. E a prática do homem moderno, que teve a mente refinada pelo conhecimento científico, não é uma prática feita “de brincadeirinha”. Não é uma prática desprovida de reflexão prévia e posterior. Tampouco é uma prática deixada inteiramente nas mãos do acaso.
É uma prática que acredito ser a mais eficaz ação da vida, resultado de anos de observação e reflexão. Mesmo antes, durante e após a prática, o pano de fundo do acontecimento em questão permanece suficientemente refletido na mente. Há contemplação que acompanha a prática. Há êxtase que acompanha a contemplação. Há paixão que acompanha o êxtase. E essa paixão clama por novas práticas. Nesse ponto, já não existe sujeito ou objeto único. Sujeito e objeto se fundem. Este é o estado de arrebatamento que experimento como revolucionário. É o estado da arte.
Além disso, enquanto estou nesse estado, minha consciência sobre aquela realidade da subjugação é, com todo o meu ser investido, a mais clara possível. É quando meu Eu e minha vida se firmam com a maior certeza. E a cada vez que experimento esse estado, minha consciência e meu eu se tornam cada vez mais claros e convictos. Então a alegria da vida transborda por todo o espaço.
A expansão qualitativa da minha vida é, ao mesmo tempo, sua expansão espacial. E, simultaneamente, é a expansão da vida da humanidade. Vejo, na ação da minha vida, a ação da vida da humanidade.
Além disso, não sou o único a seguir na direção dessa mais eficaz ação da vida. Aqueles que têm plena consciência de si mesmos e da relação com o ambiente circundante, embora hoje ainda sejam muito poucos, já estão avançando decididamente nesse caminho. Está se moldando a grande estrutura da sociedade futura, que ninguém, exceto os cegos, pode deixar de perceber.
Por que a arte japonesa dos tempos atuais, que afirma se basear nos fatos, não aborda essa realidade fundamental da sociedade, a da subjugação, que atingiu, atualmente, seu ápice? Por que não toca na raiz do sofrimento da vida moderna? E, indo um passo além, por que não aborda a realidade da revolta contra isso? Por que não trata da criação dessa nova vida, dessa nova sociedade? Onde está a arte criativa que manifesta a beleza do ódio e da revolta, ambas construídas sobre uma base sólida de conhecimento social?
Eu exijo artes, ciências e filosofias que tendam a esses sentidos, em conformidade com as exigências da vida.
Julho de 1913.