A Fábrica brilhante

Miyamoto Yuriko

Tradução: Rafael Silva Rufino de Sousa

Revisão e cotejo: Felipe Chaves Gonçalves Pinto

HTML: Felipe Chaves Gonçalves Pinto

Texto original: "Akarui kôjô". In: Hataraku fujin, Tóquio, 1932. Disponível em: Aozorabunko. Acesso em: 01/01/2024.

Este texto está licenciado por: Licença Creative Commons Atribuição-CompartilhaIgual 4.0 Internacional (CC BY-SA 4.0).

Ao sul da União Soviética há uma cidade chamada Rostov. Ao longo das margens do grande rio Don, uma bela rua cheia de flores atravessa novas moradias e clubes de trabalhadores. Em uma manhã de julho eu saí do hotel junto a um grupo de observação de trabalhadores que veio da Alemanha até a União Soviética, e fomos para uma visita à Fábrica Nacional de Cigarros Don. Rostov é a capital da República da Ucrânia, e nas proximidades ficava a maior fazenda estatal da União Soviética, a Gigant. Havia-se acabado de colher o trigo com maravilhosos tratores e colheitadeiras. As jovens moças e rapazes do grupo de observação de trabalhadores da Alemanha haviam acabado de ver este grandioso trabalho de colheita, então estavam comentando comigo em um russo ruim e em um inglês duvidoso (porque eu não entendo alemão) sobre como era maravilhoso. Eu também vim para Rostov para ver a Gigant.

Falarei sobre o que eu vi na Gigant em outra ocasião. Agora gostaria de compartilhar com vocês o que eu vi esta manhã na fábrica de cigarros Don.

Enquanto descíamos por uma rua ligeiramente íngreme, uma grande fábrica de tijolos apareceu à direita. Acima do robusto portão estava pendurado o emblema nacional da União Soviética, uma foice e um martelo cercados por feixes de trigo. Acima estava escrito em letras douradas “Fábrica Nacional de Cigarros Don”. Embora haja um porteiro, ele não me parece ser malvado e seu olhar também não é um olhar desconfiado

— Onde fica a recepção?

Quando perguntei isso ele moveu a mão em que lia o Pravda (o jornal oficial do Partido Comunista Soviético) e me instruiu dizendo

— Siga direto e à sua direita encontrará duas portas. Fica na primeira delas.

Eu agradeci e quando comecei a andar ele me disse

— De onde você veio ?

— Eu vim do Japão.

— Hmm, isso é bom. — Você entendeu? Siga direto por alí...

Ao entrar, no corredor do lado esquerdo haviam dois balcões de atendimento com placas escrito “Poupança Segurada” e “Cofre de Pagamento de Salário”. Há, de fato, duas portas do lado direito. Ao fundo tem duas placas escrito “Comitê da fábrica” , e “Komsomol/Yacheika”. Como vocês devem saber, na União Soviética, as fábricas são administradas pelos próprios trabalhadores, homens e mulheres. Existe um comitê da fábrica eleito pelos operários que está dividido em diversos setores especializados. Por exemplo, o setor de inspeção técnica (os salários são decididos com base na habilidade das pessoas que trabalham nesse setor. Além disso, eles dão orientações para o aprimoramento de tecnologia de toda a fábrica), o setor de saúde e bem estar ( são responsáveis por toda parte de saúde e bem estar da fábrica, resolvendo problemas relacionados a creche, clínica de saúde, refeitório e bebedouros). Além disso, há o importante setor de planejamento de produção e o setor cultural. Os administradores de qualquer grande fábrica devem agir de acordo com as decisões do comitê da fábrica. Como nas fábricas de burgueses e proprietários de terras, não há em nenhum canto das fábricas da União Soviética pessoas como presidentes, diretores ou supervisores que só se importam em se exibir e explorar. Por outro lado, “Komsol/Yacheika” significa célula da juventude comunista. (É comum que, em fábricas com um número considerável de trabalhadores, haja células do Partido Comunista e comitês de distrito dos sindicatos atuando em salas específicas).

Eu entrei na segunda porta e cumprimentei a jovem trabalhadora que estava alí escrevendo algo 

 — Boa tarde

— Eu sou do Japão, por favor, dê uma olhada nisso.

Eu passei a carta de apresentação à ela. Quando ela terminou de ler exclamou:

— Que maravilha! Seja bem vinda. Mas, espere mais um pouco. Os membros do comitê cultural não estão aqui agora então aguarde 5 minutos por favor.

Eventualmente, entrou na sala uma enérgica trabalhadora que aparentava ter entre 20 à 23 anos, com os cabelos dignamente enrolados em um pano vermelho, carregando vários livros embaixo do braço.

— Os livros da biblioteca ainda não chegaram de Moscou. Melhor mandarmos uma carta.

— Temos convidados

Quando a funcionária do comitê cultural viu a carta, ela silenciosamente estendeu a mão para mim e me deu um aperto de mão firme e afetuoso.

— Vou mostrar tudo a você. Conte às trabalhadoras do seu país como vivemos agora na União Soviética.

A Fábrica de Cigarros Don tem uma alta produtividade, estando entre a primeira ou segunda em toda a União Soviética, com mais de mil operários. Devido à natureza do trabalho, havia muitas mulheres lá, então o setor de saúde e bem estar especialmente montou uma clínica odontológica dentro da fábrica. É uma pequena sala com paredes brancas e instrumentos médicos limpos e brilhantes em uma caixa de vidro. Um médico vestindo um avental branco cuidava de uma paciente naquele momento.

— As mulheres inevitavelmente têm dentes ruins devido a gravidez e ao parto. Mas é um tanto inconveniente ir ao dentista enquanto trabalha, então no final das contas, decidimos fazer uma clínica odontológica na fábrica. Fizemos em um plano de dois anos. Todas estão muito felizes. Nenhuma de nós quer envelhecer tão cedo, não é!?

Eu ri junto com elas mas, de repente, pensei nisso.

— Mas, como fica a questão do tempo? Em outras palavras, as pessoas vêm receber o tratamento durante o expediente, mas será que essas horas são incluídas nas 8 horas de trabalho?

— Isso mesmo. Se você não tiver um corpo forte, não conseguirá fazer um bom trabalho, certo!? Tanto a nossa fábrica como a nossa saúde são importantes para nós; ……Certo?

Ao ouvir essas palavras senti um calor em meu corpo. Até a revolução, as mulheres eram exploradas nas fábricas da Rússia, em terríveis condições, semelhantes às das fábricas japonesas. 

Na Fábrica Nacional de Cigarros Don há uma creche formidável com 270 crianças sendo cuidadas. Quando eu cheguei, uma mulher um pouco mais velha segurava um menino de cerca de três anos sob a sombra de um verde ulmeiro de verão, no jardim da creche, enquanto uma jovem mãe loira segurava um recém-nascido vestido de branco. Elas descansavam, conversando tranquilamente. Ao conversar com elas, que surpresa agradável eu tive. Essas duas mães de idades diferentes eram, na verdade, mãe e filha, ambas operárias na fábrica “Degete”.

— Eu e minha filha mais nova fomos criadas aqui. Agora é a vez da minha filha trazer seu primeiro filho para cá também. Toda a nossa vida está aqui. Não é Olya!?

A funcionária do setor cultural me falou enquanto caminhávamos para a escola da fábrica.

— Aquelas duas são mães exemplares. A mãe é delegada e a filha é candidata a membro do partido.

Nas fábricas da União Soviética para cada cinco operárias eles escolhiam uma delegada. A delegada não é membro do partido, mas é escolhida por todos como uma operária que entende e pratica a forma de trabalho necessária para construir uma sociedade socialista próspera e sem classes em um país proletário e camponês como a União Soviética. Ela atua como conselheira, organizadora e explicadora sobre todos os assuntos no local de trabalho. Ao mesmo tempo que a União Soviética expulsou das fábricas os diretores e executivos que viviam da exploração, aboliu também supervisores, gestores e dirigentes nomeados de cima para baixo, estabelecendo um método proletário em que todos se revezam para supervisionar o trabalho uns dos outros e se incentivam mutuamente a melhorar suas habilidades. Essa abordagem se reflete no papel dos delegados. 

Por um instante, saímos da creche e atravessando a rua, havia um pequeno portão para uma escola especial da fábrica , pelo qual meninos e meninas de 15 a 16 anos entravam e saíam ativamente. Na praça que ficava logo após a entrada um grupo estava praticando ginástica. Entre 17 à 18 alunos, meninos e meninas se alinhavam em 6 filas e sob a orientação de um aluno moviam suas mãos, levantavam os pés e as vezes gritavam

— Ho! Ho! Eha! Eha!' 

E continuavam a atividade rindo. Havia um prédio ao fundo que parece ter sido um estábulo ou celeiro, e que agora foi totalmente remodelado, servindo como espaço de arrumação dos equipamentos de exercício. As barras fixas também estavam instaladas lá. 

Ao entrar na sala de aula, os alunos, meninos e meninas, estavam de uniforme praticando cuidadosamente seu trabalho em um torno. A sala que recebia abundantemente a luz do sol por uma ampla janela estava silenciosa. Somente o barulho das máquinas ecoava. Um orientador de alvos cabelos observava gentilmente o trabalho de cada aluno, mas ao olhar o relógio, disse em uma ressonante voz de idoso. 

— Muito bem crianças, sentem-se!

Os alunos então puxaram uma banqueta com molas, e se sentaram todos, continuando o trabalho. 

“Na escola da fábrica, há uma regra que determina que os alunos devem trabalhar 30 minutos em pé e 15 minutos sentados, a fim de crescerem saudáveis.” Somente quando o mundo se tornar soviético é que os jovens trabalhadores encontrarão a felicidade. Não pude evitar pensar isso. Na Alemanha, eu vi a imponente fábrica da Siemens, mas naquela fábrica não havia nada como uma escola voltada para desenvolver habilidades que aumentassem o bem estar dos trabalhadores, nem uma legislação que estabelecia uma jornada de seis horas para menores de dezoito anos e de quatro horas para menores de dezesseis, e muito menos metade do tempo de trabalho pago era dedicada à educação. No plano de 5 anos há planos ainda melhores a serem executados. Até então, mesmo na União Soviética, os salários dos jovens trabalhadores, homens e mulheres, eram um pouco mais baixos do que os dos adultos. Embora não fosse metade do salário, como acontece com os jovens trabalhadores no Japão e nos Estados Unidos, os salários ainda eram um pouco mais baixos. Agora, porém, mesmo com uma jornada de seis horas, será pago o mesmo salário que o dos adultos que trabalham oito horas. Eu também quero ler muitos livros e fazer exercícios. Na União Soviética, as bibliotecas das fábricas e círculos esportivos estão bem desenvolvidos, e, em geral, é possível fazer várias coisas de forma gratuita, mas alimentos e roupas ainda não são gratuitos. Para que os trabalhadores jovens, tanto homens quanto mulheres, se desenvolvam verdadeiramente saudáveis e dignos como vanguarda da classe, a União Soviética decidiu implementar uma melhoria abrangente nas condições de trabalho dos jovens trabalhadores.

Ao sair desta sala e entrar em outra, nesta os alunos não eram jovens, mas sim 10 pais e mães entre 40 e 50 anos, que estudavam álgebra com uma expressão entediada em seus rostos. Essas pessoas trabalham no local de trabalho, mas se dedicam diligentemente aos estudos para aprimorar ainda mais suas habilidades e se tornarem técnicos dos quais a União Soviética mais precisa, com o objetivo de serem úteis a todos.

Enquanto observava a fábrica, comecei a me sentir revigorada, passo a passo, como se tivesse acabado de tomar um banho refrescante. A forte convicção de que “o futuro nos pertence” está sendo gradualmente realizada por meio da construção concreta da vida operária soviética. Repleta de esperança e coragem, eu caminhei pela rua arborizada até o clube da fábrica. 

Setembro e Outubro de 1932

Notas