A questão da literatura camponesa
Tradução: Felipe Chaves Gonçalves Pinto
Revisão e cotejo: Fabio Pomponio Saldanha
HTML: Felipe Chaves Gonçalves Pinto
Texto original: "Nômin bungaku mondai". In: Tôkyô asahi, abr., Tóquio, 1931. Disponível em: Aozorabunko. Acesso em: 26/09/2024.
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O interesse pela literatura camponesa dentro do movimento literário proletário tem aumentado de forma gradativa nos últimos anos. Na Liga Japonesa de Escritores ProletáriosXY, existia um grupo de estudos especial sobre literatura camponesa. As resoluções do plenário ampliado dos Escritores Revolucionários InternacionaisXY em Carcóvia forneceram várias propostas valiosas que devem ser discutidas e concretizadas como o ponto mais importante da agenda, em primeiro lugar, para que o movimento literário proletário japonês possa se enraizar firmemente entre as massas e avançar em conexão com o cenário internacional.
O movimento literário proletário não se baseia na diminuta classe que devora doces luxuosos, mas sim nas massas trabalhadoras e camponesas que lutam e passam fome, sem sequer ter pão suficiente; além disso, não se limita por fronteiras, mares ou montanhas e se desenvolve de forma internacional e firmemente entre essa massa. A resolução da conferência de Carcóvia sobre o movimento literário proletário japonês afirma, em relação à literatura camponesa, que: “no Japão, onde há um grande campesinato, é necessário prestar mais atenção ao movimento que aprofunda a influência do proletariado sobre a literatura camponesa. Deve-se criar um grupo especial de estudos sobre literatura camponesa dentro da Liga Japonesa de Escritores Proletários. No entanto, é desnecessário dizer que isso, evidentemente, deve sempre estar sob a hegemonia do proletariado”.
Em princípio, ao abordarem a vida dos camponeses como tema, a literatura proletária já tinha uma compreensão de qual atitude e posição deveria assumir, assim como de quais efeitos deveria esperar alcançar. Isso se distinguia desde o início da posição dos monoagricultores anarquistasXY e companhia, que opunham a cultura rural à urbana com termos tais quais a “arte do solo”, a “cultura rural”, e coisas do gênero, por acreditarem que os camponeses poderiam ser libertados por sua própria força. Embora o tema seja a vida camponesa, o ponto central dessa literatura tem seguido o mesmo sentido que a literatura proletária almeja, buscando continuamente alinhar-se com essa orientação.
No entanto, os camponeses e os trabalhadores das fábricas pertencem a classes diferentes. E, enquanto a diretriz fundamental da literatura proletária de “observar e retratar as coisas a partir da posição de vanguarda” já foi estabelecida há um ano, marcando o primeiro passo de um salto qualitativo, ainda resta a questão: como tratar e expressar na literatura proletária as condições de vida específicas, o ambiente geográfico, os costumes, o conservadorismo dos camponeses, além de seus desejos, sentimentos e sensibilidades que são moldados por essas diversas condições, tão diversas das dos operários fabris? Esta questão ainda não foi resolvida de maneira satisfatória e clara, seja na teoria ou na prática.
A literatura moderna japonesa, tanto a burguesa quanto a proletária, não demonstrou interesse suficiente pela vida dos camponeses. Eles trataram os camponeses como indesejados filhos adotivos.
De fato, há algumas obras na literatura proletária que abordam a vida dos camponeses, retratando confrontos entre arrendatários e proprietários de terras, bem como as atividades das associações de camponeses nas zonas rurais. Algumas dessas obras foram produzidas por autores como Tateno Nobuyuki, Hosono Kôjirô, Nakano Shigeharu e Kobayashi Takiji.XY Nelas, a vida dos camponeses é explorada de maneira clara e vibrante, ou de forma cruamente realista, ou ainda de maneira simples e ingênua enquanto arte refinada, além de formas que visam um caráter popular e de maior alcance. No trabalho de Nakano Shigeharu, “Tetsu no hanashi sonoichi (A história do ferro, primeira parte)” , ele habilmente incorpora o slogan levantado por X como um tema central concreto. Esses problemas, tematizar a vida dos camponeses, claro, devem ser abordados na literatura proletária, mesmo que enfrentem dificuldades. Em “Fuzai jinushi (O proprietário ausente)”, de Kobayashi Takiji, a colaboração entre trabalhadores e camponeses é tratada de forma literária. Nesse aspecto, pode-se dizer que é uma das primeiras tentativas nesse sentido. Tanto Hirabayashi Taiko quanto Kaneko YôbunXY também apresentaram obras que retratam os camponeses de Shinshu e Akita, demonstrando uma precisão notável. O falecido Yamamoto KatsujiXY, por seu turno, tentou incorporar certo frescor característico de um jovem que cresceu em meio à luta de classes em suas obras.
Contudo, a literatura produzida até agora por esses escritores não é de forma alguma um número elevado quando comparada à imensa camada de camponeses que compõe a maior parte da população do nosso país, mesmo se considerarmos apenas a questão da quantidade. É pouca. É claro que, embora à primeira vista possa parecer cinza e simples, a vida dos camponeses, na realidade, é complexa, diversificada e não se revela facilmente; e não se pode dizer que tudo isto está sendo expresso de forma satisfatória e detalhada.
Em se tratando da literatura burguesa, esta trata ainda mais os camponeses como indesejados filhos adotivos. Exceto por algumas menções parciais em obras como “Chikumagawa no skecchi (Esboços do rio Chikumagawa)”, de Shimazaki TôsonXY e em “Tsuchi (Solo)”, de Nagatsuka Takashi,XY que é sempre citado por qualquer pessoa que esteja discutindo a literatura camponesa, não há muito mais a ser encontrado. E quando há menções ocasionais, como em “Minami Koizumi mura (A vila de Minami-Koizumi)” de Mayama Seika,XY os camponeses são tratados, com má vontade e em uma atitude superficial e desdenhosa, como sujos e bestiais. Embora haja uma ou duas obras da literatura burguesa que tratem dos camponeses, a maioria delas foca principalmente na classe pequeno burguesa e na intelectualidade, passando pelos camponeses com um olhar de desprezo. Isso é natural para a literatura burguesa, mas a literatura dessas pessoas não tinha qualquer relação com os camponeses que penavam para conseguir uma tigela de arroz, com aqueles que produzem o arroz que consomem diariamente. A literatura deles era uma literatura dedicada a uma minoria de pessoas de mãos brancas e que não trabalham, e isso se torna incontornável quando se considera a atitude pequena burguesa desses autores. Não abordar um determinado tema significa indiferença em relação a esse tema.
Creio ter sido por volta de 1924/1925. Yoshie Takamatsu, Nakamura Seiko, Katô Takeo, Inuta ShigeruXY e companhia formaram a chamada Associação de Literatura Camponesa, em confronto à chamada literatura urbana de até então, promovendo, nisso, a chamada literatura camponesa. Realizavam reuniões mensais, é provável que contavam com, aproximadamente, vinte a trinta membros. No entanto, o único que conseguiu tratar os camponeses de forma literária foi Sasaki Toshirô.XY Sasaki Toshirô é o que se pode chamar de um autêntico escritor camponês. Ele conhece a vida dos camponeses. E expressa isso de uma maneira extremamente natural e camponesa. Todavia, apesar de conhecer tanto os camponeses e o mundo rural, ele não consegue investigar e desvendar a verdadeira raiz da situação em que os camponeses são lançados a uma vida desumanizadora, onde diversas tragédias e comédias se desenrolam e isso se deve, acredito, à sua posição como escritor filiado à linha da Associação de Literatura Camponesa, que nunca saiu do âmbito da literatura anti-urbana. Atualmente, mesmo que um escritor tenha algum conhecimento ou experiência específica sobre os trabalhadores camponeses, se não for treinado dentro de uma organização de classe, ele não conseguirá reconhecer e expressar corretamente a vida real, acabando por se perder em direções estranhas, desconectando-se da realidade das massas. Ao observar Sasaki Toshirô, isso se torna dolorosamente perceptível.
“De fato, até agora nossa literatura camponesa retratou a especificidade da agricultura japonesa fielmente. Ela descreveu a vida dos camponeses japoneses de forma ainda mais precisa do que os números apresentados no Relatório Agrícola do Japão do Ministério da Agricultura e Florestas. Mas parou por aí” – foi o que Ikeda HisaoXY disse na edição de março da revista Nappu.XY Com certeza, é precisamente isso, ela parou por aí. A literatura pode ter descrito a vida dos camponeses com mais precisão do que o Relatório Agrícola do Japão do Ministério da Agricultura e Floresta. Mas não podemos nos vangloriar de ter retratado adequadamente a vida camponesa japonesa em suas diversas formas de complexidade e singularidade. Na verdade, a realidade é quase o oposto. O esforço dedicado a isso foi insuficiente. A vida dos camponeses é muito mais complexa do que a que foi tratada na literatura até agora, cheia de peculiaridades, nuances e diversas variações. Mesmo na obra Tsuchi, altamente realista, aqueles que cresceram na região de Shikoku ou em Kyûshû percebem que há diferenças entre as aldeias agrícolas vistas e sentidas, com seus próprios olhos corpos, e as aldeias agrícolas descritas no livro. Sente-se que apenas uma pequena parte foi descrita com precisão em Tsuchi. Há aí a mesma sensação de distanciamento que os japoneses sentem ao ler a literatura russa. Uma das causas pode ter relação geográfica. Isso significa que, ao resolver as muitas questões da literatura camponesa do ponto de vista do proletariado, encontramos ainda mais dificuldades. Mas, ao mesmo tempo, isso torna a tarefa mais significativa. Na literatura proletária, não podemos permitir de maneira alguma que aconteça o que aconteceu com a literatura burguesa, que praticamente ignorou os camponeses e passou por eles sem lhes dar atenção.
Nós nunca tivemos uma conexão suficientemente profunda com a vida camponesa do passado, nem possuímos experiência ou conhecimento abundante sobre ela. Ainda não se reflete em nossa literatura, especialmente agora, sob a grave crise agrícola, o cotidiano do camponês que, sobrecarregado com fardos em ambos os ombros, misteriosamente ainda não sucumbiu a fome; não se reflete também a luta das massas camponesas pobres, que estão avançando em direção a uma verdadeira aliança de classe, rompendo com o embuste dos social-democratas que tentam disfarçar a questão da cooperação dos trabalhadores e camponeses com partidos legais do proletariado.
No entanto, para resolver essa questão, nós não devemos colocar ênfase em algo tão mesquinho como o fato de alguns escritores contemporâneos estarem correndo para acompanhar a realidade da luta e promover a literatura. A literatura deve ser impulsionada através do despertar e desenvolvimento de artistas oriundos das massas de trabalhadores e camponeses. Certamente surgirá desse processo uma literatura que seja compreendida e amada pelas massas, conectada com seus desejos e necessidades emocionais, e que funcione enquanto agitação e propaganda. Agora, então, é necessário que a organização dê um passo concreto em direção à solução desse problema.