Movimento literário e movimento dos trabalhadores
Tradução: Fabio Pomponio Saldanha, Felipe Chaves Gonçalves Pinto, Gustavo Perez Katague
Revisão e cotejo: João Marcelo Amaral Reimão Monzani
HTML: Felipe Chaves Gonçalves Pinto
Primeira publicação da tradução: Revista Magma, vol. 28, no. 18, p. 223-226, 2023. Disponível em: Revista Magma. Acesso em: 19/09/2024
Texto original: "Bungei undô to rôdô undô". In: Nihon gendai bungaku zenshû, no. 69: puroretaria bungakushû, Tóquio: Kôdansha, 1969 (1922). Disponível em: Aozorabunko. Acesso em: 19/09/2024.
Este texto está licenciado por: Licença Creative Commons Atribuição-CompartilhaIgual 4.0 Internacional (CC BY-SA 4.0).
1
O movimento literário desde a era Meiji era uma disputa entre uma escola e outra. Isto é, uma disputa entre um grupo e outro, simplesmente reunidos por coisas como a personalidade, os gostos, os laços escolares antigos e as relações interpessoais de cada indivíduo. Os pontos de discussão limitavam-se principalmente às formas de representação, à estilística e, nos melhores casos, às formas de apreciação dos valores artísticos e às diferenças de concepções sobre a vida.
Ao menos no que diz respeito à sua essência, o recente movimento artístico de classes que busca ganhar espaço precisa ser um dos fenômenos, uma parte da batalha, uma das facetas da linha de frente da luta de classes. Isso quer dizer, assim, que não há chances de se estabelecer caso seja como um movimento teórico, como simples movimento literário. É algo que pode ser somente resolvido com o embate derradeiro entre as principais classes atuantes, a burguesia e o proletariado.
Limitar ao extremo a significância do Movimento Literário do Proletariado dessa forma provavelmente seria um desgosto para os estudiosos literários. Para aqueles que dedicam suas vidas à literatura, um movimento literário é absoluto em sua totalidade, e possivelmente digam que sua função não se limita a ter um papel na linha de frente da luta de classes. Entretanto, esses não passam de cabeças-de-vento que, inconscientemente levados pelo ímpeto, mergulham no movimento sem por fim conseguir compreender o significado da arte de classes. Enquanto ainda há tempo, essas pessoas deveriam deixar de tomar posição nos cantos de uma luta de classes cruel e de aparência não muito agradável, jogando fora as amarras apertadas que são a classe social e subir no palco sempre ensolarado da arte propriamente dita.
Assim como elementos dissidentes se juntam em qualquer que seja o movimento, também no movimento artístico de classes os elementos dissidentes se reúnem e tentam utilizá-lo de forma predatória. Há quem tente sorrateiramente agir de má-fé escondido sob a bandeira da literatura de classes. Assim, inicialmente considerava-se que a questão da arte de classes era vista como um conflito entre escritores desconhecidos e escritores da moda. Na realidade, assim como patifes que detestam trabalhar, caloteiros e outros que se misturam dentro do movimento socialista, é fato que há também um bando daqueles que se jogam dentro do movimento de artes de classe sem compreenderem o básico das artes e da literatura e que, por dizerem não querer se tornar comerciantes assalariados demasiadamente sérios, nutrem uma enorme ambição de se tornarem escritores da moda, se fosse possível. O Movimento Literário do Proletariado deve responder, em primeiro lugar, às ambições egoístas dessas pessoas, não sendo um a se caracterizar por maldizer escritores da moda, tampouco destinado a advogar ou a impulsionar novos escritores anônimos. Não há espaço para a distinção entre famosos e anônimos, tampouco para o que está ou não na moda. Isso é disputa de classes. Um movimento proletário contrário à burguesia.
Além disso, o Movimento Literário do Proletariado deve ter em mente, em primeiro lugar, a articulação proletária em detrimento da caracterização artística, logo, seu maior foco deve continuar sendo as ambições proletárias, não a plataforma literária. A libertação do proletariado é a única ambição do movimento literário dessa classe. Tudo aquilo a ser ambicionado que estiver fora desse escopo deve, mais uma vez, se afastar do apoio ao movimento proletário e ir em direção às classes superiores. Somente aqueles a reconhecerem a luta de classes subsumida às disputas literárias, assim como a presença por trás da sombra e as raízes que sustentam os caules e folhas é que se tornarão soldados deste movimento artístico da luta de classes.
A batalha final da luta de classes será decidida somente pelo confronto de suas forças principais. O movimento literário é de total ineficácia caso não mantenha intrínseca relação com o movimento das massas do proletariado. O movimento que se separar das massas acabará se tornando somente um obstáculo, senão um esforço simplesmente infrutífero. Entre os que se autodenominam soldados do movimento literário de classes, há os que, algumas vezes, confundem um movimento voltado ao bem da maioria com um aglomerado de lutas entre indivíduos. Estes estão convencidos de que há alguma significância em fazer oposição nos debates e maldizer escritores da moda. No entanto, da mesma forma como uma vitória trivial setorizada não é revertida em ganho ou perda na estrutura total, essa constatação é insuficiente. Mesmo com a classe dos escritores passando para o lado avesso ao proletariado, o movimento artístico dos trabalhadores está em pleno desenvolvimento, carregado cada vez mais de entusiasmo, até que as massas sejam libertadas de sua resignação burguesa. Até que a classe burguesa seja derrubada.
Em suma, o Movimento Literário do Proletariado não possui algo que possamos chamar de significado intrínseco a si. Ele só faz sentido em conjunto aos movimentos políticos e trabalhistas do proletariado. Aqueles que pensam que um movimento que só possui significância relativa não tem validade alguma são de mais valia nos movimentos literários puristas. Uma vez lá, que tentem matar deus. Que tentem apagar o sol.
O Movimento Literário do Proletariado não representa simplesmente uma batalha conceitual. Em seus bastidores, existe um confronto de interesses e um embate de poderes. Deste modo, esse movimento não é algo que possa ser resolvido com uma súbita mudança conceitual. O Movimento precisa passar por um longo período, nem um pouco glamouroso e de bastantes dificuldades. Não é como um corrida de maratona que acaba em meio à celebração de todos os espectadores, mas sim como uma viagem pela Sibéria em meio a neve, a caminhos tortuosos, a penúria e ao frio. O Movimento não é como uma corrida de maratona em que um prêmio aguarda os vencedores, mas sim como uma estrada em que você pode cair e perecer no meio do caminho. A única recompensa possível é a libertação da classe proletária. Aqueles que estão fartos destas dificuldades, aqueles que temem toda essa perseverança devem deixar as fileiras do Movimento Literário do Proletariado e rumar para os salões de esportes com suas cortinas vermelhas e brancasxx. Lá encontrarão tanto uma multidão pronta para ovacioná-los, quanto, além disso, jovenzinhas.
O Movimento Literário do Proletariado não é determinado por preferências estéticas ou características próprias. Não precisamos nem mencionar que também não é algo que devemos confundir com caprichos momentâneos. O caminho a frente é tortuoso. O futuro reserva escuridão, espinhos e arames farpados. Além disso, não é um movimento aprazível. É mesmo uma espécie de movimento sem a força necessária para o embate final, um movimento de suporte, do tipo de contenda. Os que estão envolvidos neste Movimento não devem superestimar seus papéis.
Mas não é uma honra fazer parte do movimento do povo, do movimento dos oprimidos nem que seja somente como uma pequenina porção ou como parte das linhas de frente? Principalmente se for o caso de sermos estes últimos, haveria, por acaso, trabalho mais gratificante?
Junho do décimo primeiro ano da Era Taishō (1922)