Discussões sobre literatura proletária
Tradução: Gustavo Perez Katague
Primeira publicação da tradução: Brasil Nikkei Bungaku, no. 73, p. 72-77, jul. 2023. Disponível em: Brasil Nikkei Bungaku. Acesso em: 31/10/2024
HTML: Felipe Chaves Gonçalves Pinto
Texto original: "Puroretaria bungakuron". In: Akita Sakigake Shinpō, 1924. Disponível em: Aozorabunko. Acesso em: 31/10/2024.
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Não irei aqui depreciar a literatura proletária, irei defendê-la. Entretanto, partindo do ponto de que geralmente eu sou considerado um escritor burguês, talvez vocês diriam que não há necessidade em defendê-la.
O que é literatura proletária? Sobre isso, várias pessoas expressam diferentes pontos de vista, mas eu acredito que devemos discernir a literatura gerada pela civilização proletária da literatura burguesa gerada pela civilização burguesa. Entretanto, como não existe uma civilização proletária na sociedade atual, consequentemente não há como esta ter produzido uma literatura proletária. Portanto, se não há nada além disso que se aplique como regra, talvez seja o caso de enxergar a literatura proletária como umas das artes produzidas por esta mesma civilização burguesa. E, mesmo aqui sob uma mesma civilização, o que há de se tornar literatura proletária ou literatura burguesa depende do escritor. Ou seja, literatura proletária é aquilo que o escritor do proletariado produziu. Porém, é praticamente impossível apontar se um escritor é ou não do proletariado, a exemplo de um que diz ser escritor de literatura proletária, o célebre Bernard Shaw, vivendo uma vida bastante extravagante e muito mais burguesa se comparada à dos escritores burgueses do Japão. Além de Shaw, certamente há no continente muitos escritores de literatura proletária que vivem dessa mesma forma. Assim, não deveria ser o caso de diferenciar a literatura burguesa e literatura proletária de acordo com o conteúdo de uma obra, caso essa descreva ou não a vida proletária? Isso também é uma questão. A vida proletária não é ostensivamente descrita nas obras de Shaw. As personagens que aparecem são geralmente da burguesia ou da classe média. Mas se prestarmos atenção em suas obras e assumirmos que são literatura proletária, é porque ao fundo são sugeridos colapsos como os da vida burguesa, mesmo que as personagens e o contexto não sejam propriamente proletários. Consequentemente, não se pode diferenciar a literatura proletária e a literatura burguesa de acordo com seu tema e autor. Assim, talvez seja determinado pelo posicionamento do autor. Autores são diferenciados pela sua oposição ou aprovação ao espírito do proletariado. E as obras de um autor que apoia o espírito do proletariado, mesmo que não publicamente, são necessariamente literatura proletária. Porém, não é algo tão claro como o preto no branco. Assim como há as cores vermelha e azul além do preto e do branco, há pontos de vista intermediários que não se opõem e nem apoiam o espírito proletário. E esse ponto de vista é o mesmo com relação ao espírito burguês. Tomando os poemas haiku como exemplo na literatura, ainda que um autor diga apoiar o espírito do proletariado, não conseguirá exaltá-lo em seu poema. O mesmo se poderia dizer sobre uma marcha do proletariado composta em forma de uma canção militar, e que por esse motivo estaria fora do escopo da Música. Dessa forma, pelo bem da formalidade e da essência no que tange o campo das Artes, inevitavelmente há elementos inexpressáveis ao defender o espírito do proletariado. Ao mesmo tempo, é impossível forçar o enaltecimento do espírito do proletariado por meio de romances e peças teatrais que, mesmo consideradas livres, são centradas no amor, assim como é uma perda de foco a ideia de chamar essa arte de burguesa somente porque nela não é representada qualquer parte do espírito do proletariado. Portanto, apenas aquilo que é manifestado em oposição ao espírito proletário de forma evidente deveria ser considerado contrário à literatura proletária.
Bem, acredito que em geral há dois caminhos para aquilo que defende o espírito do proletariado. Em primeiro lugar, há o que faz da difusão de propaganda como objetivo, e, em segundo lugar, há o que se difunde como propaganda enquanto composição literária. Acredito que obras como as de Shaw se enquadram no segundo tipo. Assim, quando se pergunta sobre o que seria essa propaganda, diz-se que muitas pessoas veem no primeiro tipo a essência da luta de classes como ponto principal, e que o objetivo e conteúdo da propaganda é a força para prosseguir na luta. Entretanto, no mundo real não é evidente a distinção entre os capitalistas e o proletariado, sendo algo vago e bastante complexo. Tomando como exemplo, a relação entre um confeiteiro A e um cliente regular B é próxima ao antagonismo entre um trabalhador e um capitalista, mas, outra vez, entre o confeiteiro A e um funcionário C estabelece-se uma relação onde o primeiro passa a ser um capitalista. Desse jeito, há também pessoas não capitalistas que sofrem da inconveniência por conta do que pode se dizer ser uma falta de clareza de alvo da propaganda. De qualquer forma, a literatura proletária precisa por fim ser algo excepcional. Não pode ser algo de mal gosto, mesmo que se diga ter como objetivo um esclarecimento a curto prazo para permitir a formação de um mundo proletário, a exemplo de se conseguir imaginar a literatura proletária por meio da ênfase direta ou indireta na propaganda. No futuro, a literatura proletária pode vir a ser notável enquanto literatura, mas por hora ela é apenas uma banqueta de apoio. Acredito que argumentos como "tudo bem ser de mal gosto dado a finalidade" não se sustentam. Ainda, todas as artes literárias hão de perecer. Tradições perecem. Mas assim como uma antiga e perecida literatura havia sido notável em seu tempo, não podemos aceitar as imperfeições da literatura proletária atual somente por conta da certeza de que no futuro há de se tornar algo bom. Deve-se produzir uma literatura proletária de qualidade no presente. Seria o mesmo que dizer que, cedo ou tarde, esta pessoa que sou há de morrer, mas por hora existo assim desta forma. Se isso fosse observado por alguém com um discernimento bastante elevado, poderia-se dizer pelo meu estado de existência que na realidade meu interior está morto. Mas, de qualquer maneira, a literatura proletária, embora diga-se ser similar a um ponto de apoio para o futuro, um produto em período de transição, assim como eu existo desta forma, precisa hoje ser algo que possua uma força que nos toque o coração. Precisa se tornar uma obra de arte propriamente dita. Acredito que a colocação de Satō Haruo de que a literatura proletária deve ter um vívido senso de realidade é, em resumo, nada mais do que um clamor pela excelência da literatura proletária.
Eu ouço os brados da literatura proletária nos círculos literários há uns três ou quatro anos, mas do meu ponto de vista me parece que ainda não há uma literatura proletária materializada que nos toque o coração, ao mesmo tempo em que seja algo como um solo virgem inalcançável ainda por tomar forma. Como muitos de nós escritores atuais somos tidos como burgueses, acredito que os novos escritores que tentam estabelecer uma nova literatura deveriam extensivamente desbravar o solo virgem da literatura proletária. Bom é aquilo que é de qualidade. A completude da literatura proletária é algo pelo qual eu tenho grandes expectativas.