O povo japonês e as “coisas japonesas”
Tradução: Rodney Ferreira, Lara Oushi Escobar
HTML: Felipe Chaves Gonçalves Pinto
Primeira publicação da tradução: Ferreira, Rodney; Escobar, Lara Oushi. "Tradução do ensaio O povo japonês e as “coisas japonesas”, de Tosaka Jun". Cadernos de literatura em tradução, no. 29, p. 90-112, 2025. Disponível em: Cadernos de literatura em tradução. Acesso em: 10/08/2025
Texto original: "Nihon no minshû to 'nihontekinaru mono'". Kaizô, abr., 1937. Disponível em: Aozorabunko. Acesso em: 10/08/2025.
Este texto está licenciado por: Licença Creative Commons Atribuição-CompartilhaIgual 4.0 Internacional (CC BY-SA 4.0).
Nota: Os termos entre colchetes foram adicionados pelas pessoas autoras da tradução e indicam o termo específico que foi traduzido.
Nos círculos literários e em parte da esfera da crítica, indo direto ao ponto, a moda é examinar o que são “coisas japonesas”. Ao dizer isso, talvez não sejam poucos os polemistas a esbravejar: vejam lá o formalista tentando menosprezar a “japonicidade”! – Porém as coisas nem sempre correm como se espera. Observações críticas acerca do “formalismo” já existem e esse termo já está formalisticamente esgotado. Por isso, acredito que seja necessário o emprego de um termo que seja um pouco mais eficaz. E caso os senhores não consigam pensar em algo, continuar com o uso de “formalismo” seria agir como um cão que apenas ladra, mas não morde.
De qualquer modo, neste momento eu não sou um formalista. E isso porque estou trabalhando junto com os senhores para investigar o que exatamente são as “coisas japonesas”. Porém, meu ponto de vista e minha ênfase podem ser ligeiramente diferentes das suas. E será aí, obviamente, que meu ponto se estabelecerá.
Vamos começar a discussão de um lugar relativamente diferente e aparentemente distante. Num momento anterior, pude distinguir entre um conceito sociológico de moralidade e um conceito literário de moralidade. O primeiro se refere a fenômenos morais que efetivamente existem na forma da superestrutura da sociedade, como leis morais, boa consciência e costumes humanos, e, enquanto categoria da realidade, esse é certamente o conceito moral mais científico. Contudo, apesar de ser algo tratado pelas ciências sociais, não se pode dizer que essas forneçam necessariamente o melhor método de observação desse objeto. Se a moralidade fosse qualificada como um método das ciências sociais, o resultado seria o de se cair inevitavelmente numa visão social chamada eticismo, semelhante aos idealismos e liberalismos que são encontrados frequentemente na sociedade. Portanto, nesse caso, a moralidade existe como ela mesma, e se, na pior das hipóteses, lhe pedíssemos para ser abstraída enquanto ferramenta metodológica, o resultado seria totalmente não científico e problemático.
Por outro lado, o conceito literário de moralidade já não expressa este tipo de moralidade efetiva. Certamente, não são muitas as coisas chamadas morais. E sendo assim, além da coisa que decidimos se tratar de algo único e real, falamos agora dos diferentes conceitos que se fundam nela. Em primeiro lugar, eu diria que a literatura é um tipo de conhecimento. Há aqueles que argumentam que não se trata de um conhecimento, mas de uma expressão, ou então que a expressão é mais relevante que o conhecimento. Porém, sem a expressão, uma coisa como a intenção de conhecer seria puramente arbitrária, e mesmo a ciência tem que se expressar, senão não há conhecimento científico. O mero livre correr das observações e das investigações não é ciência. A ciência só passa a existir como trabalho quando os resultados da observação e da contemplação são expressos em forma científica e são transmitidos ao longo da história. Nesse sentido, a literatura é certamente um tipo de conhecimento, e o significado do conceito literário de moralidade é que a ideia de moralidade emerge como parte dessa faculdade ativa do conhecimento. Em outras palavras, isso não diz respeito ao que é chamado de moralidade efetiva, mas ao conhecimento literário; a uma categoria metodológica da epistemologia, ou talvez dos estudos literários. Na sociedade, isso também é chamado de moralidade [モラル].
Ora, quanto à moralidade concernente à faculdade do conhecimento literário, é de conhecimento geral que ela não pode ser separada do que se chama de si-mesmo [自分], eu [自己] ou ego [自我]. Portanto, o que chamo aqui de si mesmo, eu e ego, diz respeito, na realidade, a essas coisas enquanto elos que pertencem ao mecanismo do conhecimento, e não necessariamente a objetos da realidade como o indivíduo e o ser humano.
Acredito ser amplamente aceito que a essência da literatura burguesa desde o período Meiji [1868-1912] tem sido uma espécie de busca desse ego [自我]. Isso é especialmente verdadeiro se observarmos os casos de Natsume Sōseki e Akutagawa Ryūnosuke. No entanto, esse ego, na realidade, não é apenas ego, mas afinal não mais que o ego pequeno-burguês na sociedade burguesa chamado de auto-consciência [自覚], idêntico à consciência de si [自我意識] que, por exemplo, se sugere ter determinado o suicídio de Akutagawa. O papel desempenhado pelo ego no conhecimento literário que mencionei anteriormente não é claro e, em nome da investigação de si [自我の探究], o ego, que é apenas uma categoria metodológica, torna-se nada mais do que um objeto de investigação. E porque esse mesmo objeto de investigação não foi nada mais do que algo hipotetizado, a consciência do impasse do ego pequeno-burguês (que em grande parte da literatura japonesa representa a burguesia) consequentemente levou, ao mesmo tempo, o ego como função literária a um dilema.
Contudo, já nessa época, o período de ascensão da literatura proletária estava sendo preparado. Ainda assim, mesmo nesse período que se pensou como o de sua maior prosperidade, a literatura proletária não adotou um termo como o da chamada “investigação de si”. Falando-se de modo radical, parecia até que, em lugar do ego, a sociedade é que foi tomada como problema. A falência do “ego” se pôs às vistas, e, além disso, seu sucessor não poderia ser respeitado da mesma forma que aquele velho recipiente chamado ego. No entanto, sempre foi evidente que a esmagadora maioria dos leitores da literatura proletária sabe melhor que qualquer um que isso foi, precisamente, uma nova investigação do ego. O leitor, sob o nome de sociedade, recebeu um novo ego; um novo tipo para si mesmo. O único problema, ao que parecia, era se esse ego realmente era ou não seu próprio ego.
Aí, a antiga denominação de investigação do ego foi revivida, também na literatura proletária, na forma do problema do sujeito. Contudo, nesse momento, a literatura proletária deixou de ser a literatura proletária no sentido mais comum e simples, e se tornou a literatura proletária que se remoía reflexivamente pela questão de se o novo ego investigado seria ou não verdadeiramente o que se chamava de seu próprio ego. É uma literatura que teve que ser renomeada como proletária, e passou a também ser chamada de literatura de conversão, ao mesmo tempo que teve que se confundir com as últimas correntes da literatura burguesa convencional.
Creio que o único princípio filosófico capaz de impedir que essa confusão redunde no renascimento da chamada investigação do ego como algo reacionário e reativo, é aquele que distingue entre o ego como conceito literário e o ego como objeto de investigação, e o organiza como parte da faculdade de conhecimento artístico. Caso contrário, a investigação do sujeito e do ego uma vez mais não terá escolha senão a de submergir para dentro do individualismo. E, uma vez que isso seja realizado, também se tornará inútil a hipótese do fatalismo mecânico de que o ego pequeno-burguês só poderia ser um problema para o ego pequeno-burguês. Isso também tornaria possível explicar uma atividade que todos praticam, e que chamam de abandonar o ego e superar o ego.
Contudo, não estou dizendo apenas isso; a conversa ainda pouco tocou nas características específicas da literatura proletária. Mesmo a literatura burguesa, tratando da questão dos prós e contras do romance do eu [私小説], chegou até esse ponto. E, se a teoria moral que eu apresentei alhures é criticada, é porque a falha está exatamente aqui. Há o ponto de que, tratando-se apenas disso, as características materialistas da literatura não são suficientemente detectáveis. Como parte da faculdade do conhecimento artístico, a egoicidade [自我なるもの] na literatura ainda está totalmente detida em algo de geral e abstrato. O papel que o ego desempenha na literatura não é algo que desce de cima para baixo, pois o conhecimento literário é extraído do ego do indivíduo, que vive em sociedade.
Esse ego não é algo como uma consciência universal [意識一般] ou um eu puro [純粋我]. Porque a epistemologia burguesa, até aqui, nem mesmo pensou o conhecimento literário (ou artístico) como conhecimento, o ego, assim, foi pensado como parecendo se limitar a algo de geral, porém, para a consciência científica, supondo que se explicasse o conhecimento a partir da atividade independente da consciência em acordo com esse mote do conhecimento idealista, provavelmente se cairia em apuros com essa explicação geral. No lugar disso, justamente, é que nós discutimos as características de classe da ciência e o que elas são. Contudo, não importa o que se diga ao final, na ciência, o sujeito, cuja forma é um ego [自我] ou eu [自己] extraído e apartado do indivíduo, significa apenas, em termos científicos, uma limitação subjetiva. É na literatura (arte) que o ego realmente realiza uma função epistêmica. Dessa maneira, é impossível que esse ego exista como algo de geral e abstrato, e tampouco ele pode existir como mero sujeito social, devendo se tornar algo como um ponto de vista particular que é sustentado por características de classe precisas. Em outras palavras, aquilo que se chama de características de classe da literatura emana das próprias ferramentas do conhecimento literário. A sensibilidade [感性], ou sensorialidade [官能] de um tal ego passa a também possuir características de classe.
Todavia, também a literatura burguesa, por sua vez, já nesse momento começou a perceber a “reificação” [具体化] desse tipo de ego. A defesa do Sr. Yokomitsu Riichi, em sua teoria do romance puro, da literatura popular como literatura pura, à parte o poder de persuasão de sua lógica, também tratou dessa questão. Mesmo na esfera da literatura burguesa, apesar de ainda não sustentar nenhuma descrição formal, esse é o despertar mesmo de uma teoria popular. Nisso, também está a discussão apresentada pelo Sr. Kobayashi Hideo a respeito do povo.
Justamente porque a “reificação” do ego não é a reificação de outras coisas, mas a reificação do ego mesmo, quando se delimita o que se chama de povo, fala-se exatamente do povo japonês. A ferramenta de conhecimento chamada de ego como pessoa literária do escritor (o escritor se torna através de si próprio uma ferramenta de conhecimento) desce a montanha até o povo, ou o eu [自身] do escritor surge como um dentre o povo? – Embora essa seja uma distinção de extrema importância, de todo modo devemos admitir que o fato de não se poder dissociar o ego do que é o povo japonês é um avanço dentro dos limites da literatura pura burguesa. O que anteriormente era chamado de natureza política da literatura, ou recentemente de natureza social da literatura, e, referentemente a isso, o que era chamado de cultura do homem de letras, tem sido apresentado dessa forma.
Quanto a mim, ao menos até aqui, no que toca às chamadas “coisas japonesas” na literatura burguesa, em acordo com a atual explicação, elas são, na verdade, coisas características do povo japonês, e não penso apenas que isso se origina da fascistificação da cultura japonesa (supondo que se possa falar de um fascismo à japonesa), tal como sinalizam as ações na Manchúria. O que deve ser identificado como a causa disso servirá de degrau para uma parte mais avançada da discussão, e por isso não discutirei isso agora. Mesmo sem tais circunstâncias sociais, a literatura burguesa, como resultado da busca pelo ego perdido, em algum momento chegaria até aqui. Na toada dos sinais do exemplo citado acima, o clima cultural japonês, graças à confiança popular, simplesmente acelerou o momento que levaria a essa conclusão.
Contudo, o que se chama de ego, nem é preciso dizer, é a coisa mais familiar de todas. Assim, supondo que mesmo que um ego de uma pessoa não sinta o povo como algo próximo de si, ela consegue plenamente sentir a si como japonesa. Encontram-se muitos desses “japoneses” atualmente na sociedade, e não são raros também nas colônias japonesas. E são também bem numerosos os “japoneses” que hoje tomam seu próprio país como se fosse uma espécie de colônia. Portanto, de acordo com esse grupo, se insistirmos na “reificação” do ego, a investigação de si culminaria em uma “coisa japonesa” incondicionada. É um fenômeno ao qual devemos prestar atenção aquele que surge ao se forçar a “reificação” do ego tanto insensata como abstratamente, conseguindo se aproximar da “coisa japonesa” mesmo sem se aproximar do povo japonês. E não apenas isso. Mesmo nos atendo ao povo japonês, não devemos nos esquecer que são modos completamente opostos aquele que vai em direção à coisa japonesa por causa do povo e aquele que, por outro lado, traz o tema do povo tão-somente por ser ele necessário, de alguma forma, à coisa japonesa. De que forma se desdobra a conexão entre as coisas do povo e as coisas japonesas, é algo que não pode ser levianamente negligenciado.
Nesse sentido, tenho uma suspeita. Por que as pessoas falam apenas de “coisas japonesas”, mas não falam de “coisas do povo japonês”? As coisas japonesas também não são coisas populares? O que se chama de tradição cultural da raça [民族] japonesa, e o que se chama linhagem sanguínea, também não está dentro do povo? – “Que as coisas japonesas são também as coisas do povo, não é algo claro desde o princípio?”, alguém pode dizer. Porém, o que, afinal, é isso que se chama de povo? O que se quer dizer com a denominação da coisa que é chamada preferencialmente de povo pelos senhores? Essa é uma questão que deve ser levada um passo adiante. Falaremos disso mais à frente, mas observando-se o que se tem tentado em termos de apreensão do que significam coisas japonesas, a riqueza intuitiva do Man’yō, ou o “páthos das coisas” [もののあわれ] de Genji, ou então, se assim quiser pensar, o bushidô medieval, ou então a retidão e a humanidade do período Tokugawa, e, assim, além da falta de sentido da análise qualitativa dessas infindáveis coisas japonesas, está em completo desalinhamento com o povo japonês contemporâneo. Em suma, já que o povo japonês é a questão, somos nós, o povo japonês de hoje, que devemos ser a questão. Se a definição escolástica de coisas japonesas pode buscar na história características disso e daquilo seguindo o próprio gosto, pode ser também um denominador comum dessa variedade, ou resolutamente descartar os conteúdos e trazer à tona as capacidades formais da raça japonesa (talvez a capacidade de assimilar de forma própria a cultura estrangeira ou o que o valha). Porém, o fato é que não é assim que as coisas correm para as pessoas do povo que vivem bem diante de nós.
Não posso acreditar que os 6 milhões de cidadãos de Tóquio (que representam pouco menos de 10% da população japonesa) trabalhem sentindo o “páthos das coisas” (もののあわれ), nem que os 50 milhões da população agrícola vivam suas vidas de acordo com o bushidô (Mansaku Itami não é igual a Fanck). Se considerarmos realisticamente a mentalidade do povo japonês moderno tal como ele é, não encontraremos materiais que digam respeito a uma única circunstância de manifestação do que seria forçosamente reconhecido como “japonês”. O povo japonês é, na verdade, diferente do povo da China e diferente do povo da Rússia Soviética. Contudo, mesmo se olharmos apenas para essas diferenças, não há consenso em relação às “coisas japonesas” derivadas das diferentes características culturais do país. A menos que haja um esforço para preencher essa lacuna, as chamadas “coisas japonesas” serão dadas provavelmente ou como contos de algum país distante para o povo japonês, ou uma inconveniência ou, mesmo, algo demasiado embaraçoso. A imposição de algo exclusivamente japonês, antes mesmo de se analisar o verdadeiro estado mental do povo japonês – ou seja, a partir de algo construído em outro lugar – sobre o próprio povo, deveria ser considerada teoricamente um ato de violência. Na realidade, os governantes do Japão impõem ao povo os bons costumes do familiarismo como japonicidade. Dessa perspectiva, aumentar o imposto sobre heranças imobiliárias é uma discussão contrária à política nacional. As experiências do passado devem servir de lição.
Muito se fala sobre o povo, mas qual é exatamente o conceito de povo? Acredito que isso deve ser entendido primeiro como um conceito político, mas se o transformamos numa questão cultural, teríamos que pensá-lo de forma completamente diferente? Penso que o povo de qualquer país carrega em si um sistema de classe, ou será que o povo seria algo como a soma da população do país? Ou seria verdade que o povo japonês, diferentemente de povos estrangeiros, não tem sistemas de classe? Esse é um ponto importante, dado que a concepção social de que o povo japonês não dispõe de um sistema de classe social existe ainda no Japão atualmente. Então, será que o conhecido conceito de povo dos estudiosos da literatura burguesa busca sua base nessa visão social? Ou talvez eles não precisem de tais bases pseudo-argumentativas [論理臭い論拠]? Devemos seguir com fé? Devemos seguir com coragem?
O papel que o povo japonês assume ou deveria assumir, no tocante às relações de classe, é mais determinante que qualquer outra coisa para a compreensão do que é esse povo. Todas as outras provisões devem ser consideradas com base nessa. Não me refiro simplesmente à pessoa japonesa, mas ao escopo do povo japonês. Sem elucidar como o povo japonês é politicamente independente, não se pode explicar o que se caracteriza como “japonês”, pois mesmo que se explique a “japonicidade”, esta não explicará o povo japonês. No Japão, a única certeza é, coincidentemente, esse duplo confronto. O Japão é uma totalidade una, mas ao mesmo tempo, tem em si uma dupla contradição: uma realidade política é a de que na medida em que o povo japonês é povo ele se põe em contradição aos governantes; e, no final, esta deveria se tornar uma convicção de todos nós, o povo japonês. Essa crença, certamente, não pode desenvolver-se popularmente por meio da identificação e elevação da “japonicidade”, sua solidificação será inevitavelmente alcançada apenas através da prática das atividades baseadas nos interesses cotidianos da população. Na verdade, é nesse período que a japonicidade será criada pela primeira vez na sua forma efetiva. Antes disso, as “coisas japonesas” não se diferenciavam das coisas entendidas como tradição. A tradição não é uma força motriz do desenvolvimento, mas apenas um postulado. São coisas completamente diferentes fazer um bom proveito de certo postulado e fazer desse postulado uma força motriz de um novo desenvolvimento. Se não fosse assim, não haveria distinção entre progressismo e conservadorismo.
Parece que as “coisas japonesas” algumas vezes se opõem às coisas que são ocidentais ou globais, mas essa provavelmente não é a verdadeira intenção. A verdade é simplesmente que são coisas à mercê dos escritores e chamar isso casualmente de coisas japonesas traria uma consequência estranha. Ninguém está pensando seriamente em nacionalizar ou etnicizar a cultura do Japão de agora em diante, contrapondo a globalização, ou em restringi-la pela exclusão das coisas europeias, ou coisas do gênero. Na verdade, pelo contrário, o ego [自我] e o “si-mesmo “[自分] que estão à mercê de suas origens buscam profundamente, em primeiro lugar, ter suas procedências aceitas internacionalmente. Mas o que está à mercê do ego [自我] dos senhores? Não é o próprio povo japonês? Definitivamente não é apenas o Japão ou a japonicidade. Ou será que os senhores são japoneses que não se misturam com o povo? Em outras palavras, seriam os senhores homens de cultura que pertencem aos governantes políticos do Japão? Mais uma vez, devo pedir que esclareçam esse ponto. Não, antes disso, a questão se resume a saber se, afinal, os senhores reconhecerão ou não o conflito de classes [クラッセン•ゲーゲンザッツ [Klassen Gegensatz]] no povo japonês. Essa não é apenas uma questão política, mas uma questão enraizada que permeia a consciência cultural atualmente.
A etnia, como agente do que significa ser japonês, é frequentemente discutida. No entanto, isso não significa liquidar teoria étnica ou partir dela. Além disso, ela não finda no nacionalismo ou no nacionalismo japonês. Essa questão tem significância como uma das chaves para resolver o problema do povo japonês, por isso, seu valor não é separado. Alegorias metafísicas culturais como laços sanguíneos e exigências de sangue também são uma das chaves da história do povo japonês. Pelo contrário, sou favorável à compreensão de que o povo japonês não é a chave para explicar a raça ou a linhagem japonesa. Em outras palavras, tenho observado que todas as questões étnicas se resumem a resolver questões do povo japonês e seus problemas cotidianos, e de modo algum o contrário. Caso, infelizmente, as minhas observações se revelarem erradas, não terei outra escolha senão abandonar minha gentileza atual. Embora insuficiente, desejo agora aproveitar ao máximo minha posição como membro do povo japonês. É aí onde me ponho, é daí que falo. Por fim, sinto que não há razão para a minha existência senão aqui. Isso ocorre porque tenho motivos para acreditar na importância final da classe social para a população. Ainda menos do que para a população, as ladainhas de grupos étnicos, linhagens sanguíneas e tradições me parecem ressoar nada com japonicidade.
Ou talvez digam que, mesmo não ressoando em mim, não seria bom se ressoasse no importante povo ele mesmo? Entretanto, ainda não cheguei a ver esse tipo de mantra sendo efetivamente aceito pelo povo japonês.
O povo japonês constitui a japonicidade desde o início, apenas. Essa japonicidade ainda não aceita as vias em que se não se deixa de lado o significado de classes sociais da população. No entanto, isso não significa que ela esteja fadada a não ser aceita nunca. Isto ocorre porque o povo japonês ainda não teve uma boa formação política (mesmo que democrática, embora isso, de algum modo, também trate da eficácia da democracia futuramente). Isso porque ainda hoje o povo não foi capaz de estabelecer claramente uma consciência confrontativa que deveria ter. Nesse sentido, o povo japonês ainda tem pouca compreensão de si mesmo como um corpo social. Esclarecer esta autoconsciência [自意識] do povo será um papel para a autoconsciência [自己意識] dos autores japoneses do futuro, uma função de seus egos [自我]. Se os artistas tiverem consciência de si simplesmente como “japonês”, seja étnico, tradicional ou de sangue, eles não seriam capazes de cumprir esse papel com segurança. É por essa razão que os autores devem se tornar um com o povo – ou se dirá que esse papel é meramente formal e recusável?
Não se pode discutir japonicidade sem considerar os interesses do povo japonês. O povo japonês deve ser compreendido em sua singularidade. Digamos que a japonicidade reside na tradição, os verdadeiros mestres dessa tradição são o povo japonês, e não alguns intelectuais “tradicionais”. Hoje em dia, deve-se ter cautela com aqueles que impingem a tradição ao povo.
Por fim, deve-se distinguir entre as regras que os especialistas da cultura precisam naturalmente conhecer, e as coisas que esses especialistas da cultura exigem que sejam representadas na consciência popular. A japonicidade é, efetivamente, um pedido que o povo japonês naturalmente envia aos autores e aos especialistas em cultura, sendo isso bom ou ruim. Essas são as regras que os escritores devem conhecer e fazer bom uso para responder às demandas espontâneas do povo. No entanto, por outro lado, mesmo aqueles que representam culturalmente o povo têm o direito e o dever de fazer um pedido à consciência popular. Algo que, na minha opinião, é uma exigência do espírito científico. No caso dos autores, seus trabalhos devem realmente demonstrar isso. E em termos de cultura em geral, é isso que se entende como esclarecimento. Por que novamente o espírito científico e não outra coisa? Porque ainda não há outro mecanismo que possa tornar o povo japonês consciente da sua identidade como povo japonês, da autoconsciência que singulariza sua “japonicidade”.
A questão então é: qual é o próprio “si-mesmo” [自分] dos senhores? É aí que a conversa diverge.