Anel quebrado
Tradução: Gustavo Perez Katague
HTML: Felipe Chaves Gonçalves Pinto
Primeira publicação da tradução: Katague, G. P. "Anel Quebrado: a miséria do matrimônio em Koware Yubiwa de Shimizu Shikin". Cadernos de Literatura em Tradução, n. 29, p. 16-34, 2025. Disponível em: Cadernos de Literatura em Tradução. Acesso em: 16/07/2025
Texto original: Shimizu, Shikin. "Koware yubiwa". In: Jogaku zasshi, 1891. Disponível em: Aozorabunko. Acesso em: 16/07/2025.
Este texto está licenciado por: Licença Creative Commons Atribuição-CompartilhaIgual 4.0 Internacional (CC BY-SA 4.0).
Se você se intriga com a falta de uma pedra preciosa neste meu anel, eu concordo, é bastante deplorável usá-lo assim neste estado, quebrado, e que talvez fosse melhor trocá-lo por outro qualquer... mas o fato é que eu não consigo, porque a avaria deste anel é uma memória para mim. Pois é, o tempo passa rápido mesmo, já faz mais de dois anos que eu o quebrei. Desde então, as pessoas sempre me perguntam se não é um tanto inapropriado usá-lo desse jeito, mas eu me forço a este ato por motivos muito íntimos. Por outro lado, sendo ninguém menos do que você, vou contar a minha história sobre ele.
A verdade é que eu sinto mais dor ao olhá-lo do que se tivesse minhas entranhas dilaceradas... mas não consigo tirá-lo da minha mão por um instante que seja, por ser o meu maior benfeitor, que, de um modo ou de outro, ainda por cima fez despertar em mim a energia para me tornar uma pessoa bem estabelecida, graças aos inúmeros sofrimentos e lamentos que ele me trouxe. Ele se tornou um meio de instigar minha determinação e alimentar minha coragem, sendo um incomparável ponto de apoio para o meu próprio bem. Pode parecer bem vergonhoso ao olhar alheio, mas, para mim, é um verdadeiro tesouro que eu não trocaria nem por dez milhões em ouro, uma peça que realmente se adequa à minha pessoa. Você provavelmente não conhece os detalhes da minha história, mas eu mesma me pareço muito com este anel na realidade. Junto a ele, recebo das pessoas diversas críticas e censuras, mas ao quebrá-lo de bom grado, sem qualquer peso na consciência, já de antemão eu estava preparada para essas banalidades. Por um lado, às vezes me pego olhando para ele, mergulhada em lágrimas de compaixão por mim mesma, pensando que nós juntos somos dois pobres coitados. Por outro lado, me conforta pensar que as divindades, e, agora, as pessoas, conheçam esta minha alma remendada. Ah, quem sabe, talvez daqui a cem anos, quantas pessoas não entenderão o real valor contido neste anel.
De alguma forma, meu peito logo se inflamou renovado ao perceber que falaríamos disso. Nunca vou me esquecer do momento em que passei a usar este anel na minha mão, há exatos cinco anos, bem na primavera dos meus 18, quando me casei... sendo um presente dado pelo meu marido. Não que ele tivesse a intenção de me dar algo como um anel contratual, como é chamado por hora, apenas o comprou para mim sem nada especial em mente. Entretanto, vendo agora, não tenho nenhuma objeção caso queira chamá-lo dessa maneira.
Em primeiro lugar, aquela época, a época em que eu me casei, foi próxima ao que dizem ser enfim o momento em que as sementes da educação das mulheres foram semeadas em alguns cantos, e, deste modo, eu não possuía nem metade dos ideais que carrego hoje, em particular por ter vivido em uma área rural, onde os mesmos cinco anos atrás eram totalmente diferentes dos de Tóquio. Eu nunca havia sonhado com a ideia de um casamento como o dos ocidentais, ou então ouvido sobre o que eram essas dignas leis matrimoniais. Eu apenas compreendia o estado de ser dos costumes de um Japão ancestral como algo natural. E nas escolas para mulheres daquela época, inclusive na qual eu fui educada, nos faziam estudar somente os princípios morais à moda chinesa e ler textos como as Biografias de Mulheres Exemplares, de Liu Xiang, e logo, antes de perceber, eu era influenciada somente nessa direção. Por exemplo, aprendíamos que se na infância fôssemos prometidas a um garoto que nem mesmo conhecíamos, deveríamos arrancar o nariz e cortar fora as orelhas para demonstrar nossa fidelidade caso a sua morte nos separasse, ou então que uma esposa não tinha direito algum de pedir divórcio ou interferir na família de seu marido, mesmo se a sogra tentasse estrangular sua cunhada por maldade, sendo essas atitudes nada menos do que a virtude de uma mulher. Portanto, com isso em mente naquela época, não havia como saber a verdadeira natureza da pessoa a ser selecionada como marido, assim como ao tirar um bilhete de loteria, à deriva entre a sorte e o azar, confiando apenas no destino. Nós éramos preparadas para viver a vida de forma pura e honrar a integridade. Além do mais, minha mãe era do tipo de pessoa que se comportava conforme sua interpretação literal do Grande Aprendizado para Mulheres, raramente dirigindo a palavra ao meu pai sem juntar suas duas mãos ao chão, ajoelhada além da divisória da porta. Todo tratamento dado a ele era como o dedicado a uma visita, e eu, desde criança, estranhava a relação entre outros pais e filhos, me questionando a razão de serem tão afetuosos. Ainda sem qualquer clareza e em grande parte influenciada por esse jeito tão somente inibido da minha mãe para com meu pai, eu estava convencida de que o destino de uma mulher era apenas um pesaroso vazio. Entretanto, naquela época, apesar da minha aparente e total falta de compreensão sobre certos aspectos e da eventual certeza do destino desprezível reservado às mulheres, havia momentos em que eu me perguntava se não seria possível viver a vida à minha vontade, sem me casar com ninguém.
Assim, por volta dos meus 15, 16 anos, meus pais insistiram em me instigar ao casamento, e, para a minha surpresa, não apenas uma ou duas vezes. Embora eu continuasse recusando, sugeriam diversos partidos, perguntando minha opinião sobre esse e aquele, mas eu ressaltava somente os pontos negativos de cada um. No começo, minha mãe intercedia por mim, dizendo ao meu pai que podiam esperar um pouco mais pois eu ainda não tinha tanta idade... mas, no primeiro mês do ano em que eu fiz 18, ela discretamente deixou de advogar por mim, e meu pai, já um tanto irritado, passou a repreender minha mãe, reclamando que eu era uma egoísta tudo porque ela não havia me educado direito. Certo dia, então, meu pai me chamou à sala. Quando fui averiguar, ele, esperando eu me sentar com um semblante impaciente, ordenou em definitivo que eu me casasse. Fiquei tão perplexa na hora, chego a suar frio só de lembrar. Eu havia planejado antes inúmeras desculpas, falaria aquilo se ele falasse isso, falaria isso se ele falasse aquilo, mas nunca me veio à mente que ele daria uma ordem como aquela, como se a decisão fosse final. Assim, simplesmente tomada pelo choque, levantei o olhar ao rosto do meu pai, mas nele havia somente a veemência de quem não aceitaria a ousadia de um não como resposta. Esperei, acreditando que minha mãe, sentada ao lado, interviria a meu favor. Entretanto, talvez por medo da ira dele, ou talvez por consenso prévio, ela parecia estar apreensiva e apenas me observava, sem dizer nada, indicando com o semblante que eu aceitasse o quanto antes. Sob ambos os olhares abatido e severo de cada um deles, eu estava de fato atônita, sem saber qual seria a melhor resposta, sobretudo diante da usual falta de afeto do meu pai.
— Ainda tenho algumas coisas para estudar, não poderíamos adiar um pouco mais... — respondi, depois de muito esforço, por entre os dentes que mordiam meus trêmulos lábios, mas fui interrompida por meu pai, com os olhos em chamas me encarando.
— Te falta estudo? Que estupidez! Não te deixamos estudar o suficiente? O que te falta? O que te desagrada? Mas que egoísta! — ele esbravejou lancinante, e a expressão da minha mãe ao me olhar era a de como se eu tivesse dito algo errado, mas não era como se eu estivesse dando uma desculpa qualquer da minha cabeça.
— Por favor, deixem-me ir para a escola de formação de professoras em Tóquio — disse, por fim, sem me intrometer de modo abrupto, mas uma vez mais fui interrompida.
— O quê? Escola de professoras? Hum, e o que você vai fazer depois de virar professora de escola primária? Escute direito e pare de falar do que você não sabe, porque não é fácil passar o resto da vida inteira sozinha. Eu já conversei com a sua mãe, então ouça-a bem dessa vez — e se levantou casualmente, indo para um lugar qualquer.
Por fim, depois minha mãe tentou me convencer com sensibilidade, argumentando com a voz embargada.
— É da índole do seu pai, é raro ele voltar atrás quando fala daquele jeito, ainda mais porque o partido desta vez o agradou muito, e o intermediário, o senhor Matsumura, de forma alguma tem qualquer má intenção. Não é uma proposta de casamento fácil de se conseguir, com alguém de histórico e educação desse nível... e se uma mulher não se casa no momento certo, no fim acaba perdendo um bom candidato como esse...
Hoje em dia, eu não seria nem um pouco condescendente com essa situação, mas naquela época, sendo apenas uma moça ingênua, e ainda por cima já bastante resignada a ser enviada de vez para um lugar qualquer, consenti embora não me agradasse. Pensando agora, acho estranho eu não ter sido um pouco mais inflexível e recusado.
Ao então abordar as questões do encontro formal entre as famílias para arranjo de casamento, minha mãe disse ser conveniente, conforme a proposta da parte interessada, que o encontro ocorresse dali dois dias, e que, diante dessa presteza fortuita, talvez fosse proveitoso que eu preparasse o cabelo e pensasse na combinação de quimonos, colarinhos, entre outros, já no dia seguinte. Porém, como eu não sabia como responder naquela hora, apenas concordei, e em seguida voltei absorta para o meu quarto. Dada a certeza de que o casamento havia sido previamente arranjado pelo meu pai, eu não teria nenhuma chance de recusá-lo após esse encontro. Achando um tanto ridícula e vergonhosa a ideia de ter meu rosto apresentado para um partido, em teimosia deliberada, insisti à minha mãe que eu não queria participar. Agora, eu também vejo isso como uma estupidez, uma falha minha, mas, pensando ainda mais a fundo, desde muito pequena, eu raramente me relacionava com pessoas além de amigos da escola ou parentes. Quando uma visita do meu pai chegava e eu por acaso estava de bobeira próxima à entrada da casa, minha mãe sempre me alertava da presença da pessoa e fazia eu me esconder. Acostumada a ser enxotada para a dispensa, nunca tive um olhar apurado para entender os outros. Dessa forma, sem que o encontro em questão fosse realizado e obviamente sem qualquer senso que me coubesse, ao invés de no mínimo me preocupar com isso e aquilo diante de uma incerteza imprudente, houve momentos nos quais eu me entretia em vaga distração ao imaginar que tipo de pessoa ele seria. Dentro do meu desgosto pelo matrimônio, de certo essa me é uma das poucas lembranças que talvez seja feliz.
E assim, no terceiro mês daquele ano, na época da florescência das cerejeiras, o casamento finalmente aconteceu. Porém, nos dois ou três primeiros meses, sem conseguir em nada me acostumar com o meu marido, eu não havia percebido direito que eu estava fadada a passar uma vida inteira junto à família dele. Eu não sabia se ele me amava. Às vezes, ele me levava a museus ou outros lugares e se oferecia para comprar algo para mim, mas eu não tinha muito interesse em receber seus agrados, talvez porque, longe de qualquer paz de espírito, eu de fato não me sentia como alguém da sua família. Não havia o mínimo de prazer ao caminhar ou fazer qualquer outra coisa junto a ele. Onde quer que eu fosse, eu apenas me lembrava dos momentos com a minha família e desejava que a minha mãe ou minha irmã mais velha estivessem ali comigo. Então, certo dia, uma jovem de apenas 15 ou 16 anos veio à nossa casa entregar uma carta de algum lugar. Uma empregada da casa a trouxe diante de mim sem pretensão alguma e, por algum motivo, meu marido esticou as mãos com pressa para pegá-la, repreendendo-a por não ter trazido diretamente a ele. Sem entender nada do ocorrido, de repente pensei comigo como ele, irritado com algo banal, parecia intimidador. Ao terminar de ler a carta, ele enrolou-a várias vezes e a colocou dentro da manga do quimono, o que não era do seu feitio, e, após avisar a empregada que iria responder eventualmente, por fim dispensou a jovem mensageira. Naquela noite, ele disse que iria sair de casa para dar uma volta na vizinhança, mas não tendo retornado às dez, nem mesmo à meia-noite, eu, certa do seu retorno, deixei de pedir que as roupas de cama fossem armadas e aproveitei a chance para escrever cartas às minhas amigas de escola. E logo, como a madrugada avançava aos poucos, considerei permitir que as empregadas fossem descansar antes de mim, mas uma delas se aproximou para me fazer companhia, dizendo que eu parecia solitária. Tendo atentamente me visto escrever as cartas, ela mencionou que minha caligrafia era muito bonita, deixando escapar que não era o caso da antiga madame da casa. Às súbitas palavras “antiga” e “madame” que chegaram aos meus ouvidos, eu fixei meu olhar inconsciente na imagem da empregada.
— O quê? Havia alguém antes de mim?
A serviço daquela casa desde muito antes de eu chegar, ela sabia de quase tudo e não teve opção senão responder à minha pergunta.
— Ai, eu vou levar uma bronca do senhor mestre por dizer coisas assim, sem pensar, mas como já não tem mais jeito, eu falo. Até uns cinco ou seis dias antes de você vir, havia nesta residência uma senhorita que, ao que parece, era da casa onde o senhor mestre ficou hospedado quando era estudante.
Ela contou a história do começo ao fim. Então, pensei, a mensageira que veio à tarde... talvez... mas me fiz de indiferente, escutando apática entre um “ah é?” e outro, para não parecer comovida diante dela. De uma forma ou de outra, porém, eu passei a me sentir mal depois disso. Mas que verdadeiro canalha, havendo uma mulher dessa, seria melhor não ter me desposado para começar, e se fosse para casar, que parasse com isso. Assim eu pensava, mas, sem ver motivos para expô-lo, passei todo esse fastidioso tempo mantendo o caso em segredo, desde o início. Daí para frente, de março a abril, de abril a maio, suas saídas ficaram cada vez mais frequentes, ao ponto de passar até três, quatro dias sem voltar para casa. No começo eu o esperava acordada por duas, três noites, mas depois, já sem conseguir manter os olhos abertos passadas tantas madrugadas, por fim caía no sono às vezes, e, como tudo que é infortúnio, meu marido foi chegar tarde da noite em uma dessas ocasiões. Com as abruptas batidas na porta penetrando os ouvidos, corri para abri-la. Meu marido, fedendo a bebida, me fez uma carranca.
— Mas que droga, agora mesmo bati até quase quebrar a porta, não ouviu? Por que não abre? O barulho incomoda até os vizinhos, não vê? Você é uma donzela muito relaxada, se atreve a dormir pesado enquanto deixa o seu marido em pé do lado de fora — ele murmurou, e eu me lamentava.
O resto era tolerável, mas achei o cúmulo da humilhação ter que escutar aquela bronca na calada da noite, acordando as empregadas em descaso e dando a entender que eu estava discutindo isso e aquilo por causa do seu retorno tardio. Porém, revidar assim seria desastroso como manusear um papel encharcado, então, com frequência, eu simplesmente lhe cedia a razão e me desculpava pela inconveniência, pedindo por fim que ele fosse se deitar. Nessas ocasiões, eu sempre me lembrava da época da escola, pois soube que a minha melhor amiga de classe ainda estava solteira, e que uma outra tinha conseguido permissão para trabalhar lá. Sendo a única conformada a se casar, havia vezes em que eu me afogava em lágrimas de pena por mim mesma, me perguntando o porquê de eu passar por tamanha miséria.
Nessa época, meu pai estava distante e apenas minha mãe estava em casa, e é claro que ela, como mãe, era perspicaz para essas coisas. Nas minhas visitas ocasionais à casa deles, eu me entristecia ao ouvi-la falar da minha péssima feição recente e da minha esqualidez, ou ao me perguntar se eu não estava preocupada com algo, mencionando que como mãe talvez ela não pudesse me ajudar, mas que eu poderia pedir por qualquer conselho ao meu pai se ele estivesse lá, e que, de qualquer forma, era melhor eu cuidar da minha saúde e não me afligir muito. Embora eu tentasse não chorar, me estressava no âmago a vida ao lado de um marido por padrão indecifrável e o meu retraimento diante das empregadas maliciosas, e assim eu sentia da minha mãe uma profunda ternura ao escutar suas palavras de conforto de vez em quando. Mas mesmo lhe afirmando que não havia com o quê se preocupar, uma infeliz cascata de lágrimas transmitia a ela a realidade de forma mais honesta do que eu. Evitando deixar isso à vista, eu secava os olhos com um lenço discreto e, fingindo ignorância, olhava em direção à minha mãe, mas ela, antes mesmo de mim, já tinha os cantos dos olhos avermelhados. Ocasiões assim aconteciam algumas vezes, até que minha mãe, talvez por conta disso mas também pela saúde frágil, ficou completamente acamada e logo inapta a se expressar sobre a minha situação, enfim desvanecendo junto ao orvalho de uma manhã de outono, aos meus 19 anos. Nessa época, os meus sentimentos mais profundos eram indescritíveis. No começo, minha mãe ficaria aliviada o quanto antes eu me casasse, e portanto eu me casei, relutante, com a intenção de dar uma trégua ao seu coração inquieto, mas meu peito ficava em chamas só de pensar que este casamento nefasto teria encurtado a sua vida. E ainda, eu vivi inconformada por dois anos, em profunda e lastimável miséria, ciente de que isso era culpa da minha completa falta de prudência. Porém, as reais consequências disso foram surpreendentes, pois após dois ou três anos casada, eu, sem perceber, me tornei alguém extremamente indignada pelo bem das mulheres, e justo essa foi a época em que as teorias sobre os direitos das mulheres começaram a prosperar, criando na sociedade japonesa a ideia de que nós não estávamos fadadas ao infortúnio e à miséria afinal. Como um interesse habitual, eu sempre tinha à mão as novas publicações periódicas das revistas femininas, lendo-as em paralelo às atribulações domésticas, e assim, o quanto antes, as teorias ocidentais dos direitos das mulheres penetravam na minha mente, me ocorrendo que as mulheres japonesas precisavam todas estar um pouco mais inteiradas do bem-estar que lhes é inato. De um lado para lidar com a minha própria melancolia, e de outro pelo desejo de resgatar as mulheres da miséria, tornei-me alguém que às vezes faz declarações um pouco incômodas. Desde então, minha determinação vem mudando bastante. A princípio eu estava moldada para a passividade à moda chinesa, cujos ideais simplórios se fazem na tolerância irrestrita e no sacrifício da própria felicidade, mas depois isso já não condizia nem um pouco comigo. À parte do meu infortúnio, pensei em prosseguir passo a passo na correção das atitudes do meu marido, para torná-lo um cavalheiro que não envergonhasse ninguém, digno da sua posição de homem casado. Em repetidas e sinceras vezes, eu me esgotei ao adverti-lo, porém, além de ser um tanto mais velho, ele acumulava à minha frente mais vivência em todos os aspectos, e portanto ele não dava valor a nada que eu dizia, passando por fim a me refutar como se ainda eu estivesse me gabando de saber um pouco sobre a posição social das mulheres. Cheguei à beira do lamento, pois, pobre de mim, eu culpava minha falta de honestidade e dignidade, e mesmo sem a perseverança como a de Mônica, desejava possuir algum valor que instigasse o respeito dele. Mas sendo isso algo difícil como remendar um simples tecido rasgado ou retornar uma pedra preciosa em pedaços ao seu estado original, percebi com clareza que meus esforços seriam em vão diante daquelas inúmeras circunstâncias, e também que a minha presença não traria nada de bom, incitando as retaliações do meu marido. Por fim, inclusive pelo bem dele, apesar de eu achar que ele fosse contrário à ideia, ficou decidido que a nossa separação era um estorvo necessário. E assim, resolvi me colocar à disposição de uma sociedade melhor, mas, ao arrancar a pedra deste anel como um ato de memória e admirá-lo, dias e noites, percebo o tamanho da responsabilidade de tê-lo avariado. Não que eu seja uma imitação barata do famoso Goujian, me deitando em lenha ou lambendo vesículas, mas, como fruto deste anel, despertei em mim o desejo de agir a todo custo para proteger o futuro de inúmeras doces garotas e preciosas jovens, para que não pisem por onde eu pisei.
Entretanto, aos poucos as leis de matrimônio têm sido reformuladas, e ao observar a existência de casais bastante louváveis sociedade afora, me pergunto o que nos impediu, a mim e ao meu marido, de nos amarmos desse mesmo jeito, e reservo a mim sentimentos muito íntimos por este anel.
Felizmente, meu pai vive em boa saúde até então. Tendo a velhice o afastado das intromissões insensatas, agora, por outro lado, ele se arrepende de ter podado os galhos de uma jovem árvore e se compadece bastante dos meus vários anos de aflição, me confortando com suas cartas frequentes. Ele me encoraja e enaltece as minhas ambições, o que alegra meus dias mais do que qualquer coisa, mesmo em meio à tristeza. O meu mero desejo a esta altura diz respeito a quem me deu este anel, que lhe fosse possível retornar à sua integridade original, mas, é claro, já quanto a isso...
(“Revista Jogaku”, 1º de janeiro de 1891)