O porco da Escola Agrícola de Frandon
Tradução: Fabio Pomponio Saldanha, Felipe Chaves Gonçalves Pinto
Revisão e cotejo: Intra-cotejo e revisão
HTML: Felipe Chaves Gonçalves Pinto
Texto original: "Furandon nôgakkô no buta", 1934. Disponível em: Aozorabunko. Acesso em: 10/08/2025.
Este texto está licenciado por: Licença Creative Commons Atribuição-CompartilhaIgual 4.0 Internacional (CC BY-SA 4.0).
(Sem uma (?) página do manuscrito original)
exceto por outros materiais, tudo pode ser ingerido, transformado em gordura ou proteína, e armazenado no corpo”. Assim estava escrito, e por isso os assistentes e zeladores do departamento de pecuária da escola agrícola jogavam de qualquer maneira tudo que não fosse aço ou pedra.
Claro, no caso dos porcos, como era algo natural para eles e já estavam bastante acostumados, nunca julgaram aquilo como desagradável. Pelo contrário, em algumas noites, o porco sentia-se especialmente feliz e, olhando para o teto, expressava sua gratidão. O motivo foi que, naquela noite, um aluno primeiro-anista, que estava estudando química, se aproximou dele e ficou observando seu corpo de porco com um ar de espanto. O porco, por sua vez, às vezes levantava seus pequenos olhos em forma de fava, que pareciam sempre irados, e lançava olhares rápidos para o aluno. Então, o aluno disse:
“O porco é realmente uma criatura estranha. Ele toma água, come chinelas e palha, e transforma tudo isso em gordura e carne de primeira classe. O corpo do porco é, hm…, de certa forma, como um catalisador vivo. É como a platina. Entre os inorgânicos, a platina, entre os orgânicos, o porco. Quanto mais penso nisso, mais estranho parece.”
O porco, é claro, ouviu que seu nome foi comparado ao da platina. Sabendo bem que a platina custava 30 ienes por cada 3.75 g, rapidamente fez as contas de quanto valeria seu corpo de 75 kg. O porco abaixou suas orelhas, semicerrou os olhos e dobrou as patas dianteiras enquanto fazia esse cálculo.
75×1000×30=2250000. São realmente seiscentos mil ienes. Quando se fala em seiscentos mil ienes, naquela época, na região de Frandon, isso significava um cavalheiro de primeira classe. E talvez ainda hoje assim seja. Então, sendo um cavalheiro de primeira classe, não é nem um pouco descabido que o porco se sentisse absolutamente feliz, curvando a grande boca daquela silhueta de cabeça, em tudo semelhante a um tubarão, em um sorriso largo de satisfação.
Entretanto, a felicidade do porco não durou muito.
Depois de dois ou três dias, o porco de Frandon viu, ao cair um amontoado de comida do alto, (senhores universitários, tenham calma e mantenham-se firmes. Entendido?), sair de dentro da comida, uma coisa branca, um pouco comprida, com cerdas curtas na ponta; sendo bem direto: o que eu vi foi um palito de escovar os dentes da marca Camelo. Sinto-me constrangido em externalizar estes disparates, principalmente na presença dos senhores, universitários e batizados em cristo, mas, por favor, peço sua compreensão.
O porco ficou realmente assustado. Ao ver as cerdas daquele palito, todos os pelos do seu corpo eriçaram-se, emitindo um som áspero, como grama ao vento. O porco ficou olhando para aquilo por um longo tempo com uma expressão estranha, até que sua cabeça começou a rodar e ele se sentiu terrivelmente mal. De repente, enfiou a cabeça na palha do outro lado e se virou e dormiu ali mesmo.
Quando chegou o crepúsculo e o porco começou a se sentir um pouco melhor, ele se levantou calmamente. Mas mesmo que se diga que ele estava se sentindo melhor, fala-se, no final das contas, do humor de um porco e, naturalmente, não era nada parecido com, por exemplo, uma maçã crocante ou brilhante como um céu azul. Era um humor cinzento. Algo cinzento, ligeiramente frio e transparente. Ainda assim, para entender de verdade o estado de espírito de um porco, não há outro modo senão tornar-se um porco e ver por si mesmo.
Um porco, seja um Yorkshire importado ou um Berkshire de pelos pretos, nunca pensaria que é estúpido ou preguiçoso. O mais árduo de se imaginar, contudo, é a sensação de um porco ao ser golpeado com força em suas costas planas por um bastão. Bem, seja em japonês, italiano, alemão, ou inglês. Bem, como se deve expressar isso? Enfim, de todo modo, não há outra saída plausível senão o grito. Tal qual para o Dr. Kant, isto também é algo totalmente incognoscível.
Ora, o porco estava engordando cada vez mais, dormindo e acordando repetidamente. O professor de pecuária da Escola Agrícola de Frandon vinha todos os dias, observava cuidadosamente o peso do animal com seu olhar afiado, fazia seus cálculos e depois ia embora.
“Feche a janela um pouco mais e escureça mais o quarto, senão a gordura não vai se acumular direito. Parece já estar na hora de começar a engorda final. Dê linhaça todos os dias e aos poucos para ele, entendeu?”, disse o professor ao seu jovem assistente, que vestia um casaco azul-claro. O porco ouviu tudo isso. Então começou a se sentir péssimo mais uma vez. Era o mesmo sentimento que teve com o palito de escovar os dentes. Nem mesmo a esperada linhaça passava direito pela sua garganta. Tudo isso o porco percebeu diretamente através do tom de voz daquele professor, o de pecuária. (Aqueles dois, para todos os efeitos, me dão comida, mas às vezes me olham com olhos tão frios, tal quais o céu do Ártico, e me observam com uma seriedade tão insuportável, como se pensassem em mim com uma dureza assustadora e distante que, Ah!, me causa arrepios, como me causa arrepios!), pensava o porco, e, incapaz de suportar mais daquilo, ele começou a empurrar a cerca com seu focinho descontroladamente.
No entanto, faltando apenas um mês para o porco ser morto, um decreto foi emitido pelo rei daquele país.
O decreto era chamado “Lei de Autorização para o Abate de Animais de Criação”, que declarava que qualquer pessoa que pretendesse abater um animal deste tipo deveria receber um atestado de consentimento de óbito do próprio animal, e que esse atestado de consentimento deveria conter a assinatura do mesmo.
Então, naquela época, tanto as vacas quanto os cavalos, todos os animais, eram violentamente forçados pelos seus donos a carimbar o documento de consentimento no dia anterior ao abate. Os cavalos realmente velhos, por exemplo, eram obrigados a retirar as suas ferraduras e, enquanto choravam desconsoladamente, pressionavam suas grandes assinaturas no documento.
O porco Yorkshire de Frandon também viu o atestado de consentimento de óbito impresso em tipografia. Ele o viu quando, certo dia, o diretor da Escola Agrícola de Frandon apareceu com um grande papel amarelo e foi até ele. O porco já tinha avançado bastante em suas habilidades linguísticas e sua língua já era efetivamente maleável e possuía uma boa constituição, assim, cumprimentou placidamente o diretor em um idioma humano bastante fluente.
“Olá, Sr. Diretor, como o senhor está?”
O diretor, com o documento preso entre a axila, enfiou a mão nos bolsos e disse com um sorriso dissimulado:
“Sim, sim, está tudo bem.”
O porco, de alguma maneira, captou essas palavras com os ouvidos e ficou com elas presas na garganta. Além do mais, a forma como o diretor olhava fixamente para o corpo do porco era idêntica à daquele professor, o de pecuária.
O porco baixou desolado as orelhas e disse hesitante:
“Atualmente, não consigo deixar de me sentir abatido”
O diretor, ainda com o sorrindo dissimuladamente, disse para o porco:
“Hmm. Abatido? É mesmo? Então você já está cansado deste mundo? Ou não é bem isso?”, o diretor se apressou a retirar o que havia dito quando percebeu uma forte expressão sombria no rosto do porco.
Em seguida, o diretor da Escola Agrícola e o porco ficaram em silêncio, encarando-se por um tempo. Não disseram palavra alguma, apenas ficaram ali, imóveis. Nisto, o diretor finalmente desistiu da documento por hoje e, ainda com aquele papel amarelo preso entre a axila, disse enquanto seguia para a direção oposta:
“De todo modo, descanse um pouco. Não vá se agitar demais, hein?”
O porco, logo em seguida, repetiu várias e várias vezes o sorriso dissimulado do diretor e suas palavras maliciosas, tremendo enquanto murmurava para si mesmo.
O que raios quer dizer “de todo modo, descanse um pouco. Não vá se agitar demais, heim?!”? Ah, que aflição. Enquanto o porco pensava dessa maneira, sentia como se sua cabeça fosse se dividir ao meio, tal qual aquela forma trapezoidal. Para piorar, naquela noite estava caindo uma forte nevasca e do lado de fora o vento soprava com fúria, fazendo com que pedaços secos e farelentos de neve entrassem pelas frestas da cabana, fazendo com as sobras da comida do porco ficassem completamente esbranquiçadas de neve.
No dia seguinte, no entanto, o professor de ciências pecuárias apareceu novamente, com seu assistente de rosto vermelho, vestindo um paletó azul claro e com os olhos afiados de sempre, fitando o porco da cabeça à orelha, da nuca à cauda, como se estivesse mordendo-o, e depois levantando um dedo pontudo,
“Segue na linhaça todos os dias, certo?”
“Sim”
“É claro que sim. Não importa se amanhã ou depois de amanhã, já que faz direitinho. Mas obtenha o formulário de consentimento o mais rápido possível. Não entendo o que pode estar errado, dado que ontem o diretor veio até aqui com o certificado debaixo do braço.”
“Sim sim, ele trouxe…”
“Se esse é o caso, será que já está pronto? Se estivesse, já teria sido enviado de uma vez.”
“Sim.”
“Por que você não deixa o quarto um pouco mais escuro, mantendo-o dessa forma? E não dê a ele nenhum alimento no dia anterior.”
“Ok. Farei assim.”
Depois de mais uma olhadela perfurante pelo recinto, o professor saiu.
O porco seguiu agonizando, quase quebrando sua cabeça tentando entender os acontecimentos — afinal, de acordo com qual documento, na véspera de quê você não pode se alimentar… mas algo o quê? o que iria acontecer? o que fariam comigo? O que eles farão comigo no dia anterior ao algo que ainda vai acontecer? Aaaaah.. que dor de cabeça! Naquela noite, de tanto nervosismo, uma boa noite de sono suína seria um sonho distante. Mas, na manhã seguinte, quando o sol mal havia nascido, três pessoas do internato se aproximaram, rindo. Elas mantinham perto do porco, cuja cabeça latejava depois de uma noite sem dormir, outra conversa desagradável.
“Quando será que vai rolar ein… estou tão ansiosa.”
“Eu não quero ver não…”
“Olha, quanto antes melhor… senão os alhos-porós que eu guardei vão acabar congelando!”
“Lembrou de guardar umas batatas também?”
“Claro! Tem umas 30 separadas… é coisa demais pra eu comer sozinha”
“Hoje tá frio né…”, comentou uma das pessoas, soprando ar quente nas mãos.
“Mas os porcos parecem tão quentinhos…”, respondeu outra, fazendo as três começarem a soprar em suas mãos.
“Eles estão quentinhos desse jeito porque tem essa capona de gordura cobrindo eles né…”
“Verdade… verdade… tá até saindo um vaporzinho dele.”
O porco, de tanto sofrimento, saiu cambaleando.
“Espero que peguem logo esse aí.”
As três saíram do recinto, cochichando. Nisso, o sofrimento do porco só aumentou — quer ver? não quer? quanto antes melhor? alho-poró, batata, muita coisa pra comer… uma camada espessa de gordura, aaa… que medonho, ser olhado por alguém como se estivesse sendo perfurado com os olhos, medonho. Medonho. Depois disso, retorna o diretor da escola para uma pequena visita. Ali na entrada, fica batendo a neve dos sapatos, para depois encará-lo com uma careta um tanto vaga de sempre.
“Como vai? Melhor hoje?”
“Sim. Obrigado.”
“Boa. Você parece melhor. A comida está boa?”
“Obrigado. Muito obrigado.”
“Hm… Boa. Ah, por falar nisso, hoje vim até aqui para ter uma conversinha com o senhor.”
“Ah…..”, disse o porco com a voz um tanto rouca.
“O negócio é que todos que vivem neste mundo têm que morrer. É real, todos em algum momento vão morrer. Até mesmo o mais nobre dos homens, o mais rico dos ricos, os da classe média como eu e até mesmo o mendigo mais trivial.”
“Err…”, o porco, com a voz presa na garganta, acabou não conseguindo responder.
“E até os animais não-humanos, como cavalos, vacas, galinhas, andorinhas e bactérias, todos têm de morrer. Uma libélula nasce ao amanhecer e morre à noite, vivendo apenas um dia. Todos têm de morrer. É por isso que você e eu certamente morreremos um dia.”
“Aa…”, o porco, seguindo com a voz enrouquecida, falhava em responder.
“E é aí que vem o ponto que queria conversar com você. Sei que na minha escola você tem gente que goste de você. Não foi lá muita coisa, mas sei que cuidamos bem de você aqui. Tem gente aqui que te quer bem, alguns com os quais você se tornou próximo, eu sei, e pode até ser meio engraçado dizer isso…. mas sinto que você estaria bem melhor se estivesse sob os meus cuidados.”
“Aa…”, o porco seguia tentando responder, mas a comida que lhe haviam servido antes se encontrava presa em sua garganta, fazendo com que sua voz não saísse de jeito algum.
“Então… sobre o motivo da minha visita… É algo pequeno, mas seria de imensa felicidade se você conseguisse fazer isso por mim. Será que você poderia tentar fazer?”
“Aa…”, rouco, o porco não conseguia de jeito algum responder.
“Então, oh, é uma coisinha de nada. Tem esse papel aqui… Esse papel com essas coisinhas escritas. Consentimento ao óbito, Eu, em minhas capacidades e dado meu contínuo uso e benefício das acomodações aqui recebidas, declaro estar à disposição para morrer a qualquer momento, conforme a conveniência de Vossa Senhoria. Celeiro de Frandon, tal dia de tal mês de tal ano, assinado Yorkshire, ao diretor da Escola Agrícola de Frandon… essas coisas assim”, o diretor estava quase explodindo de tantas coisas sendo ditas de uma vez só.
“Simplificando, você só precisa por a sua patinha aqui nesse documento que diz algo como já que você eventualmente vai ter que morrer, quando chegar a hora de tal acontecimento, quando chegar o tal dia da sua morte, vai ser algo simples. Enquanto não for a hora, não vai ser necessário qualquer medida para isso.”
O porco se ajeitou, encarando o documento por um certo tempo. Caso o diretor estivesse falando a verdade, não havia motivo para preocupação, o que se provou o contrário quando o porco se pôs a ler o documento. Com a voz um tanto embargada no choro, disse:
“A qualquer hora você diz… você quer dizer hoje né?”
O diretor perdeu levemente a compostura, mas se ajeitou antes de responder que
“É… sim… mas de fato não seria hoje não…”
“Tá… então amanhã?”
“Ei… não é assim também… não tão rápido. Um dia aí, numa hora tal… é uma coisa mais vaga mesmo.”
O porco, já com a voz estridente respondeu com
“Esse negócio aí de morrer… é morrer ou ser morto?”
“Ahm… não, de forma alguma.”
“Então não! Não não não, de jeito nenhum!”, gritava o porco.
“Ei ei… não tem outra forma. Seu ingrato! Você não é diferente de um cachorro ou de um gato qualquer”, respondeu o diretor, furioso e aos gritos, totalmente vermelho enquanto guardava o documento no bolso e saía apressado do celeiro.
“Uau… então desde o início ele me via assim…”, o porco, de tão triste, se pôs a chorar o máximo que aguentasse. No entanto, passado meio dia chorando, junto do fato de não ter dormido dois dias, acabou caindo no sono aos prantos. E, mesmo nesse estado letárgico, várias foram as vezes em que o porco acordava aos trancos, se sacolejando.
No dia seguinte, o responsável pela criação dos animais retornou, junto de seu assistente. Com aquela postura de sempre, passou a olhar para o porco e, da maneira mais nojenta possível, mexia a cabeça dizendo:
“Que diabos aconteceu? Você emagreceu muito. Assim fica impossível! Isso aqui tá parecendo mais um porco criado numa fazenda de camponeses! O que é que aconteceu meu deus… Assim não dá. A capa de gordura diminuiu muito também. Magrinho desse jeito não dá nem pra inscrever numa feira de exibição. O que foi que aconteceu…”
O assistente levou a mãos aos lábios, matutando, e respondeu de uma forma um tanto descontraída:
“Oh, ontem pela parte da tarde o diretor passou por aqui… mas foi só isso.”
O professor deu um pulo.
“O diretor? Então é isso. Ele deve ter tentado conseguir o consentimento e acabou fazendo uma baita besteira. Acabou deixando o bicho assustado. Deve ter sido isso que o deixou tão agitado e sem dormir nada a noite inteira. Mas que belo problema, heim. E, pra piorar, nem deve ter conseguido o tal consentimento. Mas que belo problema, heim.”
O professor falou com uma expressão de sincera frustração. Rangeu os dentes com raiva, cruzou os braços por um momento e então disse:
“Enfim, não tem o que fazer. Abra bem as janelas. Depois, leve ele lá pra fora e faça-o se exercitar um pouco. Mas nada de bater nem fazê-lo correr feito doido, hein? Leve-o devagar, andando com calma, num lugar sem sol, lá para o lado do estábulo, onde a sombra cobre o pasto sem neve. Uns quinze minutos por vez. E não dê ração agora, deixe ele sentir um pouco de fome. Quando o humor dele melhorar de vez, dê a parte boa de repolho pra ele. Aí, se for se recuperando mesmo, vá voltando aos cuidados de antes. Um mês inteiro de engorda jogado fora numa única noite... Bom, entendeu?”
“Entendido, senhor.”
Quando o professor voltou para a sala dos docentes, o porco, agora totalmente abatido, estava cabisbaixo, sem ânimo para se mover ou gritar, e olhando fixamente para a parede do outro lado. Foi então que o assistente entrou, sorrindo, com um chicote fino na mão. Abriu cuidadosamente o portão do cercado e, com toda a polidez, disse:
“O que achas de um passeio? O dia está lindíssimo hoje, e o vento está calmo também. Pois bem, permita-me acompanhá-lo.” O chicote acertou-lhe as costas em um estalo. Era simplesmente insuportável. Sem outra opção, o Yorkshire saiu do estábulo se arrastando, mas o peito estava tomado de tristeza, e cada passo parecia dilacerá-lo por dentro. O assistente, lá atrás, vinha despreocupado, assobiando a melodia de It’s a long way to Tipperary, balançando o chicote de um lado para o outro.
Mas porque logo Tipperary? Mesmo eu estando tão triste... Revirava a boca com desgosto repetidas vezes. Às vezes ouvia-se:
“Veja, que tal se caminhássemos um pouco mais à esquerda? Que lhe parece?” E junto com as palavras doces, vinha mais um estalo de chicote. (Este mundo é realmente cruel... doloroso... Um verdadeiro mundo de sofrimento...), enquanto caminhava debaixo dos golpes, o porco se afundava nesses pensamentos.
“Então, que tal? Já é hora de descansar um pouco”, disse o assistente, dando mais uma chibatada. Jovens universitários brilhantes, me digam: que graça há em um passeio como este? Isso não é por saúde ou algo do tipo, é pura tortura!
O porco, sem alternativa, voltou ao estábulo e se jogou sobre a palha. O assistente trouxe um pequeno punhado das boas folhas verdes do repolho. O porco não queria comer, mas o assistente permaneceu em pé do outro lado, calado, encarando-o de cima com um olhar terrível. Sem ter qualquer outra escolha, o porco fingiu mastigar um pouco daquilo e, então, o assistente finalmente pareceu aliviado, dando uma risadinha curta enquanto saia dali assobiando novamente a melodia de Tipperary. Em algum momento a janela tinha sido escancarada e o porco mal conseguia suportar o frio que fazia.
Assim, mergulhado em pensamentos, o Yorkshire passou três dias como se estivesse num sonho.
No quarto dia, o professor de pecuária voltou acompanhado do assistente. Lançou um rápido olhar ao porco e, enquanto agitava a mão, disse ao assistente:
“Isso não tá nada bom, nada bom. Por que você não fez como eu te disse pra fazer?”
“Mas eu fiz, senhor. Abri bem as janelas, dei as melhores folhas de repolho e fizemos os exercícios diários de quinze minutos com bastante cuidado.”
“Sei… E mesmo com tudo isso, não houve melhora? Então é sinal de que esse aí só vai emagrecer daqui pra frente. Está sofrendo de subnutrição nervosa. Não há nada que se possa fazer de fora. Antes que ele vire apenas pele e osso, temos que decidir logo o que fazer. Não sabemos até onde isso vai. Ei, feche todas as janelas. E vamos usar a máquina de engorda. Dê-lhe comida sem parar. Duas medidas de farelo de trigo, duas de linhaça, cinco de farinha de milho, amasse tudo com água, faça bolos e force a comida duas ou três vezes por dia, usando a máquina. A máquina de engorda ainda tá aqui, certo?”
“Sim, está sim senhor.”
“Então o amarre. Quer dizer, antes de amarrá-lo, é melhor conseguir logo o consentimento. O diretor está mesmo deixando a desejar...”
O professor de pecuária saiu correndo rumo ao prédio da escola e o assistente foi em seu encalço.
Pouco depois, o diretor da escola agrícola apareceu, muito afobado. O porco, sem saber onde enfiar o corpo, começou a cavucar a palha do chão com o focinho.
“Vamo lá, vamos lá que a gente precisa acelerar isso aqui. Lembra do Atestado de Consentimento ao Óbito de outro dia? Pois bem, vou precisar que você o carimbe hoje mesmo sem falta. Não é lá grandes coisa. Carimbe aqui, vamos.”
“Nem pensar! De jeito algum!”, o porco chorava.
“Não quer?! Escuta aqui, amigão, não seja egoísta. Esse corpo aí, você só o tem graças à escola. Além disso, você ainda vai receber daqui pra frente duas medidas de farelo de trigo, duas de linhaça e cinco de farinha de milho todo dia, entendeu? Agora pare de besteira e carimbe. Vamos lá, carimbe logo!”
De fato, quando ficava bravo assim, o diretor era realmente uma figura assustadora. O porco ficou completamente apavorado.
“Carimbo! Eu carimbo”, disse com a voz rouca e trêmula.
“Maravilha, então vamos lá”, o diretor finalmente acalmou-se, tirou rapidamente a folha amarela do atestado de consentimento ao óbito e a abriu diante dos olhos do porco.
“Onde devo carimbar?”, perguntou o porco, chorando.
“Bem aqui. Abaixo do seu nome”, disse o diretor enquanto olhava os estreitos olhos do porco por cima de seus óculos. O porco contorceu a boca, levantou com esforço a curta pata dianteira direita e carimbou o documento com firmeza.
“Hum. Muito bem. Está feito”, disse o diretor, puxando a folha para si enquanto se acalmava após examinar atentamente o carimbo. Nesse momento, como se estivesse esperando na porta, apareceu de repente aquele cruel professor de pecuária.
“E então, senhor diretor? Deu tudo certo?”
“Claro, no fim deu certo. Bem, deixo isto aqui com você. Ah, por quantos dias seguirá a engorda mesmo?”
“Bem, vamos ver como tudo vai se desenrolando. Com galinhas ou patos, geralmente eles sempre engordam sem problema algum, mas, no caso de um porco tão sensível como este aqui, talvez a engroda forçada não funcione assim tão bem.”
“Entendo, faz sentido. De todo modo, prossiga com os trabalhos.”
Então o diretor se retirou. Dessa vez, o assistente voltou trazendo um estranho tubo de cordura com rosca e um balde com algo dentro. O professor de pecuária, enquanto falava, pegou um pouco do conteúdo do balde com os dedos e o examinou brevemente.
“Certo, amarre o porco”. O assistente entrou correndo no cercado com uma corda de cânhamo na mão. O porco esperneou, se debateu, mas no fim acabou imobilizado, com as duas patas direitas presas aos anéis de ferro num canto do cercado.
“Muito bem. Agora insira esta extremidade na garganta dele”, disse o professor, entregando o tubo de cordura ao assistente.
“Vamos, abra a boca, a boca, por favor”. disse o assistente em tom calmo. Contudo o porco cerrou os dentes com força, determinado a jamais abrir a boca.
“Não tem jeito. Faça ele morder isso aqui”. Um pequeno tubo de aço surgiu.
O assistente empurrou o tubo de aço entre os dentes do porco com força, rangendo. O porco gritava, chorava com todas as forças, mas no fim teve o tubo encaixado na boca, e só conseguia soltar lamentos abafados, vindos do fundo da garganta. O assistente então enfiou o tubo de cordura até a garganta do porco, através da abertura feita pelo tubo de aço.
“Assim está bom. Vamos começar”, disse o professor, transferindo o conteúdo do balde para o funil conectado à extremidade do tubo de cordura. Então, usando uma estranha manivela em espiral, forçava o alimento para dentro do estômago do porco. Por mais que o porco tentasse não engolir, não havia como impedir que a papa corresse pela garganta. E assim, ia enchendo-lhe o estômago, tornando seu ventre progressivamente mais pesado. Era isso o que chamavam de engorda forçada.
O mal-estar do porco era terrível. Passou o dia inteiro chorando, como em um transe.
No dia seguinte, o professor voltou para verificar.
“Perfeito, engordou! Está funcionando. A partir de agora, façam isso duas vezes por dia, você e o faxineiro”.
Assim foi durante os sete dias seguintes. O porco já não fazia ideia se lá fora brilhava o sol ou soprava o vento. Seu estômago doía de tão pesado, e suas bochechas e ombros incharam de forma anormal, a ponto de lhe faltar o ar. Estudantes vinham uns depois dos outros, dizendo várias coisas.
Certa vez, cerca de dez alunos chegaram até o porco e disseram:
“Nossa, você deu uma boa engordada…. quanto está pesando agora?”
“O professor, em uma olhadela, seria capaz de dizer, mas já que somos nós aqui… meio difícil né.”
“É porque a gente não sabe a densidade específica…”
“Eu sei! É a mesma da água”
“E você sabe disso como?”
“É que geralmente é a mesma. Se você jogasse ele na água, não ia nem afundar, nem flutuar.”
“Quê? Nada disso… ele não ia afundar, mas ia flutuar sim.”
“Mas isso é a parte da gordura, não? A gente tem que lembrar que porcos também têm ossos: então, considerando a carne e os ossos, a densidade específica deve se aproximar de um.”
“Ok, supondo que seja um, quanto será que ele pesa?”
“Uns 99 litros”
“Acho que não... tá mais pra uns 144”
“Não, não parece suficiente. Deve ser uns 162”
“Olha, eu acho que são 126 litros. Se são 126 e na conversão de 18 litros d’água são 18,75 quilos, então o certo são 131,75 quilos”
“Ah, então deve ser isso mesmo, 131,75 quilos”
O porco chorou um bom bocado enquanto ouvia essa conversa, de tão cruel que era ter que ficar ali ouvindo tudo isso. Ficar medindo corpos em unidades. Sete, oito, que seja.
No sétimo dia, o professor e seu assistente chegaram ao lado do porco e ficaram ali, parados.
“Parece que agora sim ein. Estamos no ponto certo. Só mais um pouco e já estaremos no ponto ideal. É isso, só mais um cadinho. Ultrapassar certo limite faria com que eles adoecessem, o que está longe do objetivo. Então acho que amanhã é o ponto de parada. Por hoje, chega de ração. Chame o seu ajudante para vir aqui amanhã e te ajudar a arrumar tudo. A palha tem que ser nova também. Entendeu?”
“Tudo certo.”
O porco ficou acompanhando o papo com todas as forças de seu corpo. (Amanhã, então, era o dia? Amanhã… amanhã… Seria o dia do juízo final para mim? É isso… amanhã… Puxado demais para mim, difícil demais.) O porco, diante tanta aflição, estava batendo a cabeça no cercado.
Um tempo depois, o assistente voltou com seu ajudante. Os dois desamarram o porco das argolas e o assistente disse:
“O que você acha? Que tal um banho? Assim tudo pode ser resolvido hoje mesmo.”
Antes de qualquer protesto do porco, o chicote logo chiou à distância, forçando-o a andar. De tanto que havia engordado, em menos de três passou já começava a ficar sem ar, fazendo um grande esforço para se locomover.
E o estalo do chicote ressoava mais uma vez. O porco, prestes a ser esmagado, havia conseguido sair do celeiro para, passos depois, dar de cara com uma imensa bacia de água quente.
“Vai, pra dentro da bacia!”, dizia o assistente junto a outra chicotada. O porco, rodando pela borda alta, conseguiu, depois de um tempo, entrar na bacia.
O ajudante, com uma escova bem grande, limpou o porco o máximo que pode. Só de bater o olho na escova, o porco começou, como um tolo, a gritar. O motivo é porque tais instrumentos são feitos com pêlo de porco. Enquanto o animal gritava, delirando, seu corpo ficou totalmente branco.
“Vai, acabou. Pra fora!”, ordenava o assistente ao porco, empurrando-o.
Sem escolha, o porco saiu da bacia, com o frio infiltrando seu corpo, fazendo com que ele espirrasse.
“Ih rapaz, vai pegar um resfriado ein.”, dizia o ajudante, com os olhos arregalados.
“Tá tudo certo… isso aí era só o tanto que ele tava fedendo”, zombava, ironicamente, o assistente.
Quando o porco voltou para o celeiro, a palha havia sido substituída. O frio atingia seu corpo como várias picadas. Sem nada no estômago desde a manhã, sua barriga mais parecia um vácuo que gorgolejava como uma tempestade de granizo.
Os olhos do porco não estavam mais abertos e sua cabeça começava a latejar. Várias lembranças horríveis da vida de Yorkshire passaram por sua mente como uma lanterna giratória, ora claros, ora escuros. Ouvia uma dezena de ruídos assustadores. Se vinham de fora, ou de dentro do porco era impossível de saber. Por fim, em algum momento da manhã, um sino toca na sala de aula. Logo depois, ouviu-se um zumbido e muitos alunos chegaram. O assistente também veio.
“Vamos fazer isso lá fora? Lá fora parece melhor… É isso, nos encontramos lá… Ei… Levem-no para fora e não deixem que ele faça tanto barulho assim. Tem que ser direto.”
Um professor de pecuária, usando uma bata marrom diferente da usual, está parado na porta de entrada.
O assistente entra, sério.
“Como vai? O tempo está muito bom hoje… por que você não vai dar uma passeadinha?” foi dito acompanhado por mais uma chicotada. O porco seguiu rapidamente, de bochechas inchadas, sem objeção. Na frente e ao lado, os pares de pernas pretas dos alunos se movimentavam como em um sonho.
Tudo clareou repentinamente. Do lado de fora, o porco caminhava lentamente com seus olhos estreitos por conta do brilho solar sobre a neve.
Sem saber ao certo o rumo que tomava e avistando um cedro ao longe, o porco ao olhar para cima, viu, repentinamente, um lampejo de luz branca, como um fogo de artifício, tremeluzir diante de seus olhos. Dele, um bilhão e mil fogos vermelhos jorraram para os lados, como água. Acima, um som agudo e penetrante nos céus. Ao lado, a água jorrando. Não sei o que aconteceu depois disso. De qualquer forma, bem ao lado do porco estava um professor de criação de animais, segurando um grande martelo com a respiração ofegante, parecendo um pouco pálido. O porcos parado a seus pés, bufando e bufando.
Os alunos, em alvoroço, trocavam a água da bacia onde deram um banho no porco, com as mangas arregaçadas, esperando ansiosamente para o que viria depois.
O assistente esfaqueou grosseiramente o porco, na garganta, com uma grande faca.
Essa história é de fato patética. Não continuaremos a narrativa. De qualquer forma, logo depois, o porco foi desmembrado em oito pedaços e empilhado no estábulo. As partes ficaram marinando na neve durante a noite.
Pois bem, caros e caras estudantes, naquela noite o céu estava límpido, a constelação de touro cintilava e a gélida e pálida lua em quarto crescente do dia vinte e quatro derramava sua luz azulada, semelhante ao mercúrio, sobre as nuvens ao redor. No meio daquela neve gelada e alva, no fundo de um monte branco empilhado como um cemitério de campo de batalha, o porco, limpo e bem lavado, estava enterrado, dividido em oito pedaços. A lua seguia, silenciosa. E a noite cada vez mais profunda e fria.