Valores políticos e valores artísticos:
reavaliando a teoria marxista
Tradução: Fabio Pomponio Saldanha
Revisão e cotejo: Felipe Chaves Gonçalves Pinto
HTML: Felipe Chaves Gonçalves Pinto
Texto original: “Seijiteki kachi to geijutsuteki kachi: marukusushugi bungakuriron no saiginmi”. In: Shinchô, mar., Tóquio, 1929. Disponível em: Aozorabunko. Acesso em: 01/10/2024.
Este texto está licenciado por: Licença Creative Commons Atribuição-CompartilhaIgual 4.0 Internacional (CC BY-SA 4.0).
Sumário
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Ainda que Copérnico tenha advogado em nome do heliocentrismo, para que o mesmo se tornasse uma teoria consolidada foi necessário chegarmos até as explicações de Isaac Newton. No entanto, os estudantes do Fundamental, atualmente, já tem em mente a formulação da Lei Universal da Gravitação. Assim, os alunos do século XX já superaram até mesmo Copérnico!
Construções arquitetônicas em pedra foram a continuação das de madeira. Construções ocidentais, como restaurantes, etc., são feitas em pedra. O templo Hōryūji é feito de madeira. Logo, as construções do tipo “restaurante ocidental” estão superando as feitas na mesma estrutura do templo Hōryūji!
Não há contradição em tal lógica descrita. No entanto, certo tipo de conclusão a ser retirada desta teoria não vem, necessariamente, acompanhada de nossa concordância. As razões prescindem de explicação, sendo suficientes momentos de reflexão de quem quer que seja.
Ainda assim, os problemas surgidos do encontro com as teses a serem apresentadas não são, de maneira alguma, simples.
As obras dantescas não contêm uma ideologia proletária; já as de Sinclair Lewis estão atravessadas por tal. Logo, as obras dantescas possuem menor valor artístico do que as de Sinclair!
Caso Dante já pareça ultrapassado, é possível substituir tal nome por Tolstói, Victor Hugo ou Johan August Strindberg.
“Com toda a certeza!”, diriam algumas pessoas em concordância. O valor literário de tais obras é determinado pela ideologia que comportam. Para a vitória proletária, portanto, são relevantes somente aquelas obras artísticas cujo cerne seja o fim já mencionado!
“De jeito nenhum!”, também diriam outras pessoas, pela premissa na qual a ideologia não é o único fator essencial na determinação do valor de uma obra literária. Assim, contribuições para a vitória do proletariado prescindem da verdadeira natureza das artes!
Essas duas visões são o foco de uma questão que, recentemente, não somente dividiram as opiniões em uma disputa entre vertentes marxistas e ortodoxas, em análises literárias, mas também causaram certa divisão dentro da própria vertente marxista. Por ora, deixando de lado o caso de outras artes,, as discussões em torno dos mecanismos e critérios de avaliação para valoramento da literatura também parece estar girando em torno dessas mesmas bases e preocupações.
E, que um problema simples como este gere diversas respostas e formas de se observar o mesmo fato, pode até mesmo levar algumas pessoas a estranhar a própria natureza do acontecimento, ainda que isso não retire seu atestado de realidade.
Creio que tal natureza misteriosa venha de uma aporia: escritores marxistas seriam, ao mesmo tempo, enquanto marxistas, tanto críticos quanto escritores. As bases marxistas de avaliação de uma obra literária são estritamente político-educacionais; enquanto isso, as mesmas bases para escritores, ou outros tipos de críticos, são voltadas para as Belas Letras. Em uma tentativa de ajuste e unificação das duas bases, novos esforços, consolidados por críticos marxistas, surgiram, tendo como corolário a divisão de diversas opiniões. E isso está longe de permanecer limitado a algo como a literatura popular.
O marxismo não é somente uma teoria política, ou econômica, mas sim uma visão de mundo. Uma palavra mais adequada talvez seja “uma filosofia”. Portanto, é, de certa forma, óbvio que, perante os mais diversos fenômenos no mundo humano, venha acompanhada de uma certa visão e interpretação uniformizadora dos fatos. No entanto, tal acompanhamento óbvio é uma expectativa diferente do visto por nossos olhos no momento presente. As funções dos marxistas diferem completamente das de um oficial de justiça (que recebe um código de leis completo e julga todos os acontecimentos à luz desse código) e é, na verdade, criar justamente esse código por meio das lutas cotidianas. Nesta tópica, para a análise literária, nós obviamente não dispomos de um regimento geral, com força de lei, postulando todas as diretrizes a serem obrigatoriamente seguidas, assim como não vamos dispor, sequer em um futuro próximo, de tais ferramentas. Isso, de maneira simples, não tem somente como pressuposto o fato de os trabalhos mais importantes dos melhores marxistas serem outros, mas sim que a própria natureza da questão é de fonte diversa.
No entanto, já aqui há um grupo de pessoas. Para elas, valores políticos e valores sociais podem ser, como duas linhas, sobrepostos. A isso, Katsumoto SeiichirōXY dá o nome de valor social. Dessa forma, valor artístico e valor social coincidem, transformando-se em uma ilusão a ideia na qual existe valor artístico fora do valor social: extingue-se, assim, essa primeira categoria chamada de valor artístico. Neste ponto em específico, o senhor Kurahara KorehitoXY parece dividir a mesma opinião que o senhor KatsumotoXY.
Mesmo o marxismo sendo uma visão estrutural do mundo, o objetivo mais urgente do movimento, aquele a reunir os esforços de todos, é a usurpação do governo político das mãos burguesas, pelo proletariado. Portanto, tanto a literatura, quanto as artes de forma geral, devem ser pensadas enquanto instrumentos para esse objetivo. A produção literária não tem, partindo dessa perspectiva, outra função a não ser a propaganda e/ou agitação política, seja direta ou indiretamente. Politicamente, essa é a única interpretação viável. Portanto, torna-se óbvio que o programa artístico dos partidos marxistas estipule a avaliação de uma obra artística, tendo em mente a medida na qual a mesma contribui para a vitória do proletariado. É, também, natural que o Partido venha a comunicar suas intenções e as diga em forma de ordem aos escritores e aos críticos filiados a ele. Seguir enunciando qualquer independência política das artes e da literatura como algo não propagandista desses objetivos é, logo, um tipo inútil de clamor. A utilidade absoluta de tais ferramentas é a libertação final do proletariado.
A base criteriosa para uma avaliação artística marxista é, portanto, totalmente política. Críticos e escritores marxistas devem ter essa base estabelecida em suas mentes e, em qualquer momento, caso renunciem ao entendimento da importância de tal estruturação, deixarão de ser marxistas, não importando mais a excelência de seu trabalho crítico e/ou literário. Afinal, ser marxista é um fato anterior ao ser crítico, ou ao ser escritor. Nessa configuração, o valor artístico deve estar necessariamente subsumido ao valor político.
Utilizemos, como estudo de caso da realidade, as obras de Anton Tchekhov. Não há objeção à ideia de Tchekhov ser um excelente escritor. No entanto, graças à necessidade de defesa política da revolução, as mesmas podem se tornar, de certa maneira, um tanto não palatáveis. Sendo este o caso, suas peças poderiam sofrer sérias represálias por parte dos marxistas, assim como as apresentações das mesmas poderiam até mesmo ser interditadas pelo poder estatal do proletariado. E essa proibição teria como fundo a própria política. No entanto, dada a mudança nos parâmetros políticos, por decisões tomadas entre os partidos e o controle estatal, o valor artístico das obras de Tchekhov evanesceria, assim, da noite para o dia?
Responderia que… não! Assim como creio na impossibilidade de responderem de outra forma que não essa. Senão por Tchekhov, pensemos nas obras de Charles Baudelaire, ou até mesmo Edgar Allan Poe. É de conhecimento geral que tais obras não têm contribuições diretas para a vitória do proletariado. Pelo contrário, parece ser de concordância garantida que tais obras não possuem relação alguma com qualquer esforço contribuinte para a melhoria das condições de vida e felicidade humanas. Mas seria isso o suficiente para dizer que não há valor artístico nas obras desses escritores? Os cenários de decadência e insalubridade descritos por tais escritores não só é um tiro no pé para a luta proletária, mas também se tornam extremamente contraproducentes para o avanço da humanidade. Ainda assim, por que tais escritos são reconhecidos pelo seu nível, todavia debatível, de valor artístico?
Eis aqui um mistério de difícil apreensão, via explicações monistas.
Um leitor impaciente talvez possa ser levado a crer que a minha intenção é de diminuição ou negação do valor político das obras artísticas. No entanto, o que desejo é o oposto disso. Tanto para reconhecer corretamente o valor político de uma obra de arte, assim como enfatizar sua importância, o primeiro passo é separá-lo do valor artístico. Se conseguíssemos embalar todas as questões no guarda-chuva do valor social, possivelmente as especificidades de uma literatura proletária, tal qual a do marxismo em si, desapareciam.
A literatura proletária ou, em sua outra denominação, a literatura marxista, tem em seu cerne uma constituição como literatura de base política. Ou seja, ela é uma literatura hegemonicamente política. De nada adianta manipular ou encobrir tal constatação. Logo, devem ser rejeitadas toda e qualquer tentativa de racionalização da literatura proletária e da literatura marxista que tenham como ponto de partida uma ideia de arte e literatura vindas de alhures. Embora seja possível interpretar, via marxismo, a arte e a literatura como fenômenos sociais, ambas as instituições não são, de forma alguma, ordenadas ou prescritas pelo marxismo para serem ferramentas de luta política. As únicas capazes de serem aliadas, de fato, de tal luta, são a literatura proletária e a literatura marxista. A literatura proletária não é vista a partir das Belas Artes, mas sim da posição política: assim, não deve ser explicada a partir da Teoria Literária, mas somente da Teoria Política.
Tal relação assume ares de confusão e eufemismo, mesmo dentro da obra de alguém como Anatoly Vasilyevich LunacharskyXY e, talvez, caso tais confluências fossem melhor explicitadas, o resultado seria um maior entendimento que substanciaria a existência da literatura proletária. Eis a simples razão. Parafraseando-me: ao invés de nos mantermos em um esquema valorativo da literatura como fruição, sendo substanciada por um mundo no qual a classe dos opressores e a dos oprimidos seguem em luta, deveríamos retirar de cena tal esquema do desenvolvimento de obras literárias, mesmo se isso se tornar um obstáculo, tendo em mente a destruição do conflito de classes. Isso porque, mesmo se a custa de todo o resto, o objetivo vem sendo a satisfação de desejos políticos em tensão. E este é o caso exato da literatura burguesa. O que vai sendo narrado dentro dessa história é o fato de que a classe burguesa, a partir de sua literatura política, narra sua própria construção em direção à posição hegemônica, tendo como base a sua própria revolução de origem. E seria minimamente enganoso pensar que tal construção literária se deu amiúde à paz e ao amor; pelo contrário: surgiu do sangue e da luta.
Ademais, a literatura utilizada pela classe burguesa como mecanismo de ascensão viria a ser estabelecida como literatura nacional por seus expoentes já maduros, como se a mesma fosse o tal símbolo de paz e amor. Exemplos dessa construção podem ser vistos em Johann Wolfgang von Goethe, Friedrich Schiller e Victor Hugo. Nesse contexto, a burguesia buscava, via autorrepresentação, simbolizar a humanidade, não uma classe, e, assim, a produção literária desse período poderia ser entendida como ligada à humanidade e à nação. Somente após tais acontecimentos é que o proletariado, enquanto classe, passou a estar em conflito com a burguesia, manifestando sua natureza de classe. Assim, tal produção do período burguês ascendente pertence mais ao proletariado do que à classe a revogar tal identificação. (Embasa meu argumento a teoria de Gotthold Ephraim Lessing).XY No caso específico da nação japonesa, creio que não temos autores e obras para chamarmos de clássicos nacionais. Ozaki Kōyō, Koda Rohan, Tsubouchi Shōyō, Tokutomi Roka, Natsume Sōseki, Kunikida Doppo: não há, entre esses, escritor algum capaz de ser entendido como um grande representante nacional do Japão Moderno. Isso pode ser explicado pela ausência de genialidade nos escritores japoneses; no entanto, parece mais pertinente entender tal fato pela ausência de esforço revolucionário na luta por mudança, da burguesia japonesa, na época feudal, dado que a mesma se estabeleceu enquanto dominante a partir do patrocínio de tal classe.
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Ainda que possa ter ficado evidente, por tudo dito acima, da obrigatoriedade da contribuição da literatura marxista para a vitória do proletariado, a mesma se mostra insuficiente, dado que a literatura marxista continua sendo, também, literatura. Isso por ser, talvez, de certa forma impossível dizer que o Manifesto Comunista seja uma incrível obra de arte.
Portanto, concomitantemente a esse grande princípio estrutural, outros tantos menores precisam acompanhá-lo. Por exemplo, uma obra literária não se limita a uma série de explicações como plataforma política partidária, mas também tem como capacidade a criação de algo novo; ou até mesmo um pequeno princípio como a ideia na qual, ao se defender abertamente algum tipo de posicionamento, vê-se ali um trabalho ruim. Essas variedades nada tem de relação com o marxismo, menos ainda com a política, mas sim com as artes em geral, assim como com os princípios que regem a literatura. Aqui notamos tanto a tese de Anatoli Vasilevitch Lunatcharski, quanto o corpo argumentativo geral da teoria literária marxista, cujas partes são duas: a política e a artística. Todavia, vale ressaltar que tais constituintes não estão misturadas em qualquer espécie de harmonia: a parte política está, sem sombra de dúvidas, acima da artística. É de obrigatoriedade a proteção desta combinação, em nome da literatura marxista.
A isso, seguem correlatas inúmeras questões. Por exemplo: unindo e emparelhando valores políticos e artísticos, com igual tratamento, dali surge uma espécie de teoria negativamente comprometida. As obras de alguém que pensa assim podem até conter traços de espírito combativo, ou certa ideologia permeada pelo pensamento de classe, e ainda assim serem consideradas um exemplar de obra de arte. No entanto, tal situação, ainda que embebida dos mais variados valores artísticos, enquanto falamos de literatura marxista, sempre será marcada pela ausência de espírito militante. Na falta de algo tão primário e basilar, tal produto será sempre julgado de forma pejorativa aos olhos daqueles a avaliarem-no como objeto literário marxista.
Caso, por exemplo, um marxista como Trotsky tivesse escrito um poema sem qualquer valor político. Ou alguém como o Dr. Kawakami HajimeXY tivesse composto um haiku, sem qualquer lastro político, ao observar, sabe-se lá se uma flor ou um inseto. Nessas situações, só poderiam estar fadadas ao erro interpretações que supusessem um plano de fundo marxista em tais composições, somente porque Trotsky e Kawakami são marxistas. Da mesma forma, supor algo da ordem de “se, hoje, um autor se filiasse a qualquer coletivo artístico marxista, tudo produzido por ele, até o momento imediatamente anterior, seria arte burguesa, e, tudo determinado como produzido posteriormente seria carregado de tons marxistas” é, minimamente, um tipo de pensamento infantil. A crítica literária marxista precisa de um movimento anterior à análise, o qual sempre visa o político. Nesse sentido, o afrouxamento de qualquer consciência política, dos autores marxistas, é fatal. Comentários como “a ideologia esfumaçou-se, em detrimento do avanço da técnica”, para um marxista, não é, de forma alguma, algo a ser visto como uma boa nova. A justificativa reside na natureza paradoxal do fato: o progresso como artista é o retrocesso como marxista.
No entanto, esta não é a última volta no parafuso. Até aqui, estávamos em uma relação direta entre críticos marxistas lendo obras marxistas; mas e quando o objeto de crítica marxista é, em realidade, obras que, geralmente, não são entendidas como marxistas?
Pensando como marxistas rigorosos, qualquer obra não-marxista, ao ser avaliada por um crítico filiado a tal visão de mundo, terá valor igual a zero; além disso, obras antimarxistas terão valoração negativa. Por exemplo, um verso como “Velho tanque/ Uma rã mergulha/ Barulho água”,XY de Bashō, para um marxista, tem valor zero. No entanto, existem diversos escritores que são não-marxistas, tanto quanto também estão no mundo pessoas que não possuem a mínima noção do que sequer é o marxismo.
Em tais circunstâncias, para que se possa fazer o trabalho corretamente enquanto críticos marxistas, é obrigatória a abstenção de qualquer juízo para obras não-marxistas. O passo seguinte do abandono da posição de crítico é seguir a posição de analista. Resenhas como as de Georgi Valentinovitch PlekhanovXY e Lenin em torno de Tolstói evidenciam uma série de questões (todavia, nem tudo) de suas posturas enquanto analistas. E se, nesse caso, o que se segue é realmente um abandono dos critérios políticos, o que se tem ali não é uma crítica literária marxista, apenas mais um exemplo de crítica literária comum.
Seguindo adiante, em obras cujo conteúdo seja extremamente antimarxista, críticos marxistas devem desmantelar tais produtos e suas estruturas de pensamento, combatendo seus erros para tentar, da melhor forma, superá-los. Fora isso, poucas preocupações restam e, se alguém fosse arrastado pelas belezas de uma obra antimarxista, extasiado em admiração pela completude da beleza artística de tal obra, já teríamos aí um caso de substituição dentro do jogo: sai o marxista, entra o crítico literário.
Mesmo que as explicações aqui sejam um tanto mecanicistas e quase nada práticas, isso só ocorre porque o feito, neste texto, é a delimitação do que é teoricamente básico. Ao nos dedicarmos na delimitação de princípios gerais, o mais interessante é ir do mais típico ao mais extremo, de modo a deixar tudo da forma mais adequada possível.
Meu último ponto aqui será tentar delimitar melhor aquilo que venho chamando de certa posição cética e pedir orientações gerais. Especialmente, gostaria de, neste ponto, pedir orientação de dois críticos cuja admiração, que tenho, não é pequena: Kurahara Korehito e Katsumoto Seiichirô.
Em primeiro lugar, deixo declarado certo ceticismo, de minha parte, quando estamos falando da teoria marxista atual. (No entanto, gostaria de deixar algo bem evidente: em momento algum me defino como um cético que duvida da verdade, não é este o ponto. “Cético”, em japonês, vem sendo escrito como kaigi, 懐疑, e é uma tentativa de tradução de skeptical; portanto, nasce aí a chance de sermos entendidos como algo que não somos).
Em seguida, dentro de todo o conhecimento que detenho de teoria marxista (que, deixando evidente, não é lá sem grandes limites), meu ceticismo não recai sobre a teoria de modo geral, mas sim encontra seu grande alvo nas aplicações da crítica literária, e os problemas criados por isso, quando pensamos na união do marxismo com a crítica. Acrescentando ainda mais um ponto: parece natural que, mediante a tantos problemas novos, que nos ocupam a mente de tantas formas, tenhamos tantas dúvidas; nada disso é ruim — na verdade, é preferível que estejamos neste momento de incertezas gerais. Isso porque o cenário principal é, também, evitarmos a cristalização de uma nova ortodoxia incompleta, mediante as inseguranças sentidas pelas interpretações do momento presente.
O terceiro ponto é um retorno a algo já discutido: não há como escapar do dualismo entre valor político e valor artístico. Não creio que o valor artístico como tal seja algo misterioso ou transcendente. Acredito que seja algo determinado socialmente. Apenas acredito que não tenha uma relação direta com a ideologia marxista ou com a luta política.
Um quarto ponto, não menos importante, é a minha percepção de que, olhando e analisando obras literárias, se torna difícil uma avaliação estritamente ligada aos sentidos políticos. Esta parte é feita tendo o marxismo como base, sendo ela uma visão estruturante da verdade. Mesmo reconhecendo e tomando isso como fato, é difícil não ser arrebatado por certo encanto de obras não-marxistas. E, no próprio instante no qual se percebe isso, é obrigatória a confissão do arrebatamento. Tomando esse mesmo ponto como verdade, vendo nisso o ápice da importância, o que se reconhece é a impossibilidade de harmonização de valores políticos e artísticos. Afinal, creio que é impossível a junção das duas. Uma teoria literária marxista não tem como objetivo a unificação dos dois valores, mas sim subsumir o valor artístico ao político, subjugando-o à hegemonia teórica desta visão. O entrelaçamento de ambas depende do poder e da autoridade do crítico.
Seguindo esse raciocínio, creio que a teoria marxista em torno das artes, por ser em parte uma teoria política, só é uma teoria da política, não devendo utilizar o nome de teoria artística. Portanto, é míster a desestruturação da teoria marxista em torno das artes, separando as partes política e artística, delimitando-as de forma mais direta e evidente. Se o marxismo literário for considerado uma teoria perfeita, então abriremos espaço para que teorias literárias fascistas e imperialistas também sejam assim classificadas. É necessário reconhecer, também, que o senhor Kuno ToyohikoXY tirou Marx e, no lugar, colocou Clifford Hugh DouglasXY. Assim, a avaliação de uma obra de arte deve ser construída a partir de uma plêiade de conceitos que, em algumas ocasiões, serão sim afastados de teorias construídas em torno das artes. No entanto, não é por existirem tantas ferramentas analíticas para a arte quanto a deusa Kannon tem mãos, que seja impossível tentar.
No entanto, caso se queira continuar acreditando na possibilidade de marxistas avaliarem os efeitos da arte em seu público e na sociedade, tendo a política como base para tudo, o problema se resolve de forma simples e rápida: assumamos que isso é uma teoria política. Porém, não podemos rejeitar os argumentos nos quais a arte é entendida atrelada à felicidade humana.
Em suma, o marxismo não pode continuar nesse movimento apropriador de conceitos artísticos, embalando-os a bel prazer em valores artísticos e políticos. Nessa perspectiva, tudo se realiza mediante a hegemonia política: o movimento controla a arte pela política. Esta relação não pode ser explicada de forma vaga, como algo dialético entre a política e a arte. O primeiro passo é a separação dos dois para, em seguida, ser possível explicitar a relação óbvia entre as duas.
Assim, a literatura marxista, ainda que por um curto período de tempo, naturalmente acaba perdendo a sua especificidade; ou melhor, a literatura marxista cuja finalidade é a contribuição para a vitória do proletariado pode acabar seguindo esse ritmo natural. Nada disso implica em uma diminuição do valor da literatura marxista voltada a tal fim, reforça-se tal obviedade, terminando este texto.
Março do quarto ano da Era Shōwa (1929), revista Shinchô.