Os três camponeses

Akita Ujaku

Tradução: Kauã Henrique Matassoli Ribeiro

Revisão e cotejo: Felipe Chaves Gonçalves Pinto

HTML: Felipe Chaves Gonçalves Pinto

Texto original: "San'nin no hyakushô". In: Fujin kôron. jun., 1920. Disponível em: Aozora Bunkô. Acesso em: 13/04/2025.

Este texto está licenciado por: Licença Creative Commons Atribuição-CompartilhaIgual 4.0 Internacional (CC BY-SA 4.0).

Antigamente, em um certo país do norte, havia uma vila afastada nas montanhas. Nessa vila, viviam três camponeses, chamados Isaku, Tasuke e Tarouemon. Esses três camponeses cultivavam um pequeno arrozal, e nos intervalos, faziam carvão para vendê-lo nas redondezas de um castelo, localizado a cerca de 12 km de distância. Esse era o trabalho deles.

A vila em que nasceram os três camponeses era pequena e solitária. Quando chegava o outono, toda a superfície da montanha ficava avermelhada, e as pessoas das redondezas do castelo deslocavam-se para vê-las. Fora isso, era uma vila que não tinha nada de especial. No entanto, na entrada da vila dos camponeses, fluía um grande rio que, no outono, ficava repleto de peixes Iwana e Yamabe. As pessoas da vila trabalhavam com alegria e vigor.

Os três camponeses, ao final de um certo outono, carregando, cada um, três fardos de carvão nas costas, saíram, como de costume, em direção às redondezas do castelo. Quando deixaram a vila, uma névoa matinal ainda cobria o rio, e sobre as pedras da margem formava-se branquíssima uma geada.

“Vamos torcer pro tempo continuar bom hoje”

Como se fosse um monólogo, disse Isaku enquanto atravessava a ponte. Os outros dois, em voz alta, responderam:

“Verdade, que continue”

Ajustando o ritmo, atravessaram a ponte. Como de costume, os três caminharam pela estrada, acelerando o passo, ansiosos para beber em uma taberna da cidade depois de venderem o carvão. Além disso, não pensavam em mais nada.

Isaku, por ser alto e o mais forte, caminhava à frente dos outros dois quando cruzavam a montanha. Enquanto isso, Tasuke e Tarouemon conversavam em voz alta durante a subida. Discutiam fervorosamente sobre uma jovem da vila que havia partido para o litoral com a intenção de se casar, porém regressou para casa após a morte do marido.

Ao chegarem no topo da montanha, contemplava-se uma planície e, de lá até as redondezas do castelo, estendiam-se os arrozais em todas as direções por 16 quilômetros. Os campos, banhados pelos raios do sol outonal, estavam completamente dourados.

“O Isaku tem pernas muito ligeiras!”

Disse Tasuke para Tarouemon.

“Esse homem por agora deve estar descansando no pé da montanha”

Respondeu Tarouemon enquanto ria.

Quando Tasuke e Tarouemon alcançaram o topo da montanha e chegaram a um local de onde podiam contemplar a planície, viram Isaku ao pé da montanha, olhando-os e acenando com toda força.

“O que foi? O Isaku está nos chamando”

Disse Tasuke.

Tarouemon também franziu a testa e olhou para o pé da montanha.

“Vem logo, anda… tem uma coisa interessante caída aqui!”

Escutava-se a voz de Isaku falando isso.

“Tem uma coisa caída, hein!”

Disse Tasuke enquanto ria. Tarouemon abriu sua grande boca e gargalhou também.

“Se foi o Isaku que achou não deve ser algo bom!”

Tarouemon acrescentou, enquanto descia a montanha com leve pressa, acompanhado de Tasuke.

Isaku esperava-os, no pé da montanha, evidentemente impaciente.

“Confiem em mim e venham logo!”

Ao ouvir isso, Tasuke desceu rapidamente, sem se importar com o saco de carvão. Como Tarouemon não era uma pessoa de natureza ágil, ficou para trás e desceu sem companhia. Quando chegou ao local onde Isaku estava, Tarouemon os observou levantando e tocando algo, como se fosse extremamente valioso.

“O que que caiu?”

Disse Tarouemon com um semblante estúpido, enfiando o rosto no meio dos outros dois.

“Olha! Algo assim cair…”

Disse Isaku, se afastando para que Tarouemon também visse.

“Haha! Que coisa estranha!”

Gritou Tarouemon.

Diante dos três camponeses, encontrava-se um recém-nascido abandonado, com apenas três meses de vida, envolto em um belo tecido. Segundo Isaku, o bebê dormia profundamente quando o encontrou.

“De onde será que é essa criança? Ela tem um rosto tão lindo”

“Vestindo um kimono bom assim não deve ser uma criança qualquer. Melhor não mexer. Se você se envolver e acabar sendo preso, não vai ser bom. Tem aquele ditado: ‘não mexa com quem tá quieto’.”

Complementou Tasuke, olhando para o rosto do bebê.

“Eu sei, mas você não sente pena? E se ele for encontrado por animais e fosse devorado?”

Disse o tímido Tarouemon.

“Também sinto pena da criança, mas esse kimono é bom demais para ser desperdiçado, não é?”

Isaku, que sempre foi um pouco ganancioso, despia aquele tecido luxuoso que envolvia a criança. Ao fazer isso, por volta da barriga do bebê, havia um doumaki costurado triangularmente. Isaku, como se não ouvisse o choro do bebê, pegou essa bolsa e, segurando uma das pontas, girou-a e viu um grande número de moedas saindo dela. Ao verem isso, Tasuke e Tarouemon ficaram surpresos.

“Que incidente bizarro!”

Tasuke olhou para Tarouemon com o rosto pálido. Como Tarouemon nunca havia visto uma quantia tão grande de dinheiro, estava boquiaberto e trêmulo.

E por uma proposta de Isaku, decidiram levar o bebê junto a eles.

“Pode deixar que eu vou cuidar desse dinheiro”

Disse Isaku enquanto amarrava a bolsa rapidamente em sua cintura. Ao ver isso, Tasuke ficou demasiadamente irritado e começou uma discussão. Como não tinha opções, Isaku deu 10 moedas para Tasuke. E a Tarouemon entregou 5 moedas enquanto dizia-lhe:

“Como você não tem filhos, deve criar essa criança”

“Vou levar a criança porque tenho pena dela, não é porque eu quero dinheiro”

Olhando para Isaku, respondeu Tarouemon, dispensando qualquer quantia. Tasuke sabia que, caso Tarouemon não aceitasse o dinheiro, Isaku o tomaria para si. Por isso, recomendou que Tarouemon aceitasse o valor. Como Tarouemon continuava recusando, Isaku deu duas moedas para Tasuke e guardou as outras três no doumaki. Por ter recebido duas moedas a mais, Tasuke não ficou insatisfeito com a situação. 

Os três camponeses desistiram de ir até os arredores do castelo e voltaram para a vila.

Aflito sobre como criaria o bebê, Tarouemon retornou ao seu lar. No entanto, ao apresentá-lo para sua esposa - que não tinha filhos - sua preocupação se esvaiu por vê-la em euforia. Como Isaku disse-lhe para não abrir a boca, Tarouemon não contou nada sobre o dinheiro.

“Se alguém descobrir algo sobre o dinheiro, nós três vamos ser presos juntos”

Isaku deixou claro para o ingênuo e honesto Tarouemon.

Enquanto Tarouemon e sua esposa observavam a criança, sentiram uma alegria que nunca haviam experienciado antes. Virando-se para Tarouemon, disse a Esposa:

“Será que esta criança não é de um templo...”

O motivo era que ela já havia visto uma vez um tecido de damasco como esse em um templo nas redondezas do castelo.

“Mulher idiota, quem vai abandonar uma criança em um templo!”

Repreendeu-a Tarouemon.

Naquela noite, Tarouemon e sua esposa decidiram ferver água em um caldeirão e dar banho no bebê em frente ao estábulo. A esposa estava casualmente desamarrando o obi da criança e, quando foi levá-la ao estábulo, caiu um pedaço de papel da manga do kimono.

“Mas o que é isso!”

Exclamou e entregou o pedaço de papel para Tarouemon. Ele pegou e viu os seguintes caracteres escritos em hiragana:

“Portado de motivo, desamparei um menino. Ansiá-lo-ei que seja bem criado por pessoas bondosas. Não vos apresenteis antes de serdes chamados, quando chegar a ocasião soprará o vento primaveril.”

Para ler essa carta, o casal gastou uma noite inteira. Como cada um havia interpretado de forma diferente quando leram, demorou muito.

“Não importa o que a gente leu, é claro que a gente vai tratar bem o bebê”

Disse Tarouemon

“Verdade, verdade”

Concordou a esposa.

Naquela noite, ambos dormiram abraçando o bebê. Ao serem tocados pela pele macia do bebê, sentiam um prazer indescritível. Durante a noite, o bebê chorou duas vezes, mas a cada vez eles se levantavam para acalmá-lo e deixá-lo “fazer xixi”, de modo que pela manhã haviam dormido muito bem. Quando acordou, a esposa levantou rapidamente e foi abrir as venezianas. Ao fazer isso, o sol brilhou incessantemente casa adentro. A esposa sentiu como se de repente tivesse se tornado uma pessoa importante, a ponto de achar estranho.

Tarouemon, do seu jeitinho, pensava na criança que dormia em seus braços como se fosse um filho que ele mesmo colocou no mundo.

“Olhe! Essa criança tem um rosto tão lindo..”

Disse Tarouemon chamando sua esposa, que estava fazendo os preparos matinais.

“É mesmo, que rostinho lindo. A gente não pode deixar esse bebê ser um camponês!”

Respondeu decididamente, enquanto olhava o rosto da criança dormindo.

O boato de que Tarouemon havia adotado uma criança se espalhou por toda a vila. Ao anoitecer, as mulheres e crianças de lá vieram em grupo para ver o bebê abandonado. E, ao se depararem com uma criança tão bela, todos ficaram maravilhados.

“Que sorte tem a familía do Tarouemon!”

Diziam todos em sintonia enquanto voltavam para casa.

Até agora, a casa de Tarouemon era vista apenas como a mais pobre e a mais ridicularizada pela sua honestidade, mas após pegaram um bebê, tornou-se uma casa muito animada e feliz. No entanto, eles não tinham nem uma plantação e, agora que tinham uma criança, ficavam cada vez mais pobres. Ele, porém, não reclamou sequer uma vez. Quer estivesse arando os campos, ou fazendo carvões nas montanhas, ao lembrar da criança, não se aguentava de felicidade. 

“Quero acabar logo o trabalho e ir ver ele”

Pensava do fundo de seu coração enquanto laborava.

Como acharam a criança de manhã, deram-na o nome de Asatarou que agora já tinha quatro anos de idade. Apesar de ter uma feição linda - como sempre era levado para o campo e para a montanha - passou a ter um rosto escurecido pelo sol digno de um filho de camponês. Até suas roupas eram, claro, iguais a de um camponês, então ninguém acharia estranho caso dissessem que realmente era o filho de Tarouemon e sua esposa.

Mudando de assunto, como será que estão Isaku e Tasuke que encontraram a criança com Tarouemon?

Após aquilo, Isaku e Tasuke se desentendiam cada vez mais e sempre estavam brigando. Em um verão de certo ano, Isaku abriu uma pequena taverna ao lado de uma ponte e, como não havia nenhuma outra pela vila, ela prosperou muito e ficou cada vez mais lucrativa. Mesmo sem arar os campos ou fazendo carvão, ele passou a conseguir comer muito bem. Na época, Tasuke possuía um pequeno moinho no final da vila. No entanto, passava todo dia na loja de Isaku para beber e comer peixe seco e, como não pagava nem uma pequena parcela da conta, isso virou o motivo de suas brigas. Quando você achava que estavam brigando, faziam as pazes e quando achava que estavam bem um com o outro, voltavam a brigar.

As pessoas da vila se perguntavam como aqueles dois - que eram tão próximos - passaram a brigar tanto assim.

No início do outono, quando Asatarou tinha quatro anos de idade, o governador do castelo enviou um grande número de seus servos para escoltar um palanquim vazio e veio até esse vilarejo afastado. Os aldeões observavam a procissão extremamente assustados. Então, da primeira linha, a qual estava o governador, entrou avassaladoramente na casa do chefe da vila chamado Chouzaemon. O chefe da vila, com o rosto pálido, foi ao encontro do governador.

“Temo que ainda seja cedo para apreciar as folhas outonais, por qual motivo vossa excelência estaria aqui?”

Comprimentou-o o chefe da vila com sua cabeça no tatame. 

“Na verdade, hoje eu venho lhe pedir um conselho estranho. Poderia me acompanhar nessa conversa?”

Após rir, respondeu o governador. Chouzaemon, ainda mais assustado, disse:

“Caso haja algo em que eu possa lhe ajudar, ficarei honrado. Pergunte o que vossa excelência desejar.”

“Sei que é repentino, mas nesta vila há um jovem chamado Asatarou. Vocês não estariam dispostos a me dá-lo, não é?”

Disse o governador.

Chouzaemon não conseguiu responder nada além de “Então…”. O motivo era simples: de todos, Asatarou era quem Tarouemon mais amava — e disso sabia o chefe da vila. Chouzaemon, aterrorizado, olhou para o rosto do governador e disse:

“Na verdade, por alguns motivos, aquela criança foi resgatada por Tarouemon e tem sido criada por ele até hoje…”

“Eu também estou ciente disso. É porque eu sei que estou lhe pedindo um conselho. Na verdade, aquele menino, Asatarou, é o jovem Yoshimatsu, herdeiro do nosso senhor. Imagino que você fique surpreso ao ouvir isso, mas por um pequeno erro de nosso senhor aquela criança caiu nas mãos de malfeitores e quase foi morta. Depois de muitos esforços, conseguimos abandoná-la em um local remoto nas montanhas para ser criada por um camponês honesto. A prova do que lhe falo deve estar com quem a encontrou. De todo modo, eu gostaria de encontrar-me com o jovem Yoshimatsu o mais rápido possível.”

Respondeu o governador com um tom de voz muito sério.

Quando Chouzaemon entendeu pela primeira vez a situação, logo foi para a casa de Tarouemon e o fez mostrar o pedaço de papel que estava guardado no kamidana. Em seguida, acompanhado por Tarouemon e Asatarou, apresentou-se diante do governador. Ao fazer isso, o governador e seus servos escoltaram Asatarou para fora do quarto até o tokonoma e o reverenciaram. 

Tarouemon, que já havia ouvido fragmentos da história por Chouzaemon, ficou chocado ao ver a cena. Já Asatarou, que não sabia de nada, ficou olhando o rosto de todos ao seu redor.

Ao final da tarde deste dia, Asatarou – ou melhor, Yoshimatsu – enquanto olhava perplexo para o escurecer do dia foi colocado naquele lindo palanquim adornado com o símbolo de sua família e levado para o castelo. Em retorno, Tarouemon e sua esposa receberam uma enorme quantia de dinheiro.

“Mas que história para se comemorar! O seu Asatarou se transformará em um lorde, não é?”

Disse o chefe da vila voltando-se para Tarouemon quando não se via mais o palanquim no horizonte. Com muitas lágrimas nos olhos, respondeu Tarouemon:

“Comemorar o que… chefe? Deus, eu imploro, se o jovem senhor um dia não quiser mais ficar lá, fala pra ele voltar pra casa sem pensar duas vezes, ouviu?!”

Após dizer isso, Tarouemon desabou em lágrimas.

Notas